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OPINIÃO

 

De tempos em tempos surgem certos produtos cujas marcas se transformam em sinônimos daquilo que denominam. À medida em que a história vai sendo esquecida, as pessoas passam a não saber que certas designações não correspondem a todos os produtos da categoria. Exemplos não faltam: gilete, miojo, bombril, sucrilhos, durex, aspirina etc.

Um desses casos recentes, em nosso mercado, é a marca Uber, que vem sendo usada correntemente para designar aplicativos de transporte que, resumidamente, consistem em plataformas que conectam usuários a motoristas parceiros. O trabalho dos motoristas tem caráter eventual e a qualidade de cada serviço prestado depende sobretudo da dedicação do profissional que o aplicativo designou para atender cada demanda de clientes.

Em razão do ineditismo da solução, termos correlacionados surgiram, sendo um deles “uberização”, para designar trabalhos realizados sem vínculos, conforme demanda, distribuídos por plataformas que conectam usuários e prestadores de serviços.

Assim, há plataformas nas área de serviços domésticos, de atendimento mecânico, de aulas etc.

Normalmente, quem procura uma plataforma dessas sabe que sua função é realizar a conexão, não é prestar o serviço. As qualidades da plataforma estão relacionadas a agilidade, quantidade de opções oferecidas e atendimento ao cliente, dentre outras.

Até aqui, tudo bem, tudo normal.

A uberização da perícia

A questão assume outros contornos quando se fala em perícias técnicas e, sobretudo, em perícias judiciais. Nos últimos anos, tem aumentado a quantidade empresas nomeadas por juízes para atuar na função de perito judicial.

Vislumbrando tal nicho de mercado, algumas plataformas — ou estruturas similares — têm se cadastrado nos tribunais para serem nomeadas como se fossem empresas especializadas em perícias judiciais, com atuação em muitas especialidades técnicas, as vezes em vários estados brasileiros.

É algo que, de fato, chama a atenção: em um mercado complexo, que exige ao mesmo tempo especialização, disponibilidade e distanciamento dos litigantes, surgem empresas que dizem conseguir atender a todos os requisitos independentemente do objeto a ser periciado.

Em suas apresentações, essas empresas normalmente omitem suas condições de plataforma para conexão entre usuários e prestadores de serviços — em outras palavras, de intermediárias entre profissionais e o Poder Judiciário. De forma muito bem disfarçada, colocam-se como empresas com quadros profissionais extremamente abrangentes — deixando de lado a informação de que tais profissionais não são seus colaboradores, mas sim seus “parceiros” (também clientes).

Acima dessas sérias questões, o ponto fundamental é o seguinte: quem o juiz está nomeando para atuar como perito judicial ao nomear uma plataforma? Ninguém, nem o próprio juiz sabe – e isso é um problema.

Reflexos processuais de uma perícia sem confiança

De acordo com o CPC (Lei nº 13.105/2015) a nomeação do perito é realizada diretamente pelo juízo (artigo 156, §1º), ou a partir de acordo entre partes (artigo 470).

Ao serem nomeadas, as plataformas normalmente evitam atender ao disposto no § 4º do artigo 156 do CPC, que determina prévia informação dos nomes e dos dados de qualificação dos profissionais que participarão da perícia (fundamentais para verificação de suspeição ou impedimento). Dito de outra forma: ao nomear a plataforma, não se sabe quem é nomeado.

Isso faz com que o ato da efetiva nomeação, que é prerrogativa do magistrado, seja delegado a um terceiro: a plataforma intermediadora.

Nasce o primeiro ponto de atenção: qual será o critério adotado pela empresa para a seleção do profissional? O que mais rápido responder à solicitação, ou aquele com menor custo? O que tem “cinco estrelas”, ou aquele que realizou mais perícias no passado?

Não sendo o perito escolha das partes e nem do juiz, estar-se-ia entregando a sorte do processo judicial à mão de um terceiro escolhido por critérios escusos — e não necessariamente sua capacidade.

Nessas circunstâncias, a qualidade — e porque não dizer a confiabilidade — da perícia fica seriamente comprometida. Especificamente quanto a esse ponto, a falta de confiabilidade também pode gerar o alongamento do processo.

Quando o juízo indica um perito, transforma-o em sua longa manus, a extensão da sua mão. Significa dizer que o perito confiado atua em seu mister com o poder que lhe foi atribuído o juiz.

É por isso que o pressuposto da confiabilidade, quando da nomeação, é essencial. Sem ela, o juiz pensará duas vezes antes de ratificar os resultados obtidos. E, por formar livremente o seu convencimento (fundamentando as suas conclusões) para decidir, nada impede que sejam realizadas novas perícias apenas para confirmar o resultado dúbio da primeira.

Vê-se que o ato de delegar à plataforma a escolha do perito, além de não previsto no código processual, pode acarretar problemas de qualidade e, ainda, atrapalhar a solução célere e eficaz do processo.

Diante de todos esses problemas, em última instância, o resultado de uma indicação pericial sem confiança é a extensão da ausência de confiança dos litigantes no próprio Poder Judiciário.

Não se ignora que, com o aumento considerável de litígios em curso, o uso de tecnologias e inovações sirva também para a busca de efetividade na prestação jurisdicional. De igual forma, não é ilícito empreender e explorar nichos de mercado para trazer soluções inovadoras a problemas recorrentes.

O impasse se dá quando tais inovações debilitam a ordem jurídica e não se alinham a pressupostos básicos do processo civil e, por que não, do próprio sistema jurídico brasileiro.

Não se pode esquecer nunca que, especialmente para temas sensíveis — como é o caso da Justiça — todo cuidado é pouco.