COLETIVO LEGIS-ATIVO e HANNAH MARUCI
Mais mulheres na política significa mais políticas para mulheres? Essa questão é uma constante no debate público sobre representatividade na política e tem um espaço considerável nas produções teóricas e empíricas da Ciência Política. Porém, essa não é uma pergunta simples e não pretendo respondê-la de forma definitiva. O que proponho é uma análise das propostas legislativas relacionadas aos direitos das mulheres apresentadas na Câmara dos Deputados do Brasil nos últimos dez anos, durante os quais tivemos um aumento de mulheres eleitas.
A análise realizada neste artigo é inicial e exploratória e se baseia na contagem de propostas legislativas que incorporam o termo “direitos das mulheres”. A escolha pelo termo é uma forma de chegar mais perto de propostas que tenham como objetivo promover ou defender tais direitos. Entretanto, não há garantia de que todos os resultados que correspondem ao termo serão necessariamente a favor dos direitos das mulheres, o que demandaria uma análise qualitativa e mais detalhada. A presença do termo, embora indicativa de atenção ao tema, não assegura a substancialidade ou efetividade dessas propostas. Por isso, é vital ressaltar os limites inerentes a uma abordagem predominantemente quantitativa. Portanto, esta análise deve ser interpretada com cautela, servindo mais como uma direção do que como resposta ou conclusão.
Ao mergulhar na análise das propostas legislativas ao longo da última década, busco contribuir para a compreensão da dinâmica entre representação feminina e políticas voltadas para as mulheres. Para isso, gerei dois gráficos, um que traz o total absoluto de propostas de lei que contenham o termo “direitos das mulheres” em qualquer parte do projeto, seja na ementa, seja em inteiro teor. Desse total, analiso quantos foram propostos por mulheres e quanto foram propostos por homens entre 2014 e 2023. O que vejo como resultado é que há um aumento de recorrências ao longo do tempo, mas que em números absolutos, os homens propõem mais projetos do que mulheres, exceto nos anos de 2020 e 2023, nos quais as propostas das mulheres excedem a dos homens.
O Gráfico 1 revela um aumento quantitativo notável nas propostas legislativas sobre “direitos das mulheres” ao longo da década, o que nos leva também a pensar se a presença de mulheres contribui para que seus direitos estejam mais em pauta e sejam mais considerados. Além disso, a análise por gênero destaca uma inversão interessante em 2020 e 2023, onde as mulheres superam os homens na apresentação dessas propostas. Contudo, é necessário frisar que a mera contagem não permite avaliação aprofundada de qualidade ou impacto.
Outro ponto relevante que precisa ser considerado nessa análise quantitativa é que as mulheres estão em menor proporção na Câmara dos Deputados. Portanto, olhar apenas para números absolutos gera distorção. O Gráfico 2, assim, traz valores percentuais, comparando a porcentagem de propostas feitas por mulheres com a porcentagem de mulheres eleitas.
Gráfico 2: Comparação Percentual entre Propostas de Mulheres e Mulheres Eleitas (2014-2023). Fonte: Site da Câmara dos Deputados, elaboração própria
O Gráfico 2 mostra uma disparidade notável entre a porcentagem de propostas legislativas feitas por mulheres e a porcentagem de mulheres eleitas. O que indica que, proporcionalmente, mulheres propõem mais projetos sobre direitos das mulheres do que homens. O resultado é que em todos os anos, sem exceção, a porcentagem de propostas das mulheres é de duas a quatro vezes maior do que a porcentagem de mulheres eleitas. Esta discrepância levanta questões importantes sobre a correlação entre representatividade e a efetiva defesa dos direitos das mulheres.
Embora não possamos falar em uma causalidade, é preciso frisar alguns pontos relevantes: (i) há um aumento significativo de propostas legislativas sobre direitos das mulheres a partir de 2019, ano em que há um aumento exponencial de mulheres eleitas, de 50% em relação às legislatura anterior, assim como há um aumento significativo na proposta de leis sobre o assunto em 2023, ano em que também aumenta o percentual de mulheres eleitas, embora menos do que o aumento anterior; (ii) nos anos de 2020 e 2023, a quantidade absoluta de projetos propostos por mulheres sobre direitos das mulheres foi maior do que o de homens; (iii) se compararmos o ano de 2014 com o de 2023, houve um aumento de 10 vezes no total de projetos sobre o tema apresentados na Câmara dos Deputados, por homens e mulheres. Por fim, em ano eleitoral, esses dados nos dão importantes pistas para pensarmos a importância da representatividade e em como vamos votar nessas eleições.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
AUTORIA
COLETIVO LEGIS-ATIVO Projeto do Movimento Voto Consciente que reúne voluntariamente 20 cientistas políticos, em paridade absoluta de gênero espalhados por todas as regiões do país. As ações do coletivo envolvem a produção de textos analíticos e a apresentação, em parceria com organizações diversas, de podcasts.
HANNAH MARUCI Doutora e mestre em Ciência Política pela USP. Foi pesquisadora visitante no Centro de Estudos Transdisciplinares de Gênero, na Universidade de Humboldt. É co-fundadora e co-diretora executiva d’A Tenda das Candidatas. Foi professora substituta de Ciência Política na Universidade Federal do Rio de Janeiro (2021-22), pesquisadora sênior na Fundação Getúlio Vargas (2018-20) e coordenadora de projetos na Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo (2017-18) . Presta consultoria e realiza pesquisas sobre gênero e política. É autora e organizadora de inúmeras cartilhas e manuais para mulheres na política, de notas técnicas sobre legislação que envolve o direito político de mulheres com foco em reformas eleitorais e de capítulos de livros e artigos sobre o tema.