REFLEXÕES TRABALHISTAS
Existem vários motivos que podem ensejar o término (a extinção ou a rescisão) do vínculo empregatício.
Quando o contrato de trabalho for pactuado sem duração determinada, ele poderá ser rescindido: por decisão do empregador (dispensa imotivada ou por justa causa); por decisão do empregado (pedido de demissão ou dispensa indireta); por acordo entre as partes ou culpa recíproca; ou, por desaparecimento de uma das partes (como a morte do empregado ou do empregador pessoa física).
Quando ocorre o falecimento do empregador pessoa física ou empresa individual, o contrato de trabalho pode continuar vigente se o empregado concordar em prestar serviços para os sucessores, como autoriza o § 2º do artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [1].
Assim, se houver a manutenção das atividades do empregador e a vontade do empregado em continuar a prestar serviços para os herdeiros, a rescisão contratual não se dá em razão da sucessão trabalhista (art. 10 e 448, CLT).
Porém, não havendo mais empregador, nem a continuidade do negócio, o contrato de trabalho estará automaticamente extinto e provocará o pagamento de verbas rescisórias ao empregado.
E é neste ponto que as dúvidas se apresentam
Parte da doutrina [2] sustenta que esta situação equivaleria à dispensa sem justa causa, pois o empregado teria direito a receber todos os valores decorrentes da rescisão, como: o saldo de salário; as férias vencidas e proporcionais acrescidas de 1/3 constitucional; o 13º salário proporcional; o saque do FGTS acrescido da indenização de 40% e o aviso prévio.
Entretanto, o tema referente às verbas rescisórias devidas pela extinção do contrato em razão da morte do empregador pessoa física não é pacífico na doutrina e na jurisprudência, havendo dúvidas e decisões discordantes quanto ao pagamento do aviso prévio e da indenização de 40% sobre o FGTS.
Em decisão publicada em 21/09/2023, no Processo TST 00208362220215040551, a Relatora Liana Chaib afirma que a decisão de origem que equiparou a situação dos autos (relativa ao encerramento do contrato de trabalho em razão do falecimento do empregador) à figura jurídica da rescisão indireta deveria prevalecer.
Com base nesse entendimento, a relatora determinou o pagamento de todas as verbas rescisórias, inclusive do aviso prévio e da indenização de 40% sobre o FGTS:
“Diante do exposto, conheço do recurso de revista, por violação ao artigo 483, § 2º, da CLT, e, no mérito, dou-lhe provimento para, reformando o acórdão regional, restabelecer a sentença que equiparou a situação dos autos à rescisão indireta, deferindo à parte reclamante todas as verbas decorrentes da despedida imotivada.”
Com o mesmo posicionamento, várias são as decisões dos Tribunais Regionais que determinam o pagamento do aviso prévio e da indenização de 40% do FGTS, em caso de morte do empregador pessoa física:
MORTE DO EMPREGADOR PESSOA FÍSICA – VERBAS RESCISÓRIAS DEVIDAS – A morte do empregador pessoa física – quando dela resulta a cessação da atividade empresarial, como no presente caso – implica na extinção do contrato de trabalho em situação equivalente à dispensa sem justa causa. Desse modo, todas as verbas rescisórias são devidas, inclusive o aviso prévio indenizado e a multa de 40% do FGTS. Recurso da parte autora provido. (TRT-9 – ROT: 0000420-75.2022.5.09.0028, Relator: SERGIO MURILO RODRIGUES LEMOS, Data de Julgamento: 08/03/2023, 6ª Turma, Data de Publicação: 14/03/2023)
MORTE DO EMPREGADOR PESSOA FÍSICA. VERBAS RESCISÓRIAS. AVISO PRÉVIO INDENIZADO E MULTA SOBRE O SALDO DO FGTS. DEVIDAS. A morte do empregador, pessoa física, ocasiona a ruptura contratual pela modalidade da rescisão indireta do contrato de trabalho, por aplicação analógica do que dispõe o art. 483, § 2º, da CLT, que consigna: “No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho”, pelo que são devidas todas as verbas rescisórias inclusive o aviso prévio indenizado e a multa rescisória sobre os depósitos do FGTS. No mesmo sentido, dispõe o art. 485 da CLT, segundo o qual: “Quando cessar a atividade da empresa, por morte do empregador, os empregados terão direito, conforme o caso, à indenização a que se referem os art. 477 e 497.”. DANOS MORAIS. Na hipótese dos autos, não restou configurada nenhuma violação a direitos de personalidade, por ato ilícito culposo, capaz de ensejar indenização por danos morais. Recurso parcialmente conhecido e provido em parte. (TRT-10 0001134-35.2017.5.10.0011, Relator: MARIO MACEDO FERNANDES CARON, Data de Julgamento: 10/07/2019, Data de Publicação: 24/07/2019)
RECURSO ORDINÁRIO. MORTE DO EMPREGADOR PESSOA FÍSICA. EFEITOS JURÍDICOS. RESCISÃO INDIRETA. Os efeitos jurídicos da morte do empregador pessoa física assemelham-se aos da rescisão indireta do contrato de trabalho, que garante ao trabalhador todas as verbas rescisórias devidas por ocasião de despedida imotivada.” (TRT-24 00248987120165240051, Relator: Amaury Rodrigues Pinto Junior, Data de Julgamento: 10/09/2018, 2ª Turma, sublinhei).” Destarte, dou provimento ao recurso no particular, para condenar a reclamada (espólio) no pagamento de aviso prévio indenizado e multa de 40% sobre os depósitos de FGTS. (TRT-15 – ROT: 00114388020225150140, Relator: JOSE CARLOS ABILE, 1ª Câmara, Data de Publicação: 04/08/2023)
Mas, como já ressaltado, este entendimento não é unânime
Em sentido diametralmente oposto, o Relator Claudio Mascarenhas Brandão, em decisão publicada em 07/10/2016, no Processo TST – RR: 0063500-35.2003.5.04.0281, entende que, uma vez extinto o contrato de trabalho doméstico, por evento alheio à vontade das partes (como a morte do empregador) e que resultou na cessação da prestação de serviços, será indevido o pagamento do aviso prévio indenizado.
No referido voto, ele afirma que mudou de opinião por ter sido convencido da procedência dos argumentos apresentados pelo ministro Douglas Alencar Rodrigues, no seguinte sentido:
“Inicialmente, pondero que a morte do empregador (pessoa física), com a interrupção da prestação de serviços, implica a extinção do contrato de trabalho, por fator alheio à vontade das partes, não sendo possível a continuidade do vínculo empregatício.
Anoto ainda que, no caso, as particularidades do contrato de trabalho mais enfatizam essa conclusão. Afinal, por se tratar de relação empregatícia doméstica, apresenta elementos especiais que a singularizam, tais como a prestação de serviços a pessoa ou família, na residência do tomador de serviços.
É certo ainda que, na relação de emprego doméstico, a figura do empregador reveste-se de certa pessoalidade, diferenciando-se, também por esse aspecto, das demais relações empregatícias.
Considerando essas peculiaridades, entendo ser razoável, no caso concreto, concluir pela extinção do contrato de trabalho, em face da morte do empregador.
(…)
Há, pois, certa pessoalidade no tocante à figura do empregador doméstico, em contraponto à regra da impessoalidade vigorante quanto aos demais empregadores. Pessoalidade apenas relativa, é claro, sem dúvida menor do que a inerente à figura do próprio empregado, porém não deixa de ser aspecto dotado de certa relevância jurídica.’ (DELGADO, Mauricio Delgado. Curso de Direito do Trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 390-391, sem grifo no original).
Nesse contexto, em que o evento morte do empregador implicou a extinção do contrato de trabalho doméstico, sem vinculação com a vontade das partes, pondero não ser pertinente a aplicação do § 2º do artigo 483 da CLT, considerando a impossibilidade de continuidade do vínculo empregatício.
Pondero ainda não ser devido o pagamento do aviso prévio, instituto assim definido na doutrina de Mauricio Godinho Delgado:
‘Aviso-prévio, no Direito do Trabalho, é instituto de natureza multidimensional, que cumpre as funções de declarar à parte contratual adversa a vontade unilateral de um dos sujeitos contratuais no sentido de romper, sem justa causa, o pacto, fixando, ainda, prazo tipificado para a respectiva extinção, com o correspondente pagamento do período do aviso.
Como bem apontado por Amauri Mascaro Nascimento, o instituto conceitua-se como a ‘comunicação da rescisão do contrato de trabalho pela parte que decide extingui-lo, com a antecedência a que estiver obrigada e com o dever de manter o contrato após essa comunicação até o decurso do prazo nela previsto, sob pena de pagamento de uma quantia substitutiva, no caso de ruptura do contrato’.
O aviso-prévio tem, desse modo, segundo Amauri Mascaro Nascimento, tríplice caráter: comunicação, tempo e pagamento.
Efetivamente, a natureza jurídica do pré-aviso, no ramo justrabalhista, é tridimensional, uma vez que ele cumpre as três citadas funções: declaração de vontade resilitória, com sua comunicação à parte contrária; prazo para a efetiva terminação do vínculo, que se integra ao contrato para todos os fins legais; pagamento do respectivo período de aviso, seja através do trabalho e correspondente retribuição salarial, seja através de sua indenização.’ (DELGADO. MAURICIO GODINHO. Op. cit., p. 1241-1242).
Extinto, pois, o contrato de trabalho doméstico, por evento (morte do empregador) alheio à vontade das partes, que resultou na cessação da prestação de serviços, indevido o pagamento do aviso prévio indenizado”.
Na mesma linha de pensamento, ou seja, também considerando indevidos o pagamento de aviso prévio e da indenização de 40% sobre o FGTS, são as decisões dos Tribunais Regionais abaixo transcritas:
AVISO-PRÉVIO. EMPREGADO DOMÉSTICO. MORTE DO EMPREGADOR PESSOA FÍSICA. Considerando a impossibilidade de continuidade do vínculo empregatício com a morte do empregador pessoa física, houve a extinção do contrato de trabalho doméstico sem vinculação com a vontade das partes, o que não se equipara à dispensa sem justa causa. Desse modo, se a extinção do vínculo empregatício decorre de ato involuntário do empregador, é indevido o pagamento do aviso-prévio indenizado e multa de 40% do FGTS. Recurso a que se dá provimento parcial para deferir, apenas, o pagamento do saldo de salário. (TRT-2 – ROT: 10006980720215020443, Relator: ELIANE APARECIDA DA SILVA PEDROSO, 17ª Turma)
CONTRATO DE TRABALHO. EXTINÇÃO. MORTE DO EMPREGADOR. AVISO-PRÉVIO. MULTA DE 40% DO FGTS. VERBAS INDEVIDAS. Na hipótese de extinção contratual por falecimento do empregador pessoa física, é indevido o pagamento do aviso-prévio, porque o art. 485 da CLT determina o pagamento das verbas rescisórias, sem fazer menção ao aviso-prévio, além de se tratar de impossibilidade material de concessão desse direito. Também não incide a multa de 40% do FGTS, porque esse direito surge apenas nos casos de despedida pelo empregador, sem justa causa, nos termos do art. 18, § 1º, da Lei 8.036/90, circunstância inexistente no caso de morte do empregador. Recurso ordinário da autora improvido. (TRT-9 – ROT: 00000438020225090133, Relator: PAULO RICARDO POZZOLO, Data de Julgamento: 08/08/2022, 6ª Turma, Data de Publicação: 10/08/2022)
RECURSO ORDINÁRIO. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. MORTE DO EMPREGADOR. AVISO PRÉVIO. MULTA DE 40% DO FGTS. INDEVIDOS. São indevidos o aviso prévio e a multa de 40% do FGTS em razão da rescisão contratual não derivada da vontade das partes, mas de impossibilidade de sua continuidade em virtude do evento morte do empregador. (TRT-1 – ROT: 01000364920215010038, Relator: CLAUDIO JOSE MONTESSO, Data de Julgamento: 17/05/2023, Quinta Turma, Data de Publicação: DEJT 2023-06-13)
EXTINÇÃO DO CONTRATO PELA MORTE DO EMPREGADOR DOMÉSTICO. AVISO-PRÉVIO A ACRÉSCIMO DE 40% SOBRE O MONTANTE DO FGTS INDEVIDOS. O falecimento de empregador doméstico provoca a extinção involuntária da relação de emprego, já que torna impossível a continuidade da prestação dos serviços. Por consequência, não é devido o pagamento do aviso-prévio, tampouco do acréscimo de 40% sobre o FGTS. (TRT-4 – ROT: 00201197620205040702, Relator: CLAUDIO ANTONIO CASSOU BARBOSA, Data de Julgamento: 23/06/2023, 5ª Turma)
Percebe-se, portanto, que a questão não é simples e está longe de uma solução
Entretanto, em nosso sentir, se a rescisão do contrato de trabalho decorre do falecimento do empregador pessoa natural (como é o caso da morte do empregador doméstico, por exemplo), teremos uma hipótese de extinção involuntária da relação de emprego, não havendo que se falar em despedida imotivada ou rescisão indireta.
Aliás, como bem explica Maurício Godinho Delgado, diante da possibilidade de o empregado dar por extinto o contrato de trabalho em razão da morte do empregador pessoa física, por mais que esta dissolução contratual seja do interesse do obreiro, ela se dará “sem os ônus do pedido de demissão, embora também sem as vantagens rescisórias da dispensa injusta ou rescisão indireta” [3].
Com base nesse argumento pode-se afirmar que a rescisão do vínculo de emprego decorrente da morte do empregador pessoa física garante ao empregado apenas o pagamento do saldo de salário, referente aos últimos dias trabalhados; das férias vencidas e proporcionais acrescidas de 1/3 constitucional; do 13º salário proporcional e do saque do FGTS, sendo indevida tanto a concessão do aviso prévio, quanto o pagamento da indenização de 40% sobre o FGTS.
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[1] Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: (…) § 2º – No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.
[2] Sergio Pinto Martins considera devidos todos os direitos previstos na legislação, pois não foi o empregado quem deu causa à cessação do contrato de trabalho. In Direito do Trabalho, 39ª ed. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 271. No mesmo sentido, Carla Teresa Martins Romar defende que na hipótese de morte do empregador com a cessação da atividade econômica, ou mesmo no caso de morte do empregador doméstico, serão devidas, ao empregado, todas as verbas rescisórias, inclusive o pagamento de aviso prévio e de indenização de 40% sobre os depósitos do FGTS. In Direito do Trabalho (coleção esquematizado), 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 256.
[3] Curso de Direito do Trabalho. 17ª ed. São Paulo: LTr, 2018, p. 1353.