As funções primordiais dos legisladores da cidade – fiscalizar a prefeitura e fazer leis – são citadas por menos de um terço dos eleitores, segundo levantamento da Paraná Pesquisas
Para que serve um vereador? 42% dos eleitores curitibanos não souberam responder a essa pergunta feita em um levantamento de opinião pelo Instituto Paraná Pesquisas, entre os dias 21 e 23 de março, a pedido da Gazeta do Povo. Apesar do porcentual elevado de cidadãos que desconhecem o trabalho da Câmara, os números do levantamento revelam, por outro lado, que a maioria dos eleitores (58%) afirma conhecer a função dos parlamentares municipais. Mas a percepção da maioria é de que o vereador tem de cumprir atividades que não são as principais que ele deveria desempenhar.
O que faz?
Legislar e fiscalizar o Executivo são principais atividades do vereador, segundo a Constituição
De acordo com o artigo nº 31 da Constituição Federal, cabe aos vereadores elaborar leis que são da competência do município (sistema tributário, serviços públicos, isenções e anistias fiscais, por exemplo).
Os legisladores municipais também têm o dever constitucional de fiscalizar a atuação do prefeito para assegurar o bom desempenho do Executivo. Outra função constitucional dos vereadores é exigir a prestação de contas dos gastos públicos da prefeituras.
Na prática porém, a função mais exercida pelos vereadores é “ponte” entre os cidadãos e o prefeito. Isso se dá principalmente por meio de um recurso legislativo chamado de “indicação” – um documento que o vereador envia à prefeitura ou a outro órgão municipal solicitando um pedido apresentado por um eleitor. Como não funcionam como lei, as indicações não exigem que o vereador faça consulta em plenário para apresentá-las ao prefeito. Cabe ao prefeito ou ao secretário municipal atender ou não à solicitação, sem que para isso precise ter sido apresentado algum projeto do vereador.
Desinformação
69% não sabem qual vereador representa o bairro em que mora
O levantamento de opinião realizado pelo Instituto Paraná Pesquisas revela que, mesmo esperando que os vereadores levem investimentos para suas regiões, a maioria dos eleitores curitibanos (69%) não lembra o nome dos parlamentares que representam o bairro em que vive. A pesquisa ainda revela que, em uma escala um pouco menor, 55% dos eleitores não lembra nem sequer o nome de um vereador em Curitiba.
Para o cientista político Ricardo Oliveira, da UFPR, o dado é “preocupante”, pois mostra a falta de educação política do eleitor. Já o diretor da Paraná Pesquisas, Murilo Hidalgo, acredita que os números devem servir como alerta. “Todos os anos fazemos pesquisas e esta realidade não muda. É preciso que o eleitor faça um mea culpa e tome consciência. É preciso muito cuidado antes de votar.”
Para 59% dos eleitores, o vereador tem de levar investimentos para o bairro que representa; e 50% acreditam que ele deve ser um intermediário entre a prefeitura e o cidadão. As práticas assistencialistas – como doação de cadeiras de rodas e remédios – ainda persistem no imaginário de uma parcela expressiva dos curitibanos como atividades dos vereadores (foram citadas por 29%). As funções constitucionais dos legisladores da cidade – fiscalizar a prefeitura e fazer leis – foram lembradas por apenas 27% e 14% dos eleitores, respectivamente.
Autopropaganda
O diretor do Instituto Paraná Pesquisas, Murilo Hidalgo, diz que o resultado do levantamento é fruto da propaganda que os vereadores fazem do próprio trabalho. “Quando uma obra é realizada, eles distribuem jornais e espalham faixas de agradecimento: ‘O vereador tal conseguiu esta obra’. É sinal de que esta estratégia funciona”, diz Hidalgo, que lembra que as obras são de responsabilidade da prefeitura.
Já o professor de Ciência Política Ricardo Oliveira, da UFPR, afirma que os números refletem a “cultura política nacional em que o eleitor espera obras e clientelismo, em lugar do exercício legislativo propriamente dito”.
Na mesma linha, o professor de Ciência Política Luís Domingos Costa, da Facinter, isenta o eleitor de culpa e diz que a percepção distorcida das funções do vereador nasce da estrutura institucional em que a Câmara Municipal repete o que faz o Congresso: funciona como um braço do Poder Executivo. “Há a mesma estratégia de fatiar o orçamento para concentrar recursos na região de influência de aliados. Por causa da omissão no cumprimento de sua principal missão, o eleitor não compreende que as tarefas de legislar e fiscalizar os demais poderes são as mais importantes”, diz Costa.
O cientista político da Facinter ressalta, no entanto que representar as comunidades e bairros também é, “em certa medida”, uma das funções dos vereadores. Apesar disso, Costa considera que o fato de a população esperar que essa seja a principal função do vereador é “sintoma da relação pouco saudável” entre os poderes. “O Legislativo funciona como um arrimo do Executivo, endossando o que a prefeitura faz de bom e de ruim.”
Cidadão reprova o trabalho da Câmara
O levantamento do Instituto Paraná Pesquisas pediu que os eleitores da capital atribuíssem, numa escala de zero a dez, uma nota para os atuais vereadores de Curitiba. A média final foi de 4,7. O índice expressa o alto grau de reprovação ao trabalho do Legislativo municipal, segundo os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
“Os escândalos recentes contribuíram para o aumento da rejeição, pois no último mês tivemos o desfecho do desgastante caso Derosso e muitas greves dos servidores municipais que ficam expressas nesta rejeição dos eleitores”, diz o cientista político Ricardo Oliveira, da UFPR, se referindo à renúncia do ex-presidente da Casa João Cláudio Derosso após denúncias de irregularidades nos contratos de publicidade da Câmara.
O diretor da Paraná Pesquisas, Murilo Hidalgo, concorda com a análise. “As notícias negativas divulgadas pela imprensa durante o último ano com certeza contribuíram para a reprovação.”
Já para o cientista político Luís Domingos Costa, da Facinter, os números são mais influenciados por uma impressão de longo prazo. “Por mais que os eleitores saibam que os vereadores levam os serviços públicos até eles, a percepção geral é de que que isto não ‘resolve a nossa vida’, pois o trabalho tem sido mal feito.”