Em todas as épocas, sempre que aparecia um instrumento que facilitasse a condição humana, trazendo comodidade, vinha embutida, com a novidade, o temor ou o arrepio do que isso poderia representar para a sociedade. Foi assim com o automóvel que desenvolvia, nos primórdios, a incrível velocidade de 70 Km por hora, uma velocidade do diabo e um perigo para pedestres.
Nos diferentes instrumentos desenvolvidos por inventores, cientistas, professores pardais, apareceram efeitos colaterais. A faca, por exemplo, é necessária na cozinha, útil em diferentes situações, mas pode ser uma arma na mão de um assassino. Toda medicação, em demasia, é prejudicial ao corpo humano. O mesmo ocorre no excesso de exercícios ou esforço físico, prática recomendável para toda as idades.
Nessa relação de causa e efeito nem sempre é possível prever todas as consequências que uma nova ferramenta ou descoberta geram. Basta analisar os comentários, contra e a favor, a Inteligência Artificial e seus algoritmos. Ela é capaz de suplantar o seu criador, o ser humano, e submeter a sociedade aos seus ditames? Ela pode acabar com a democracia?
Vejam quanta facilidade o telefone celular trouxe à população mundial! O telefone deixou de ser unifuncional para assumir multifunções, desde relógio, despertador, calculadora, até porta de banco e bússola… Mas eis que o mau uso desse super aparelho – o que sempre depende de quem o tem em mãos – traz problemas e preocupações.
Quantas pessoas não caminham com o celular em mãos, absortos na telinha, sem prestar atenção onde pisam, quem está na sua frente? Até rua atravessam mais atentos ao celular do que ao trânsito. E quantos motoristas não dirigem com um olho na direção e outro no celular? E motoqueiros, com suas sacolas às costas, atentos ao endereço de entrega da encomenda? Esses ainda podem ser considerados males menores. Sobra aquele vício da telinha.
Em mesa de bares, não raro vemos grupo de quatro, seis, oito pessoas, com celulares em mãos – conversando entre si? – perdendo a oportunidade de contato direto com quem está do seu lado. Pais delegam seus celulares até mesmo para crianças numa mesa de restaurante, para que elas tenham um entretenimento e os deixem almoçar em paz!
O celular também amplificou a bandidagem. Tenho mais números de telefones bloqueados de pretensos serviços de vigilância bancária informando o valor de alguma compra e indicando a tecla dois para contestá-la, do que é minha lista de contatos. Se a cada dia recebo dois, três desses telefonemas, é sinal de que a sacanagem tem resultado em muitos casos.
Assim caminha a humanidade, dois passos para a frente, um ou três passos de ré. A cada final de ano jorram mensagens de amor, harmonia, tranquilidade que logo ali adiante se tornam palavras vazias, pois as guerras, lutas fratricidas, desejo de poder, alvos econômicos que mandões almejam não sustentam uma paz verdadeira. Donald Trump que o diga!
A disseminação de celulares permite a disseminação da desinformação. Se o celular consegue provocar até mesmo polarização política, o que a IA, se mal aplicada, não poderá fazer? As escolas, as universidades, precisam introduzir, com urgência, um currículo que trate da leitura crítica das novas ferramentas de relações, da nova linguagem, não só de comunicação, para a saúde física e emocional da humanidade.
Longe dos holofotes por muitos anos, o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) voltou à cena após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sugerir mudanças nas regras do benefício em declarações recentes. “Regulando melhor a portabilidade, nós entendemos que há um espaço para uma queda do preço da alimentação. Tanto do vale-alimentação quanto do vale-refeição”, afirmou Haddad, em entrevista a jornalistas em janeiro.
O contexto é a tentativa do governo Lula de oferecer respostas à preocupação social com a alta do preço dos alimentos. E o PAT é central por uma razão simples: com 22 milhões de beneficiários, é um dos maiores programas de alimentação do Brasil.
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, não teria sido consultado sobre a proposta de mudanças levantada pela Fazenda, o que sugere uma desorganização na cúpula do governo federal sobre um programa já consolidado e considerado fundamental entre os benefícios aos trabalhadores. A gestão do PAT é compartilhada entre o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, do Ministério da Fazenda, e o Ministério da Saúde.
A caminho de completar 50 anos em 2026, o programa se tornou assunto de interesse da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que enviou ao governo, no início do ano, uma série de propostas para redução dos preços dos alimentos. Entre elas, a portabilidade do vale-alimentação (VA) e vale-refeição (VR), sob a alegação de que as altas taxas cobradas pelas emissoras dos vales inviabilizam a oferta de alimentos a preços justos nos supermercados.
As taxas costumam variar de 3,5% a 4,5% do valor da transação, mas há relatos de até 6%. Na comparação, compras com cartão de débito geram uma taxa de 1% a 2% aos lojistas, enquanto no crédito pode chegar a até 5%.
Em 2022, a portabilidade do cartão de benefícios de alimentação foi instituída por lei, mas não chegou a ser implementada por discordâncias entre empregadores e o governo federal. A medida permitiria ao funcionário escolher a gestora de seu VR e VA, tarefa que hoje cabe ao departamento de Recursos Humanos (RH) de cada empresa.
“Da forma como o programa está desenhado hoje, basicamente só o setor supermercadista dá conta de receber o vale e diluir os custos com taxas. Seria muito importante que na feira se aceitasse o benefício. Mas imagina o feirante embutir esse custo? Ele não consegue”, diz Daniela Canella, professora do Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com ampla pesquisa sobre o PAT.
Contrária à proposta de portabilidade, a Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT) avalia que a migração não trará nenhuma vantagem. “A portabilidade dos vales alimentação e refeição é totalmente diferente da portabilidade no setor bancário ou de cartão de crédito, no qual o cliente faz a portabilidade para um banco com menor taxa na busca de reduzir os custos de crédito ou de tarifas. Os vales alimentação e refeição são pré-pagos, sem a incidência de qualquer taxa ou tarifa para o trabalhador”, diz Lucio Capelletto, diretor-presidente da ABBT.
A associação representa 21 empresas fornecedoras de vales, incluindo as gigantes Alelo, Pluxee (ex-Sodexo), VR e Ticket. No lugar da portabilidade, as empresas defendem a interoperabilidade, que permitiria que todas as maquininhas de cartão, que já operam débito e crédito, aceitassem os vales.
Pesquisadores alertam que a interoperabilidade, por si só, não levaria a melhorias na alimentação dos beneficiários do PAT. Isso porque ainda faltaria regular de forma mais efetiva o que se pode comprar com o benefício, para além das regras vigentes de proibição de compra de bebidas alcoólicas e produtos não alimentícios.
“A regulamentação do quê e de onde comprar, no caso dos vales, é um bom caminho. É claro que não vai dar conta de tudo, que vai ter biscoitos e outros ultraprocessados, mas, se você faz alguma restrição de onde pode usar, que não sejam os locais que vendem prioritariamente ultraprocessados, já ajuda”, avalia Daniela Canella.
Além de supermercados e restaurantes, redes de fast-food, bombonieres e até lojas de conveniência podem se cadastrar para receber pagamentos com vale-refeição ou alimentação. “Uma proposta é restringir bebida adoçada, e com isso você já corta um tanto de coisa. Poderia ser um primeiro passo para reformular o PAT, alinhado à reforma tributária”, defende a pesquisadora.
Um mergulho no PAT
O PAT foi criado em 1976 como uma política de aporte calórico para trabalhadores da indústria. À época, o país registrava altos índices de acidentes de trabalho, muitos deles atribuídos a deficiências nutricionais dos funcionários das fábricas, o que poderia causar fraqueza, desatenção e outros problemas de saúde. Além disso, as faltas ao trabalho costumavam ser mais frequentes por motivo de doenças derivadas da má nutrição.
“Nos anos 1970, tivemos um inquérito muito importante, o Indicador de Educação Financeira (Indef), que olhou para vários aspectos de nutrição e identificou que 67% da população adulta tinha um déficit energético”, explica Daniela. “Com o país se industrializando, o programa nasce na perspectiva de oferta de refeição para suprir esse déficit dos trabalhadores, com foco prioritário nos trabalhadores de baixa renda, que provavelmente eram essa população com um déficit energético.”
Com adesão voluntária, as empresas podem optar por oferecer alimentação no local de trabalho, por meio de refeitório próprio ou de refeições fornecidas por uma terceirizada, por cestas de alimentos ou por vale-alimentação/refeição. E é justamente essa última modalidade que está em disputa.
O valor do benefício pago pelos empregadores é isento de encargos sociais e contribuição previdenciária. Ou seja, não tem natureza salarial. Mas o valor investido pelas empresas no PAT pode gerar deduções fiscais.
Considerando um período-base, a empresa pode deduzir, do lucro, o dobro das despesas comprovadamente realizadas no âmbito do programa. Essa dedução não pode exceder 4% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) devido pelo lucro no período e está disponível apenas para empresas que optam pelo modelo de tributação de lucro real – geralmente corporações que têm receita anual superior a R$ 78 milhões. Entre 2015 e 2023, essas empresas conseguiram deduzir R$ 13,1 bilhões com o PAT.
Modalidades previstas no PAT
1) Serviço próprio: A empresa assume toda a responsabilidade pela elaboração das refeições, desde a contratação do pessoal até a distribuição das mesmas.
2) Terceirizada: O empregador contrata uma empresa beneficiária e concessionária registrada no PAT para fornecer as refeições ou administrar a cozinha/refeitório.
3) Cestas de alimentos: Fornecimento de itens básicos, com compra própria ou por meio de empresa terceirizada.
4) Vale-alimentação (VA) e vale-refeição (VR): O empregador contrata uma empresa fornecedora de vale-refeição, que fará o repasse do benefício em cartão individual de cada trabalhador. Os valores podem ser utilizados em restaurantes e/ou supermercados da rede credenciada da empresa emissora.
Dados do MTE divulgados em dezembro apontam que há 471 mil empresas cadastradas no programa. Dos 22 milhões de trabalhadores beneficiados, 19 milhões recebem até cinco salários mínimos. E é justamente sobre essa fatia que incide a possibilidade de incentivos fiscais para o empregador que adere ao PAT.
Não há valor mínimo ou máximo na concessão do benefício do PAT. O teto existe apenas em relação ao desconto em folha do trabalhador, limitado a até 20% do valor total do vale-refeição ou alimentação no mês. O principal indicador a ser observado pelas empresas ao estabelecer o valor do benefício é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), já que ele mede a variação de preços de produtos e serviços consumidos pelas famílias com renda de um a cinco salários mínimos.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), divulgada pelo IBGE, mostram que o rendimento médio do trabalhador brasileiro foi de R$ 3.225 por mês em 2024. A média salarial da maioria dos trabalhadores formais do Brasil, portanto, está dentro da faixa do INPC.
Desde a sua criação, o PAT foi importante para a diminuição do número de acidentes de trabalho. Mas os tempos são outros, a força de trabalho migrou para o setor de serviços e há mais a ser considerado na alimentação de trabalhadores hoje do que a ingestão de nutrientes, especialmente levando em conta que a maior parte dos beneficiários recebe VA e VR. Um aparente consenso é de que o programa precisa caminhar na direção das recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, ou seja, estimular a população a fazer de alimentos in natura e minimamente processados a base das refeições.
Em entrevista ao Joio, a diretora do Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde do Ministério da Saúde, Gilmara Lucia dos Santos, afirmou que a pasta está trabalhando junto ao MTE na construção de um novo ato normativo para o PAT, que deve identificar as principais lacunas para seu alinhamento ao Guia e, assim, definir novas diretrizes para as empresas participantes. “Desta forma, iremos além de definições sobre valores de referência para macro e micronutrientes. Buscamos avançar incluindo definições baseadas na regra de ouro do Guia Alimentar e na promoção de ambientes alimentares saudáveis nas dependências das empresas credenciadas ao PAT.”
Quem ganha com a portabilidade?
A Abras apresentou ao governo a proposta de criação do PAT e-Social, sob a qual o benefício seria operado diretamente pelo governo federal via pagamento em conta salário. O texto diz o seguinte: “Dessa forma, os trabalhadores teriam mais uma opção onde receberiam o benefício diretamente em suas contas, sem precisar de vouchers privados que cobram taxas abusivas. Neste modelo, a origem e a destinação do benefício são devidamente preservadas, com a identificação do depósito efetuado ao trabalhador no extrato do e-Social. O recurso, disponível por meio de cartão de débito, PIX ou DREX da Caixa Econômica Federal, multi-bandeira, poderá ser utilizado em supermercados filiados ao PAT.”
Segundo a associação, essa medida geraria uma economia de R$ 10 bilhões por ano, que poderiam ser revertidos para redução do custo da alimentação. Procurada pela reportagem, a Abras não detalhou como chegou a esse número nem como isso levaria a preços mais baixos nas gôndolas dos supermercados. Portanto, ainda não há garantias de redução nos preços ao consumidor.
Além da ABBT, a Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) emitiu um parecer contrário à portabilidade dos vales. O temor é que a medida geraria desgaste para as equipes de RH, que precisariam ter funcionários dedicados a lidar com os pedidos de mudança de empresa emissora. Isso também poderia representar o fim de contratos com boas taxas entre empregadores e fornecedoras de VR e VA.
Para o advogado Roberto Baungartner, membro do Comitê RH de Apoio Legislativo (CORHALE) da ABRH, o fracionamento de usuários entre várias empresas deve aumentar o custo unitário do contrato do benefício. “Os defensores da portabilidade dizem: ‘Vamos fazer um teste, ver o que acontece, porque pode ser positivo’. O que eles estão sugerindo é um experimentalismo perigosíssimo, oneroso, sem avaliar as consequências disso”, afirma.
O resultado mais desfavorável seria, na visão de Baungartner, que a elevação de custos poderia levar os empregadores a desistir de oferecer o benefício. Isso porque esse aumento de custos poderia superar as deduções fiscais. Afinal, o PAT segue sendo um programa de adesão voluntária.
“O Fundo Monetário Internacional já publicou várias vezes que, se o benefício ao trabalhador é dado em dinheiro, ele não atinge a sua finalidade. É gasto em finalidades diferentes daquela para a qual ele foi direcionado”, aponta o advogado do CORHALE. “O que dá lucro para o supermercado são os produtos de consumo de valor agregado, como televisão, geladeira, qualquer outra coisa que não seja gênero alimentício básico. Se der o benefício em dinheiro, eles não vão mais vender o feijão, que dá menos lucro.”
O Banco Central declarou que não opera na regulamentação dos vales alimentação e refeição, inclusive com base em uma resolução de 2023 que estabelece que esses benefícios não integram o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). A Abras pediu a revogação dessa resolução.
Junto aos supermercados nas trincheiras da portabilidade estão fintechs como o iFood, interessadas em entrar em um mercado hoje dominado por quatro empresas. Em 2021, a empresa lançou seu próprio vale-refeição, o iFood Benefícios, que permite a utilização dos créditos de vale-refeição em supermercados, além de restaurantes.
Em julho do mesmo ano, o MTE abriu um processo administrativo contra o iFood, pois a regra vigente à época determinava que era necessário separar os créditos entre refeição e alimentação. O processo pede a retirada da empresa entre as inscritas no PAT pela suposta violação das regras. Em dezembro de 2024, o iFood pleiteou o cancelamento da ação, o que foi negado pela Justiça Federal. Ainda cabe recurso.
“Aquela fintech que nunca operou o Programa de Alimentação do Trabalhador, que nunca credenciou um restaurante ou teve uma nutricionista como responsável técnica, da noite para o dia quer que o cartão refeição e alimentação seja tratado exclusivamente como meio de pagamento”, pontua o advogado do CORHALE. Para ele, isso poderia levar a uma batalha de titãs para atrair o trabalhador para a portabilidade, com negociação de descontos no delivery e em academias, por exemplo, itens atualmente vedados pelo MTE.
“Seria uma maneira de atrair o consumidor para trocar para a sua marca. Só que não é isso que interessa. O que interessa no PAT é o tamanho da rede, é a qualidade da refeição, é um bom atendimento ao usuário, para a finalidade da refeição e alimentação do trabalhador.”
Apesar da criação de 1,7 milhão de empregos com carteira e do desemprego e no aumento recorde da massa salarial, as desigualdades entre mulheres e homens no mercado de trabalho permanecem inabaláveis. O boletim especial publicado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) neste sábado (8) aponta que as mulheres continuam com as maiores taxas de desemprego, os menores salários e ainda acumulam tarefas domésticas, incluindo atividades relacionadas aos cuidados de outras pessoas, atribuição que muitas ainda realizam além dos limites dos próprios lares, como trabalho remunerado.
Ao mesmo tempo, desde 2022, elas passaram à frente dos homens na chefia dos lares brasileiros, tornando-se responsáveis por 52% dos domicílios. Nos lares monoparentais, aqueles onde apenas um adulto vive com os filhos, sem a presença de um cônjuge, a chefia feminina chegava a 92%.
Os dados são do 3º trimestre de 2024, obtidos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PnadC-IBGE).
Desemprego e baixa renda
Em 2024, a taxa de desocupação ficou em níveis historicamente baixos. Mesmo assim, no 3º trimestre do ano passado, 3,7 milhões de mulheres estavam sem trabalho e em busca ativa de uma colocação no mercado de trabalho.
A taxa de desocupação feminina foi de 7,7%, contra 5,3% para os homens, no 3º trimestre de 2024. No caso das mulheres negras, a desocupação atingiu 9,3%,taxa muito maior que a dos homens não negros (4,4%).
Além das dificuldades para conseguir ocupação no mercado de trabalho, as mulheres também estavam mais concentradas em profissões que exigem menos qualificação formal e que recebem menores rendimentos. Uma em cada três (37%) mulheres ocupadas ganhava um salário mínimo ou menos.
O rendimento médio das mulheres ficou 22% abaixo do dos homens – diferença de R$ 762 por mês: as mulheres receberam, em média, R$ 2.697 e os homens, R$ 3.459. O rendimento médio dos homens não negros (R$ 4.536) foi, em média, mais do que o dobro do das mulheres negras (R$ 2.105), o correspondente, em termos percentuais, a 115%.
Entre os trabalhadores que ocupam cargos de direção, as diferenças de remuneração foram grandes. Diretoras e gerentes mulheres ganharam, em média, R$ 6.798, enquanto os homens na mesma função receberam R$ 10.126, diferença de R$ 3.328 ao mês, que, em um ano, equivale a R$ 40 mil a menos para elas.
Tempo e responsabilidade com afazeres domésticos
As mulheres são penalizadas com mais responsabilidades e tempo dedicado às tarefas domésticas.
Considerando o tempo gasto com o trabalho e as tarefas domésticas, a dupla
jornada, tanto dos homens como das mulheres, é extensa. Em média, homens têm dupla jornada semanal de 53 horas e, mulheres, de 55 horas. E isso sem considerar o tempo de transporte até o local de trabalho. Ou seja, há uma sobrecarga de trabalho total entre as mulheres, o que acaba por penalizá-las em outras esferas da vida, como nas atividades de socialização, lazer, participação política e educação.
A jornada semanal de trabalho remunerado masculina excede a feminina em 4,3 horas, enquanto a jornada de trabalhos não remunerada feminina supera a masculina em quase 10 horas. Em um ano, as mulheres gastam 499 horas (ou, 21 dias) a mais do que os homens em afazeres domésticos.
Cláusulas negociadas
Cláusulas relacionadas às mulheres são pactuadas em grande parte dos acordos e convenções coletivas todos os anos. As cláusulas tratam de garantias relacionadas a trabalhadoras gestantes, lactantes, igualdade de gênero, saúde da mulher, maternidade, responsabilidades familiares, assédio, entre outras.
Além dos direitos garantidos na legislação, são asseguradas, em muitos casos, garantias mais benéficas que aquelas contidas na lei. Abaixo, foram selecionados alguns temas importantes pactuados, disseminados nas negociações de 2023.
TODOS OS DIAS, cerca de 12 mil mulheres privadas de liberdade trabalham no sistema prisional brasileiro, para entidades públicas e privadas, sem direitos trabalhistas básicos. Algumas cumprem escala de 44 horas semanais, outras são cobradas por produtividade, mas nenhuma tem contrato de trabalho.
Direitos como a carteira assinada, o 13º, o FGTS e a hora extra foram vetados a esse grupo de mulheres por uma lei de 1984, a Lei de Execução Penal (LEP). A norma obriga toda pessoa condenada a trabalhar, com “finalidade educativa e produtiva”, e expressamente desvincula as tarefas da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). A regra permite ainda que a remuneração seja menor do que um salário mínimo – e as penitenciárias ficam com uma parte.
É com base nessa lei que estados e empresas gerem a força de trabalho de milhares de mulheres detentas no país. Gastando menos com salários, ou mesmo sem pagá-las, eles oferecem vagas em atividades como costura, montagem de peças e fabricação de produtos, além de atividades internas nos presídios, como manutenção geral, limpeza e cozinha.
Porém, os relatos de egressas e detentas à Repórter Brasil mostram que esse modelo de trabalho deixa as mulheres mais vulneráveis e sujeitas a abusos. Elas dizem serem comuns os atrasos de salário ou mesmo a falta de pagamentos. Muitas vezes não recebem capacitação ou treinamento específico para as máquinas que operam. Alegam trabalhar sem equipamentos de segurança ou uniformes adequados. E em casos de acidente, não recebem auxílios sociais como os demais trabalhadores, carregando sequelas laborais pelo resto da vida, sem apoio.
“O trabalho penal é mais uma forma de punição”, avalia a advogada Iara Medeiros, pesquisadora do direito do trabalho na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). “A pena é a privação de liberdade e ponto. Não é a oferta de trabalho precário no cárcere, péssimas condições de saúde e alimentação”, reforça.
Foi nesse vazio de direitos que Marcela Cristina Pereira, de 29 anos, perdeu o antebraço esquerdo na Penitenciária Feminina de Sant’Anna, em São Paulo. Em 2019 ela trabalhava para a Ideal, uma fábrica de lâmpadas instalada na unidade, quando seu moletom ficou preso em uma máquina industrial. “Quem me treinou foi uma companheira também presa”, responde ela sobre a qualificação que recebeu.
Marcela chegou ao hospital com os pés algemados e viu seu antebraço ser transportado em uma caixa de papelão, sem gelo, oito horas depois. “O médico mostrou uma foto e disse que não tinha como reimplantar. Estava preto”, relembra. A cirurgia foi feita 20 horas após o acidente. No domingo, já estava de volta à cela, onde passou os dias seguintes com fortes dores e acesso limitado a analgésicos, ela diz.
Sem vínculo empregatício, Marcela ficou sem salários enquanto não voltou a trabalhar. Como indenização, recebeu R$ 42 mil do seguro contratado pela empresa, enviados diretamente à mãe e à filha. Procurada pela reportagem, a Ideal não se manifestou.
Caso tivesse a carteira assinada, Marcela teria direito ainda ao auxílio-acidente, uma indenização paga ao segurado do INSS quando uma sequela permanente reduz sua capacidade laboral. Esse benefício é pago mensalmente até o trabalhador se aposentar.
Marcela teve problemas também para acessar a reserva do salário penal, o pecúlio – uma conta onde é depositado o que sobra dos salários, após descontos feitos pela administração penitenciária. Quando progrediu ao regime aberto, em 2024, ela recebeu um cheque de R$ 1.500, mas até hoje não acessou o valor, alegando problemas na numeração do documento.
Procurada pela Repórter Brasil, a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) de São Paulo afirmou que, em caso de acidentes de trabalho nas oficinas das unidades prisionais, o “atendimento é realizado prontamente” pelas equipes de saúde e que a recuperação e medicamentos são decididos pelo hospital responsável pela ocorrência. A pasta disse ainda que “qualquer cheque que contenha erro em seu preenchimento pode ser substituído mediante contato com a unidade”. Leia o posicionamento na íntegra.
A cada 10 detentas, 4 trabalham
A população carcerária feminina vem caindo nos últimos anos e chegou a 28,7 mil pessoas no primeiro semestre de 2024, segundo os dados mais recentes do Sisdepen (Sistema Nacional de Informações Penais), compilados pela Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), do Ministério da Justiça. Do total de mulheres privadas de liberdade, um terço cumpre prisão provisória (quando não há condenação) e a maior parte delas (62%) são negras.
Já o número de mulheres trabalhando também estava em queda até 2020, quando chegou a 9.322 trabalhadoras. Passou a crescer desde então, subindo 27% em quatro anos, com 11.904 mulheres ocupadas em 2024. Em valores percentuais, também houve aumento de mulheres trabalhando, indo de 30% para 41% do total de mulheres privadas de liberdade no mesmo período. Em alguns estados, como o Ceará, 96% das detentas trabalhavam no ano passado.
O principal “empregador” são as próprias penitenciárias, que ocupam 52% da mão de obra carcerária feminina, segundo o Sisdepen. Em seguida estão as empresas privadas, que respondem por 26% das vagas, todas oferecidas em parceria com os estados.
Há um “boom de contratações” porque as empresas perceberam esses acordos como um “bom negócio”, e os governos identificaram neles uma forma de gerar recursos ao sistema, afirma o procurador Heiler Natali, do MPT (Ministério Público do Trabalho), coordenador do projeto de Adequação das Condições de Trabalho no Sistema Prisional.
Natali conta que Santa Catarina estabeleceu um modelo que está sendo replicado por outros estados. Os acordos preveem um salário mínimo ao detento, mas 25% do valor são retidos pela unidade, como “taxa de manutenção carcerária”, e o restante é repassado ao detento.
Para as empresas, além da possibilidade de pagar menos que um salário mínimo e das isenções de encargos trabalhistas, há outras vantagens. Muitas produzem sem custos de energia, água, segurança e outras despesas que deveriam incidir sobre o produto. E alguns estados ainda isentam o ICMS, como Pernambuco. “Nem na China se obtêm produtos mais baratos do que aqueles produzidos com mão de obra carcerária no Brasil”, afirma Natali.
Apesar da ausência de vínculos de emprego, a advogada Iara Medeiros identificou em sua pesquisa várias mulheres em relações típicas de trabalho formal em Pernambuco, como jornada de 44 horas semanais, oito horas diárias e uma hora de intervalo para almoço. Por outro lado, não encontrou processos trabalhistas movidos por mulheres no cárcere ou egressas. O principal obstáculo, ela diz, é o receio delas em retornar ao sistema.
“O trabalho [na prisão] ostenta as características de uma relação [formal] de emprego, bem claramente falando. Mas só não é uma relação de emprego porque assim não quis o legislador na década de 80″, complementa Natali.
Insegurança e condições precárias no trabalho
Foi o medo que impediu Jaqueline Gomes da Silva, hoje com 30 anos, de buscar seus direitos na Justiça. A falta de proteção trabalhista permitiu que ela “vendesse” sua força de trabalho por mais de um ano de graça, somente pela “remição da pena”, quando se desconta um dia da sentença a cada três trabalhados. Quando saiu a sentença, ela não teve acesso aos salários, nem pôde usar a remição, já que foi condenada a realizar trabalhos comunitários.
Jaqueline foi presa provisoriamente em 2015 por tráfico de drogas, aos 20 anos, e mandada ao Presídio de Pouso Alegre, em Minas Gerais. “Quanto antes eu começasse a trabalhar, menos tempo passaria ali”, pensou ela ao entrar no sistema. “Ali, eles queriam presas para trabalhar. Isso ficava na nossa cabeça o tempo todo”, relembra.
Em menos de dois meses, Jaqueline estava na limpeza da administração e, depois, na Tigre, onde encaixava canos de plástico e selava sifões. A jornada era das 9h às 16h30, com metas diárias. “De 30 mulheres, cerca de 15 recebiam e as demais trabalhavam por remição”, conta.
As internas que cumprissem a meta no horário tinham direito a banho de água quente, em chuveiros instalados na sede da empresa dentro do presídio, ela recorda. Questionada sobre a “regalia”, a empresa afirmou, em nota, que a administração penitenciária é responsável pelo gerenciamento dos contratos e pelo acompanhamento das atividades, assim como o recebimento dos recursos e repasses. Leia o posicionamento na íntegra.
Depois Jaqueline fez faxina na enfermaria, auxiliou uma dentista, passou pela lavanderia e por uma fábrica de garrafas térmicas. Em nenhuma função ofereceram equipamentos de segurança. “O presídio não tem custos com limpeza, eletricista ou pedreiro, porque os presos fazem tudo”, afirma.
Sua prisão provisória durou 1 ano, 3 meses e 27 dias, até ser condenada a realizar trabalhos comunitários. Como a pena não previu privação de liberdade, não pôde usar os dias de remição adquiridos pelo trabalho voluntário, que não pagava salário. Foi colocada em liberdade, mas sem qualquer ganho pelos dias trabalhados. Considerando 75% do salário mínimo atual, ela deixou de receber em 15 meses de serviço ao menos R$ 17 mil.
Ana Paula da Silva, hoje com 37 anos, também não se viu digna de direitos após ocupar uma vaga com jornadas exaustivas e passar três meses sem salários. Ela trabalhou por quase três anos encaixando formas de brigadeiro na Indapol, empresa instalada na Colônia Prisional Feminina de Abreu e Lima, em Pernambuco.
Ela conta que o trabalho se estendia para mais de 10 horas diárias em períodos festivos, uma violação à Lei de Execução Penal, que determina jornadas de trabalho de seis a oito horas diárias em seis dias da semana, com descanso aos domingos e feriados. O salário era enviado à filha, então com três anos e criada pela avó.
Em 2017, Ana descobriu que a Indapol faliu, deixando de pagar os três últimos salários. Sem alternativas, ela começou a vender sabonetes na unidade para auxiliar a família. “Tinha dia que eu ganhava R$ 10 ou R$ 15, mas era incerto”, conta. Com os custos da neta, a mãe de Ana precisou conter gastos e deixou de visitá-la regularmente.
Ana só foi paga no início de 2025, após contato da Repórter Brasil com a Seap (Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização), do governo de Pernambuco. “A empresa Indapol regularizou os pagamentos pendentes junto à Seap”, disse a pasta, em nota.
A respeito de Jaqueline, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais informou que “o trabalho não é obrigatório para presos provisórios” e que, atualmente, todas as 427 parcerias com empresas privadas são remuneradas. Em nota, a secretaria disse que Jaqueline trabalhou para uma empresa privada entre 2015 e 2016 e que “a remuneração foi depositada em conta judicial para constituição de pecúlio, podendo ser resgatada mediante determinação judicial”.
Sobre o trabalho de faxina e manutenção da unidade prisional sem remuneração, a secretaria mineira afirmou que esse trabalho não é remunerado, sendo realizado de forma voluntária para remição de pena. “O custodiado assina um termo declarando ciência da voluntariedade da atividade”, diz a nota.
3/4 do salário mínimo: único direito das detentas não é respeitado
As dificuldades para receber ou acessar os salários são um dos pontos mais comentados por egressas e mulheres privadas de liberdade. A Defensoria Pública de Pernambuco inspecionou, em outubro de 2024, o presídio de Abreu e Lima e ouviu das mulheres que eram recorrentes os atrasos nos salários.
O órgão avaliou 47 mulheres que atuavam na costura para empresas privadas e outras 25 que trabalhavam apenas pela remição da pena, sem remuneração. As mulheres relataram ainda condições insalubres na cozinha, onde queimaduras seriam comuns. Caso se acidentem, elas são afastadas sem pagamento.
A Seap afirmou à Repórter Brasil que os atrasos ocorreram devido a dificuldades financeiras da empresa contratada, em razão da pandemia, mas que a situação foi regularizada.
Contudo, os dados do Sisdepen revelam outra grave e persistente violação: o trabalho por remuneração inferior a 3/4 do salário mínimo, limite estipulado pela Lei de Execuções Penais. “Esse é o único direito que elas têm e, como regra, não é respeitado”, corrobora o procurador Heiler Natali.
Em todos os anos da série histórica havia mulheres nesta situação. Em 2024 eram 2.298 mulheres, ou 19% do total de trabalhadoras, em unidades prisionais de dez estados: Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
O painel de informações penais mostra ainda que o número de detentas que trabalham pela remição da pena triplicou nos últimos quatro anos, indo de 1.628 mulheres em 2020, para 4.750 em 2024. A cada dez trabalhadoras, quatro estavam nessa situação no ano passado.
Procurador do Trabalho no Rio Grande do Norte, Afonso Rocha diz que é “muito comum” usar a mão de obra apenada para serviços de manutenção. Porém, essas tarefas são consideradas irregulares quando feitas sem remuneração ou formação profissionalizante.
Não foi o que aconteceu com Helen Baum, que entrou para o sistema prisional em 2014, no CDP de Franco da Rocha, em São Paulo. Ela e duas internas limpavam a área comum da unidade e capinavam o entorno, uma região tomada pelo mato. Sem equipamentos adequados, vestiam camiseta, bermuda e chinelos. E recebiam cerca de R$ 6 por mês, conta.
“Lá é muito quente. Uma vez eu pedi água para uma funcionária, que me disse que eu só poderia beber quando terminasse [de capinar]. Do lado de fora, não tinha banheiro”, relembra. Além do trabalho precário, ela conta que passavam por revistas vexatórias, precisando ficar nuas ao entrar e sair da unidade.
A Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo afirmou que o uso de equipamentos de proteção individual é obrigatório e monitorado pelos policiais penais.
Más condições também estiveram presentes quando Helen trabalhou para a Facobrás, durante sua passagem pelo Centro de Progressão de Pena do Butantã. Ela montava diariamente 450 peças para ignição de carros semi-novos. “A gente fazia tudo correndo, sem nenhum cuidado. Machucava o dedo, ficava com solda na pele, mas não parava. Tinha um paninho sujo do lado que a gente usava para limpar o ferimento e seguir trabalhando. Tenho marcas nas mãos até hoje”, conta. Questionada, a empresa não retornou.
Assim como Ana e Jaqueline, Helen não trabalhava apenas pela remição da pena, mas também porque precisava ajudar o filho que estava do lado de fora. Para essas mulheres, o dinheiro é mais do que um pagamento: é a única forma de contribuir com as despesas de casa e garantir o básico para os filhos que, nos três casos, ficaram sob os cuidados das avós.
Embora o uso da mão de obra carcerária seja justificado pela reintegração social, na prática isso não se traduz em capacitação profissional ou oportunidades concretas pós-pena. Sem dinheiro ou qualificação, muitas mulheres deixam o cárcere sem perspectivas, o que agrava o ciclo de reincidência criminal, afirma Heiler Natali.
A advogada e pesquisadora Iara Medeiros critica a exclusão dessas trabalhadoras da CLT e defende mudanças na legislação para garantir condições mais dignas e direitos trabalhistas básicos. “Dizem que a pessoa apenada não tem autonomia suficiente para vender a sua força de trabalho. Mas são liberdades distintas. Há a liberdade de vender a força de trabalho, mediante um contrato, e a liberdade de locomoção, essa sim tirada na sentença”, finaliza.
A chegada de Gabriel Galípolo à presidência do Banco Central (BC), indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, trouxe expectativas de mudanças na condução da política monetária. No entanto, as primeiras reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) sob seu comando confirmaram a continuidade do ciclo de elevação dos juros. Na decisão anunciada nesta quarta-feira (19), a taxa Selic foi elevada em 1 ponto percentual, atingindo 14,25% ao ano — o maior patamar desde 2016.
O aumento, embora já esperado pelo mercado, reforça a percepção de que a autonomia do BC segue alinhada às demandas do mercado financeiro, mesmo com uma nova equipe no comando. Para economistas ortodoxos, a transição não permite grandes rupturas imediatas, especialmente em um contexto de inflação persistente e incertezas globais.
O principal recado do Banco Central, ontem, foi de que os juros continuarão subindo, mas em ritmo menor, embora não tenha indicado de quanto seria essa nova alta. O que o Banco Central disse é que “diante do cenário adverso”, o Comitê de Política Monetária “antevê, em se confirmando o cenário esperado, um ajuste de menor magnitude na próxima reunião”. O BC deu essa indicação futura, mas não se comprometeu com taxa alguma.
O Copom preferiu se deixar livre para decidir, em 7 de maio. A imprecisão dos dados e a enorme incerteza em função da política comercial do governo Donald Trump não permite antecipar expectativas. Apesar do verdadeiro choque de juros que o BC já aplicou no país, nas últimas três reuniões, a economia continua crescendo. “Ainda que sinais sugiram uma incipiente moderação no crescimento”, diz o comunicado do Copom. Quanto o país não cresceria caso a política monetária fosse alinhada com as políticas do Ministério da Fazenda?
Já se sabe, no entanto, que os juros ficarão acima do nível de quando a inflação atingiu o patamar de dois dígitos, em 2015, mesmo estando abaixo da restritiva meta. O Copom informa também que a elevação dos juros ainda não tem data para acabar. “O comitê reforça que a magnitude total do ciclo de aperto monetário será ditada pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.
Herança da gestão Campos Neto pesa na decisão
Embora Galípolo tenha assumido o BC no início de 2025, as decisões recentes ainda refletem compromissos firmados durante a gestão de Roberto Campos Neto. O “forward guidance” estabelecido em dezembro de 2024 previa novas altas nos juros, e o Copom manteve essa trajetória para evitar surpresas negativas no mercado.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reconheceu essa transição delicada durante participação no programa Bom Dia, Ministro, da EBC, nesta quinta-feira. “Na última reunião, você contratou três aumentos bastante pesados na Selic. Você não pode, na presidência do Banco Central, dar um cavalo de pau depois que assumiu. Isso é uma coisa muito delicada”, afirmou Haddad, defendendo a cautela de Galípolo ao lidar com os legados da gestão anterior.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que acredita que a economia brasileira pode crescer e ao mesmo tempo desacelerar a alta dos preços. “Eu não acredito que a gente precisa de uma recessão para abaixar inflação no Brasil. Acho que você consegue administrar a economia de maneira a crescer de forma sustentável sem que a inflação saia do controle”, afirmou o ministro.
Haddad não respondeu diretamente se concorda com o aumento dos juros, porém afirmou confiar no trabalho do Banco Central (BC). “Nós temos uma tarefa que é debelar o aumento dos preços que houve, isso tem que ser feito pelo executivo e pelo BC independente”, disse. “Eu acredito que a equipe do BC vai fazer o trabalho corretamente para trazer essa inflação [para a meta], e nós vamos fazer nossa parte.”
O ministro afirmou assim que o governo continuará perseguindo sua meta de déficit primário zero para este ano. A desconfiança do mercado financeiro com as contas públicas são um dos motivos a pressionar por uma alta de juros. O mercado financeiro exige dividendos muito maiores do governo para continuar investindo nos títulos públicos.
Pressão do mercado financeiro mantém juros altos
Economistas destacam que a manutenção do ciclo de alta dos juros está diretamente ligada à influência do mercado financeiro sobre o BC. Apesar de Lula ter indicado sete dos nove membros do Copom, as decisões continuam refletindo as prioridades do setor financeiro.
“O BC foi capturado totalmente pelo mercado financeiro”, afirmou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo em entrevista ao programa Entrelinhas Vermelhas, que vai ao ar, hoje. Segundo ele, a visão predominante de que altas nos juros são necessárias para controlar a inflação ignora fatores estruturais e sistêmicos que impactam os preços. “Não há independência real. Quem manda no Banco Central é o mercado financeiro.”
Os dados do Boletim Focus reforçam essa tese, especialmente por consultar apenas agentes financeiros, ignorando a indústria, o comércio, o consumidor e o sindicalismo, que também compõem “o mercado”. As projeções compiladas pelo BC indicam que a inflação deve encerrar 2025 em 5,7%, acima do teto da meta de 5%. Diante desse cenário, analistas do mercado financeiro defendem que o BC mantenha uma postura “hawkish” (contracionista) para evitar que a inflação se desancore ainda mais.
Inflação persistente é a justificativa
O comunicado do Copom aponta que a inflação segue resistente, especialmente nos setores de serviços. Além disso, fatores externos, como a política comercial do governo Donald Trump nos Estados Unidos, aumentam a incerteza global e pressionam os preços no Brasil.
Em fevereiro, a inflação oficial registrou alta de 1,3%, impulsionada pela disparada do dólar no final de 2024. Embora a tendência seja de desaceleração nos próximos meses, graças à queda recente da taxa de câmbio, os níveis ainda permanecem acima do teto da meta.
O Ministério da Fazenda projeta um crescimento de 2,3% para o PIB em 2025, abaixo dos 3,4% registrados em 2024. Apesar disso, a economia tem mostrado resiliência, com sinais de expansão em alguns setores, como a agricultura, que deve impulsionar o PIB no primeiro trimestre.
Lula defende crescimento econômico e critica restrições do BC
Minutos depois do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) aumentar mais uma vez a Taxa Selic, em 1 ponto percentual, para 14,25% ao ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a atividade econômica seguirá surpreendendo os analistas este ano e disse que o país crescerá mais de 3% neste ano.
Os economistas ortodoxos continuam prevendo menor crescimento este ano, assim como erraram feio nos anos anteriores, enquanto o governo trabalha com perspectivas muito mais otimistas. Em resposta à decisão do Copom, o presidente Lula afirmou que o Brasil seguirá crescendo acima das expectativas do mercado. “Eu quero fazer um desafio aos teóricos: o Brasil vai crescer outra vez acima de 3%. É o país que mais tem crescido no mundo, praticamente”, disse Lula.
O presidente criticou indiretamente o BC, argumentando que o país poderia crescer ainda mais caso o crédito fosse mais acessível. “As pessoas vão ter crédito para tomar dinheiro emprestado, pagar juro mais barato e fazer o investimento que quiserem”, declarou, reforçando sua agenda de estímulo à economia.
Ajustes menores, mas juros ainda altos
Embora o Copom tenha sinalizado um ritmo menor de aumentos nas próximas reuniões, os juros devem permanecer elevados por um período prolongado. O comunicado deixou claro que o ciclo de aperto monetário só será interrompido quando houver “firme compromisso de convergência da inflação à meta”.
Para o economista Beto Saadia, CIO da Nomos, o BC precisa manter rigor para evitar interpretações de leniência. “É preciso mostrar compromisso com a meta. O mercado pune o contrário”, afirmou. Já Davi Lelis, da Valor Investimentos, ressaltou que os efeitos das altas de juros demoram até um ano para impactar a inflação, sugerindo que cortes prematuros podem ser arriscados.
Transição gradual no BC
A decisão desta semana reforça que a troca de comando no Banco Central não significa uma ruptura imediata com a política monetária adotada nos últimos anos. Apesar das indicações de Lula, a herança da gestão Campos Neto e a pressão do mercado financeiro limitam as margens de manobra de Galípolo.
Enquanto isso, o governo tenta equilibrar a agenda de crescimento econômico com as demandas por controle da inflação. A continuidade dos juros altos, no entanto, evidencia os desafios de conciliar essas prioridades em um cenário de incertezas domésticas e globais.
Turbinada por um aporte de R$ 350 milhões, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) passa a contar, agora, com meio bilhão de reais para formar estoques reguladores em 2025. Com esse montante de recursos, a empresa poderá comprar e guardar alimentos, contribuindo para frear a alta no preço desses produtos, de maneira a reduzir os gastos das famílias brasileiras.
Em entrevista ao programa “A Voz do Brasil” desta quarta-feira (19), o presidente da Conab, Edegar Pretto, declarou: “O governo do presidente Lula retomou o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que tinha sido findado no governo passado, voltou com o Plano Safra da Agricultura Familiar, que também havia sido extinto, e com a Conab, que se encaminhava para a extinção e voltou a cumprir sua missão que é justamente ajudar garantir o abastecimento nacional”.
A Conab foi um dos órgãos públicos que tiveram suas atividades prejudicadas pelo desmonte promovido pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), o que prejudicou a formação dos estoques reguladores.
Naqueles anos, o número de suas unidades armazenadoras foi reduzido de 91 para 64 e a empresa chegou a figurar na lista de bens públicos postos à venda. Somente em 2023, após recompor sua estrutura, o governo pôde retomar a estocagem.
Segundo Pretto, hoje empresa está preparada para cumprir seu papel. “Agora temos orçamento e estrutura para comprar comida, a preço justo, direto do produtor, e fazer estoque para, quando o preço subir para o consumidor, a gente possa colocar esse produto no mercado e equilibrar o preço”.
Pretto acrescentou que “formar estoque é uma política que tem duas mãos: o agricultor sente a mão amiga do governo federal quando o preço cai, que é quando a gente pode comprar, e o consumidor sente também a mão amiga do governo quando o preço sobe. A gente pode equilibrar preços tendo estoques públicos”.
Agricultura familiar
Outro ponto importante da reestruturação da Conab diz respeito ao aumento do plantio e da colheita de produtos da agricultura familiar, resultante do ampliação do Plano Safra e do fortalecimento de outras políticas públicas para a área.
Entre estas estão a garantia de compra por preços mínimos e a Garantia-Safra — cujo pagamento referente à safra 2023/2024 foi realizado nesta terça-feira (18). De acordo com o governo, ao todo, 744 municípios serão beneficiados com R$ 670 milhões destinados a 558,6 mil agricultores em todo o Brasil.
A política é destinada a produtores com renda mensal de até 1,5 salário-mínimo cuja área plantada varie entre 0,6 e 5 hectares de feijão, milho, arroz, algodão ou mandioca e a agricultores familiares que tenham sofrido perdas devido a eventos climáticos adversos.
Medidas como essas contribuem, entre outros pontos, para estimular e fortalecer a agricultura familiar que, segundo o IBGE, responde por cerca de 70% dos alimentos consumidos no país, bem como para garantir comida de boa qualidade a preço acessível à população.
Essas ações compõem uma série de outras, recém-anunciadas pelo governo federal, para fazer frente ao aumento nos preços dos alimentos.
No início deste mês, o governo decidiu zerar o Imposto de Importação de nove itens, entre os quais massas, carnes, café e óleo. Na ocasião, também anunciou que vai priorizar os alimentos da cesta básica no próximo Plano Safra, como forma de estimular produtores rurais voltados ao mercado interno.