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Ainda não se tem informação oficial sobre se os atos programados para relembrar os 60 anos do golpe militar de 1964 foram realmente suspensos. Ou se prosseguirão encaminhados mais pela sociedade civil, sem o patrocínio direto do governo. A dúvida surgiu após uma declaração dada pelo presidente Lula em uma entrevista ao jornalista Kennedy Alencar na Rede TV!. Na entrevista, questionado por Kennedy, Lula disse que queria “olhar para o futuro” e não “remoer o passado”, e que estava mais preocupado com o 8 de janeiro de 2023 do que com o 31 de março de 1964.

É uma declaração que espanta vinda de alguém que foi preso pela ditadura no dia 19 de abril de 1980, enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Que perdeu sua mãe, dona Lidu, quando estava preso na sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em São Paulo. Lula não sofreu torturas nem desapareceu como muitos. Mas certamente sabe, porque de alguma forma sentiu na pele, o que a ditadura significa.

E, assim, deveria saber que o 8 de janeiro de 2022, do qual diz estar mais preocupado, é filho dileto do 31 de março. Os estarrecedores detalhes dos depoimentos dos ex-comandantes do Exército general Freire Gomes e da Aeronáutica brigadeiro Baptista Júnior mostram bem onde o 8 de janeiro se espelhava.

E ainda bem que dois dos três comandantes militares não quiseram embarcar na aventura golpista. Mas isso pouco diz sobre o real sentimento dos demais milhares de integrantes das armas que comandavam. Somente uma pesquisa – que não será feita – seria capaz de dizer quantos generais, coronéis, tenentes, aviadores, paraquedistas, etc, embarcariam ou não, com qual entusiasmo ou não, na tarefa de depor ou impedir a posse do presidente eleito Lula. Alguns deles a essa altura conhecemos. E não são militares periféricos ou desconhecidos: generais Augusto Heleno e Braga Netto, almirante Almir Garnier…

Quando Bolsonaro e, depois, o então ministro da Defesa, general Paulo Sergio Nogueira, apresentam aos comandantes a tal minuta do golpe e os sondam sobre a adesão, é evidente que sonhavam com algo semelhante ao momento em que o general Olímpio Mourão Filho deslocou as tropas sob seu comando da 4a Divisão de Infantaria da cidade de Juiz de Fora (MG) rumo ao Rio de Janeiro na noite de 31 de março, dando o golpe militar que jogou o país por mais de 20 anos na longa noite da ditadura.

Paulo Sergio Nogueira e Bolsonaro tinham assim saudades do 31 de março. Lula quer esquecer a data, mas eles não esqueceram. Assim como certamente não esqueceram os comandantes da Polícia Militar do Distrito Federal que passivamente deixaram com que os manifestantes invadissem e depredassem os prédios da República no dia 8 de janeiro. Filmando o vandalismo como se dirigissem a segunda parte do que tinha acontecido há 60 anos.

Os 60 anos do golpe militar de 1964 precisam ser lembrados sempre para que não aconteçam outros 8 de janeiro. Para que a população não se engane sentindo saudade de uma coisa que não existiu. Distante mais de uma geração da ditadura de fato, a juventude de hoje pode imaginar uma ditadura de fantasia. Em vez de um tempo de brutalidade e violência, podem imaginar um falso tempo marcado por mais ordem, por menos corrupção.

Não foi um tempo de mais ordem se setores das próprias Forças Armadas explodiam Pumas na frente do Riocentro no Rio de Janeiro, dispostos a matar centenas de pessoas e alguns dos principais artistas brasileiros. Não foi um tempo de ordem se determinado capitão chegou a tramar colocar bombas em quarteis e em reservatórios de água em protesto por melhores salários. Não foi um tempo de ordem se tal capitão à época não foi punido e acabou vários anos depois virando presidente da República.

Não foi um tempo de menos corrupção se foi naquela época que a empresa Lutfalla, pertencente à mulher de Paulo Maluf, recebeu ilegalmente recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Não foi um tempo de menos corrupção se, como à época denunciou o jornalista Ricardo Kotscho, até a construção de piscinas e outras mordomias era financiada com dinheiro público.

Quando a história não é conhecida, presidente Lula, ela se repete. Como dizia Karl Marx, como tragédia ou como farsa. Filho do 31 de março, o 8 de janeiro ficou longe de ser uma farsa. Mas poderia ter se tornado uma grande tragédia.

AUTORIA

Rudolfo Lago

RUDOLFO LAGO Ex-diretor do Congresso em Foco Análise, é chefe da sucursal do Correio da Manhã em Brasília. Formado pela UnB, passou pelas principais redações do país. Responsável por furos como o dos anões do orçamento e o que levou à cassação de Luiz Estevão. Ganhador do Prêmio Esso.

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