NOVA CENTRAL SINDICAL
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DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Lei de Igualdade Salarial sob a perspectiva da proteção de dados

Lei de Igualdade Salarial sob a perspectiva da proteção de dados

OPINIÃO

 

No final de 2023, o Congresso aprovou a Lei nº 14.611/2023, visando a promover a igualdade salarial entre homens e mulheres. O objetivo da Lei de Igualdade Salarial vai além do combate à discriminação de gênero, pois estabelece mecanismos capazes de abarcar também outras formas de discriminação sedimentadas ao longo do tempo e que resultaram em privilégios de remuneração, promoção e lideranças masculinas e brancas.

É verdade que a igualdade entre homens e mulheres já está prevista na Constituição como um dos pilares da república. Também é verdade que a Consolidação das Leis Trabalhistas já prevê normas de proteção ao trabalho da mulher, inclusive para corrigir distorções e evitar discriminação de gênero. Ainda assim, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontou que, até 2022, mulheres recebiam em média 20% a menos que os homens em todo o mundo [1].

A Lei de Igualdade Salarial não apenas reitera esse objetivo, mas também introduz mecanismos práticos para alcançá-lo, como a exigência de publicação de relatórios de transparência.

A transparência salarial em políticas públicas voltadas a combater a discriminação de gênero no ambiente laboral não é exclusiva do Brasil: também está presente em diversos países da União Europeia, Chile e Canadá, por exemplo.

Em 2022, a OIT publicou um estudo detalhando as implicações de leis de transparência para empregados e empregadores, no qual analisou argumentos favoráveis e contrários, bem como os dados obtidos em países que já possuem medidas previstas em suas legislações internas.

Embora as medidas variem de país para país, a OIT identificou que leis de transparência salarial são um instrumento importante para reduzir a discrepância na remuneração entre homens e mulheres [2].

A forma como a Lei de Igualdade Salarial introduziu o mecanismo do relatório de transparência gerou, contudo, dúvidas para além da seara trabalhista devido à possível incidência de normas de direito concorrencial e proteção de dados pessoais.

O objetivo deste texto é contribuir para o debate e, dentro do possível, esclarecer alguns dos questionamentos no que diz respeito aos dados pessoais.

O artigo 5º da lei prevê a obrigatoriedade de empresas com mais de 100 empregados publicarem semestralmente relatórios de transparência salarial, com detalhes sobre critérios remuneratórios, sob pena de multa de até 3% sobre o valor da folha de pagamento, limitada a 100 salários-mínimos.

Serão duas formas de publicação: diretamente pelas empresas e por meio da plataforma digital do Poder Executivo federal. A primeira publicação ocorrerá entre 15 e 31 de março de 2024.

Divulgação do relatório

O detalhamento sobre a publicação do relatório de transparência consta do Decreto nº 11.795/2023, editado pelo Poder Executivo federal. Conforme seu artigo 2º, § 3º, o relatório deve ser “publicado nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral“.

Já a especificação de quais dados devem ser publicados está prevista na Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego nº 3.714/2023. Segundo o artigo 3º dessa portaria, o relatório será composto por duas seções. A primeira seção incluirá quatro grupos de dados, extraídos do eSocial: cadastro do empregador, número de empregados da empresa por estabelecimento, número total de trabalhadores separados por sexo, raça e etnia, com os respectivos valores do salário contratual e remuneração mensal e cargos ou ocupações disponíveis, conforme Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).

A segunda seção conterá dados obtidos do Portal Emprega Brasil. Nesta parte, serão informados: a presença ou ausência de um quadro de carreira e plano de cargos e salários, critérios remuneratórios para acesso e progressão ou ascensão dos empregados, existência de incentivo à contratação de mulheres, identificação de critérios adotados pelo empregador para promoção a cargos de chefia, de gerência e de direção e existência de iniciativas ou de programas, do empregador, que apoiem o compartilhamento de obrigações familiares.

A portaria enfatiza que o valor da remuneração, para fins de comparação, deve incluir todas as rubricas pagas ao empregado.

Como se vê, trata-se de um relatório robusto, que pode incluir informações particularmente sensíveis para algumas empresas, notadamente do ponto de vista concorrencial. O papel da proteção de dados, por outro lado, é significativamente mais restrito, o que foi reforçado recentemente pelo Ministério do Trabalho e Emprego. E isso porque dificilmente os dados contidos no relatório poderão ser classificados como “pessoais”.

Dados sensíveis x LGPD

Dado pessoal, vale lembrar, é somente a informação que permite identificar uma pessoa natural: nome, CPF, endereço, número de telefone, e-mail. Se esses dados puderem gerar algum tipo de discriminação, a LGPD os reputa “sensíveis”. É o caso da raça, etnia, orientação sexual, convicção religiosa e filiação sindical, por exemplo.

Essa delimitação já restringe o âmbito de aplicação da LGPD, que não afeta dados da pessoa jurídica, tampouco políticas internas e programas relacionados ao plano de carreira. Considerando a estrutura da portaria, apenas a primeira seção mostra-se apta a atrair uma possível aplicação da legislação de proteção de dados pessoais.

Como o relatório é um instrumento de combate à discriminação, alguns dados “sensíveis” também precisarão ser informados, como raça e etnia. A questão é que a mera indicação de raça ou etnia não necessariamente permite identificar uma pessoa natural — da mesma forma que a mera divulgação de cargo e remuneração pode não resultar em uma identificação. Por vezes, é somente a combinação de alguns dados que os torna pessoais.

Nesse sentido, a lei, o decreto e a portaria fazem referência à necessidade de que os dados reportados pelas empresas sejam “anonimizados”. A LGPD define a “anonimização” como a “utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis no momento do tratamento, por meio dos quais um dado perde a possibilidade de associação, direta ou indireta, a um indivíduo“.

A anonimização envolve o uso de técnicas que removem a possibilidade de identificar direta ou indiretamente o indivíduo, afastando, por isso, a incidência da LGPD. Se o processo de anonimização puder ser revertido, todavia, permitindo a identificação das pessoas a quem os dados dizem respeito, então a LGPD será aplicável, sujeitando a empresa à fiscalização e penalidades em caso de descumprimento.

Mas, ainda que o processo de anonimização seja revertido e os dados possam ser caracterizados como pessoais, é importante lembrar o motivo da sua divulgação: de um lado, o cumprimento de uma obrigação legal do empregador; de outro, a possibilidade de exercício de direitos (como a renegociação salarial, caso constatada uma disparidade) pelos titulares. Tais motivos são elencados pelo artigo 7º, incisos II e VI, e artigo 11, inciso II, alíneas ‘a’ e ‘d’, da LGPD, como hipóteses que autorizam o tratamento de dados pessoais.

É importante lembrar, nesse sentido, que a LGPD não impede a publicidade de dados pessoais, principalmente quando o tratamento dos dados tem por objetivo promover objetivos legítimos, como é o caso da igualdade de gênero no ambiente de trabalho.

O que a LGPD exigirá, caso venha a ser aplicável, é a correta delimitação da finalidade do tratamento, a adequação e a necessidade da divulgação dos dados (debatidas também durante a tramitação do Projeto de Lei nº 1085/2023), bem como a adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos e garantir a segurança dos titulares.

Uma certeza, porém, existe: a LGPD — caso se aplique, em caso de eventual impossibilidade de anonimização dos dados — não representa nenhum entrave ao cumprimento da Lei de Igualdade Salarial. Os objetivos da legislação podem ser compatibilizados com a autodeterminação informativa, inclusive para fomentar medidas práticas que sejam necessárias para reduzir — e com esperança — extinguir a disparidade salarial entre homens e mulheres.


[1] Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2022/09/1801331. Acesso em: 22.02.2024.

[2] Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—ed_protect/—protrav/—travail/documents/publication/wcms_849209.pdf. Acesso em: 22.02.2024.

Lei de Igualdade Salarial sob a perspectiva da proteção de dados

Impor limite etário para vaga de emprego gera dever de indenizar, diz TRT-2

NO COUNTRY FOR OLD WOMEN

A Lei 9.029, de 1995, proíbe práticas discriminatórias na seleção e nas relações de emprego, sejam as discriminações por idade ou outros fatores.

Com base nesse entendimento, a 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região manteve a condenação de uma empresa a pagar R$ 10 mil de indenização a uma candidata que não foi selecionada para vaga de emprego por ter 44 anos de idade na época dos fatos.

A candidata afirmou, no processo, que os trabalhadores com menos experiência tendem a aceitar remuneração menor do que os que têm currículos mais qualificados.

Em sua defesa, a empresa contra-argumentou que a limitação etária foi imposta a pedido do cliente, já que ela só foi responsável pela intermediação do processo seletivo.

A empresa sustentou que a função do trabalhador contratado seria verificar conteúdo de vídeos curtos produzidos por adolescentes e jovens adultos, e que “pessoas igualmente jovens” contam com “mesma linguagem, gostos e aspirações”.

Apesar dos argumentos da empresa, a 11ª Turma do TRT da 2ª Região manteve, por unanimidade, o julgamento da primeira instância.

No acórdão, o desembargador-relator Ricardo Verta Luduvice, mencionou a Lei 9.029/95, que proíbe a adoção de prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de idade, entre outros aspectos.

Na decisão, o magistrado pontua ainda que “o fato da reclamada ter agido como intermediadora da empresa contratante em nada lhe corrobora”.

Ele explica que a ré serviu como meio para perpetuação da ofensa à legislação vigente e à honra da trabalhadora, que teve a participação vedada mesmo possuindo os demais requisitos para pleitear a vaga.

Priscila Moreira, advogada da área trabalhista do Abe Advogados, destaca que o preconceito etário vem sendo combatido duramente pela Justiça do Trabalho.

“É importante registrar que as empresas podem ter problemas não apenas com reclamações trabalhistas, mas também em Ações Civis Públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho, condenações por danos morais coletivas, além de trazerem um prejuízo financeiro maior, podem abalar institucionalmente a imagem da empresa”, afirma”. Com informações da assessoria de imprensa do TRT-2.

Processo 1001454-09.2023.5.02.0067

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-mar-13/impor-limite-etario-para-vaga-de-emprego-gera-dever-de-indenizar-diz-trt-2/

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Concessão de tutela provisória para pagamento imediato de adicional de insalubridade

OPINIÃO

É indiscutível a importância dos sindicatos. A sua atuação está coberta pelo manto da fundamentalidade e petreicidade (artigo 60, § 4º, inciso IV, a Constituição da República), na forma do artigo 8º, inciso III, constitucional, que atribui aos sindicatos a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.

Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal no Tema nº 82 da Repercussão Geral, à diferença das associações civis comuns, jungidas ao artigo 5º, inciso XXI, da Constituição da República, os sindicatos — associações civis de natureza especial — têm ampla legitimidade, inclusive para atuar em substituição processual, em nome próprio, por direito alheio, sem necessidade de qualquer autorização individual.

Ações coletivas

Vejo frequentemente ações civis coletivas, propostas por sindicatos da categoria profissional, em nome próprio, pedindo direitos individuais homogêneos de trabalhadores em razão da exposição a agentes insalubres.

Tais entidades narram, nas suas petições iniciais, situações gravíssimas de exposição a atividades ou operações insalubres sem qualquer tipo de proteção, prevenção ou precaução por parte das empresas.

Mas, curiosamente, o que pedem, liminarmente? O pagamento do adicional de insalubridade, apenas e tão somente.

Monetização da saúde

Embora muitos defendam, certo é que inexiste qualquer tipo de monetização da saúde do trabalhador na Constituição da República.

A par do artigo 7º, inciso XXIII, da Constituição da República prever o pagamento do adicional de insalubridade, trata-se de um inciso — portanto, subordinado ao caput (vide Lei Complementar nº 95/1998 quanto às estruturas normativas).

E o caput do artigo 7º da Constituição da consagra a norma-princípio da vedação ao retrocesso socioambiental e prevê uma cláusula de avanço social, de progressividade, tal qual a maioria dos diplomas internacionais de direitos humanos (Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Convenção Americana de Direitos Humanos etc.).

Ainda, conforme inciso XXII do artigo 7º da Constituição da República — imediatamente anterior ao inciso que prevê o pagamento do adicional de insalubridade —, existe a obrigação constitucional de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, o que consagra, em si, as normas-princípios do risco mínimo regressivo e a retenção do risco na fonte.

Tutela provisória

Portanto, torna-se clara a incompatibilidade da concessão de tutela provisória para “pagamento imediato” de adicional de insalubridade, por dois fundamentos autônomos.

Primeiro, porque na forma da Norma Regulamentadora nº 15, a constatação de exposição em atividades ou operação insalubres se dá pela aferição qualitativa do agente insalubre, constatação da superação dos limites de tolerância ou comprovação por laudo de inspeção do local de trabalho (itens 15.1.1, 15.1.3 e 15.1.4).

E, em todas as hipóteses, no caso de processo judicial perante a Justiça do Trabalho, exige-se perícia técnica (artigo 195 da Consolidação das Leis do Trabalho), o que afasta o reconhecimento, em juízo precário, de elementos que evidenciem a probabilidade do direito (artigo 300, caput, do Código de Processo Civil).

Perigo da demora

Em segundo lugar — e isto devia soar óbvio —, o perigo da demora deve estar jungido à manutenção da higidez física, mental e social dos trabalhadores; se o sindicato pede apenas o pagamento de adicional, e o magistrado concede a tutela provisória, em vias transversas concede uma espécie de “autorização judicial” para a exposição a atividades ou operações insalubres sem nenhuma proteção, prevenção ou precaução pela empresa (artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil).

Porém — e nunca olvidemos —, conforme expressa previsão no item 1.4.1, alínea “g”, item I, da Norma Regulamentadora nº 1 — que trata do Gerenciamento dos Riscos Ocupacionais —, a ordem prioritária, quanto às medidas de prevenção, é quanto à efetiva eliminação dos fatores de risco, e, se não for possível, adota-se a minimização e controle dos fatores de risco, respectivamente: (a) com a adoção de medidas de proteção coletiva ou (b) medidas administrativas ou de organização do trabalho ou (c) pela proteção individual.

Desimportância

Há muito se fala em mudança de paradigma. E ela é mesmo necessária. Talvez urgente. Yuval Harari cirurgicamente pôs em questão: o século passado foi marcado pela desigualdade; este, pela desimportância. O ser humano perdeu o seu valor humano intrínseco.

Lei de Igualdade Salarial sob a perspectiva da proteção de dados

INSS deve parar de cobrar idoso que recebeu benefício a mais de boa-fé

DÍVIDA CANCELADA

A proteção da boa-fé é um princípio constitucional e deve prevalecer quando em conflito com norma jurídica que dispõe sobre os benefícios da Previdência Social.

Esse foi o entendimento adotado pelo juiz Antônio Lúcio Túlio de Oliveira Barbosa, da Vara Federal com JEF Adjunto de Teófilo Otoni (MG), para dar provimento a uma ação declaratória de nulidade de descontos sobre benefício previdenciário.

No caso concreto, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) cobrava R$ 83 mil de um idoso, com a alegação de que ele havia recebido benefício de prestação continuada (BPC) indevidamente entre 2006 e 2015.

Por seu lado, o autor da ação alegou que, após alcançar os requisitos legais, obteve administrativamente o benefício. Contudo, depois de uma reavaliação, o INSS cancelou o benefício por entender que a concessão foi indevida, determinando a devolução dos valores recebidos.

Desconto de 30%

Em seguida, o idoso passou a sofrer um desconto de 30% no seu benefício. Ao Poder Judiciário, ele pediu a declaração de nulidade da cobrança, com o argumento que os valores foram recebidos de boa-fé.

Ao analisar o caso, o julgador concluiu que a simples alegação do INSS de que o demandante omitiu informações propositalmente deve ser afastada, já que a própria autarquia, posteriormente, concedeu a ele novo benefício assistencial.

Diante disso, o juiz concedeu tutela de urgência para determinar que o INSS se abstenha de deduzir do benefício previdenciário os valores que estão sendo descontados a título de ressarcimento ao erário.

O autor foi representado pelo advogado Olavo Ferreira dos Santos Filho.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 6001484-34.2023.4.06.3816

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-mar-14/inss-deve-parar-de-cobrar-divida-de-idoso-que-recebeu-beneficio-a-mais-de-boa-fe/

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Gordofobia: prática discriminatória no meio ambiente de trabalho

PRÁTICA TRABALHISTA

A data de 4 de março é marcada por ser o “Dia Mundial da Obesidade”, de sorte que tal referência tem por finalidade aumentar a conscientização da população sobre essa doença crônica que afeta pessoas de todas as idades. Nesse sentido, o Brasil tem implementado algumas medidas visando reduzi-la entre os jovens, assim como para deter o seu crescimento entre adultos [1].

Dados estatísticos

De acordo com a projeção do Atlas Mundial da Obesidade 2024, lançado pela Federação Mundial da Obesidade, o Brasil pode ter até 50% das crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos com obesidade ou sobrepeso em 2035. Ainda, segundo tais informações, quase 3,3 bilhões de adultos serão afetados pela obesidade até esta data [2].

Dito isso, e não obstante os cuidados necessários e a preocupação em âmbito mundial com esse cenário de saúde, nos últimos tempos tem se observada uma prática discriminatória no ambiente laboral denominada de “gordofobia”.

Muitas vezes, por falta de orientação adequada e padrões culturais enraizados na sociedade brasileira, essa conduta aparece quase que frequentemente no ambiente de trabalho por meio de “brincadeiras”.

Segundo um levantamento feito pela Data Lawyer, revelou-se que o número de casos sobre denúncias de “gordofobia” aumentou em 314% entre os anos de 2019 e 2022 [3]. Aliás, no período da análise, entre 2014 a fevereiro de 2023, foram identificados 721 processos judiciais trabalhistas com a alegação de discriminação contra pessoas reputadas como obesas.

De outro norte, em outro estudo feito pela lawtech Deep Legal, apontou-se que dos processos julgados em 1º grau, 37% foram considerados parcialmente procedentes; 5% procedentes; 14% improcedentes; 14% tiveram acordos entre as partes; 3% das ações foram extintas; e 27% ainda não receberam sentenças [4].

Spacca

A pesquisa concluiu também que os Estados da Federação com os maiores números de processos são os seguintes: São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Por certo, em razão das mudanças e avanços frequentes envolvendo o meio ambiente do trabalho, o tema foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista aqui  na ConJur [5], razão pela qual agradecemos o contato.

Lição de especialista

Mas, afinal, o que seria a discriminação por “gordofobia” no ambiente de trabalho e qual o entendimento jurisprudencial sobre o assunto?

A respeito da prática discriminatória, oportunos são os ensinamentos da Professora Cristina Paranhos Olmos [6]:

“Além da discriminação pelas razões já apontadas, mais comuns no contrato de emprego, há outros tipos de discriminação praticada no âmbito do pacto laboral.
É bastante comum que o empregado seja discriminado em razão de sua forma física, especialmente os que fogem do padrão estipulado de beleza, como os gordos, os muito magros, os mais altos, os muito baixos, os de cabelos com cortes extravagantes, os de cabelos pintados com cores incomuns (roxo, rosa, amarelo, verde, azul), entre outras condições físicas.
(…). Em suma, qualquer que seja o motivo da discriminação praticada pelo empregador, se não guarda relação justificável com a atividade laboral desenvolvida no contrato de emprego, é discriminação ilícita, que macula as relações sociais e, por isso, deve ser coibida.”

Legislação no Brasil e no mundo

Do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição Federal, em seu artigo 3º, inciso IV, estabelece dentre os objetivos fundamentais a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer outras formas de discriminação. [7]

Já do ponto de vista internacional, a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem regulamentação específica em torno da Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação [8].

Posicionamento jurisprudencial

Sob esta perspectiva, recentemente, a Justiça do Trabalho condenou uma empresa ao pagamento de indenização por danos morais em razão do trabalhador ter sido alvo de gordofobia no ambiente de trabalho, haja vista ter sido submetido a situação humilhante e vexatória [9].

Spacca

Segundo os relatos, a empresa não disponibilizava uniforme em numeração adequada ao trabalhador, o que propiciava comentários do gerente e “brincadeiras” na frente dos colegas de trabalho, causando constrangimento.

Ao decidir o caso, a magistrada ponderou que “a aschimofobia é uma forma de discriminação estética, que deve ser repelida pela sociedade, da qual a gordofobia constitui uma das espécies”.

Noutro giro, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo da 2ª Região manteve decisão que condenou certa empresa ao pagamento de indenização no valor de 30 mil reais, por danos morais, para uma ex-empregada que foi vítima de gordofobia [10].

Segundo o relato da trabalhadora, havia críticas do gerente da empresa em relação a sua aparência e que seria inadequada para a atividade por ser “velha, gorda e feia”. No caso em particular, a trabalhadora comprovou que os fatos relatados inclusive aconteciam na frente de outros empregados.

À vista disso, o desembargador relator entendeu que ficou comprovada a prática de “tratamento ofensivo, constrangedor, vexatório e humilhante”.[11], destacando ainda, a gravidade da conduta.

Já o Tribunal Superior do Trabalho igualmente foi provocado a emitir juízo de valor sobre o assunto, de modo que, no caso julgado, não só houve a confirmação da condenação de indenização por danos morais para uma trabalhadora que foi vítima de “gordofobia”, como também a Corte Superior majorou o valor da indenização [12]. Em seu voto, a Ministra Relatora destacou:

“A empresa não zelou pelo ambiente de trabalho de maneira mínima, com o fim de impedir que sua preposta tratasse a reclamante de maneira reiteradamente abusiva, gerando, nas palavras da própria Corte Regional, indescritível constrangimento, vergonha e humilhação.
(…). A reclamante era constantemente chamada de “gorda”, “burra”, “incompetente” e “irresponsável”, de maneira agressiva, aos gritos, na frente dos demais funcionários. Em tese seria possível enquadrar a conduta da preposta até mesmo na hipótese de discriminação (tratamento abusivo em razão de condição pessoal da reclamante — gordofobia). Dada a gravidade dos fatos, a reiteração ostensiva durante todo o contrato de trabalho, e o grau de culpa gravíssimo da empresa, deve ser majorado o valor arbitrado a título de indenização por danos morais.”

Portanto, verifica-se que a prática discriminatória, para além de ser inadmissível em tempos atuais de boas práticas empresariais (ESG), pode trazer condutas severas àqueles que a praticarem, de modo que se deve combater no ambiente laboral todo e qualquer tipo de preconceito.

Medidas de combate

É preciso que sejam adotadas políticas e estratégias para a erradicação de posturas preconceituosas no ambiente de trabalho, que deve ser sobretudo inclusivo e respeitoso. Aliás, não é demais relembrar que o preconceito não só traz danos ao convívio social das pessoas, como também afeta a saúde mental dos trabalhadores, e, por conseguinte, desencadeiam outros sintomas, tais como a ansiedade e depressão, por exemplo.

Em arremate, é fundamental que sejam promovidas e incentivadas atividades de educação e de conscientização nas companhias, assim como a adoção de políticas internas empresariais visando sempre coibir os atos preconceituosos, acabando-se, ao final, com esse estigma cultural, até porque o empregador é responsável por atos praticados por seus empregados e prepostos perante terceiros, de forma que, identificada a prática discriminatória, poderá a empresa ser responsabilizada [13].

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[1] Disponível em https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/marco/dia-mundial-da-obesidade-conscientizacao-e-desafios-no-combate-a-uma-epidemia-global. Acesso em 12.3.2024.

[2] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/saude/brasil-pode-ter-50-de-criancas-e-adolescentes-obesos-ou-com-sobrepeso-em-2035/#:~:text=De%20acordo%20com%20as%20informa%C3%A7%C3%B5es,era%20de%202%2C2%20bilh%C3%B5es. Acesso em 12.3.2024.

[3] Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/processos-gordofobia-crescem-300-4-anos-indenizacao-media-pedida-240-mil/. Acesso em 12.3.2024.

[4] Disponível em https://www.deeplegal.com.br/blog/gordofobia-42-dos-casos-que-vao-parar-na-justica-sao-julgados-parcialmente-ou-totalmente-procedentes-em-1o-grau. Acesso em 12.3.2024.

[5] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela Coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[6] Discriminação na relação de emprego e proteção contra a dispensa discriminatória – São Paulo: LTr, 2008. Página 102/103 e 107.

[7]  Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…). IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

[8] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235325/lang–pt/index.htm. Acesso em 12.03.2024.

[9] Disponível em https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/ex-vigilante-vitima-de-gordofobia-no-trabalho-sera-indenizado-por-danos-morais. Acesso em 12.3.2024.

[10] Disponível em https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2024/03/07/drogaria-e-condenada-a-pagar-r-30-mil-para-funcionaria-chamada-de-velha-gorda-e-feia-por-chefe.ghtml. Acesso em 12.03.2024.

[11] Disponível em https://ww2.trt2.jus.br/noticias/noticias/noticia/consultora-chamada-de-velha-gorda-e-feia-deve-ser-indenizada. Acesso em 12.3.2024

[12] Disponível em https://www.tst.jus.br/-/cozinheira-vitima-de-gordofobia-consegue-aumentar-valor-de-indenizacao. Acesso em 12.3.2024.

[13] CC, Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

  • Brave

    é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Brave

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

    CONJUR

    https://www.conjur.com.br/2024-mar-14/gordofobia-pratica-discriminatoria-no-meio-ambiente-de-trabalho/