O presidente Lula chega a 100 dias do seu terceiro mandato em meio a uma crise instalada entre os presidentes das duas Casas que compõem o Congresso Nacional, cujas incertezas derramadas sobre a política fazem o governo derrapar até mesmo em ações classificadas como simples, como é o trâmite das medidas provisórias (MPs).
Na prática, o terceiro governo de Lula, que completa 100 dias nesta segunda-feira (10), ainda não conseguiu testar seu poder de articulação junto ao Congresso Nacional. Medidas necessárias para a manutenção do governo, como o novo Bolsa Família, precisaram ser prorrogadas, a fim de que não fossem perdidas em meio à batalha travada entre Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado e do Congresso Nacional, e Arthur Lira (PP-AL), que comanda a Câmara. Ambos tensionam o debate político em torno do poder de atuação das Casa diante das medidas provisórias.
Nos bastidores, aliados do governo admitem que o problema tem sido, exatamente, a falta de controle sobre as ações dos presidentes das duas Casas. Sobretudo de Lira, que não tem se mostrado disposto a ceder às decisões determinadas por Pacheco, que é o presidente do Congresso e, assim, tem, constitucionalmente, poder de decisão superior neste tema.
Comissões mistas
Apesar de Pacheco ter determinado a retomada das comissões mistas para a análise de medidas provisórias, essas ainda não foram instaladas. O líder do Governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), tenta chegar a um acordo com os líderes partidários para a composição dos colegiados, mas mesmo as longas conversas feitas na semana que antecedeu a Páscoa não resultaram ainda em consenso. Ninguém parece disposto a abrir mão de poder em prol dos apelos do governo.
“Repensar o modelo de tramitação das MPs é um dever de todos os que prometeram manter, defender e cumprir a Constituição, seja na Câmara dos Deputados, seja no Senado Federal. O país tem pressa, e não podemos nos perder em contendas intermináveis”, escreveu o presidente da Câmara, em artigo publicado na Folha de S.Paulo nesse domingo (9).
Enquanto Lira e Pacheco não cedem, o governo tenta convencer a ele próprio que os recuos que necessitou efetuar fizeram parte de um acordo. Foi o que aconteceu na primeira semana de março quando o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que o governo federal chegou a um entendimento com o Congresso Nacional para instalar as comissões mistas para votar quatro medidas provisórias (MPs).
Segundo o ministro, deverão ser analisadas as medidas que tratam da estrutura ministerial da Esplanada, das regras do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), do Minha Casa Minha Vida e do Bolsa Família. O Bolsa Família e outras 15 medidas estão parados no Congresso diante do impasse travado em relação ao rito de tramitação das MPs. Com a decisão, as medidas têm validade estendida por mais 60 dias, o que amplia o respiro de votação ao governo.
É exatamente nessas comissões que Randolfe se debruça para que o governo não perca o controle nas indicações. A expectativa dos apoiadores do governo é que todas as comissões sejam definidas ainda nesta semana em que o governo completa 100 dias, enquanto Lula estiver em sua primeira viagem do atual mandato na China.
Na comitiva que viajará com Lula está a prevista a presença do presidente do Senado. Arthur Lira, embora tenha sido convidado, não deve viajar por recomendação médica. Há uma expectativa de que o longo tempo da viagem possa fazer com que Lula consiga ali fazer conversas que ajudem no entendimento.
AUTORIA

IARA LEMOS Editora. Jornalista formada pela UFSM. Trabalhou na Folha de S.Paulo, no G1, no Grupo RBS, no Destak e em organismos internacionais, entre outros. É mestranda na Universidade Aberta de Portugal e autora do livro A Cruz Haitiana. Ganhadora do Prêmio Esso e participante do colegiado de Inteligência Artificial da OCDE.
