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O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) produziu um parecer técnico sobre o PL 1904/2024, que proíbe a prática do aborto após as 22 semanas mesmo em gravidez decorrente de estupro, apontando para a inconstitucionalidade da proposta que tramita na Câmara dos Deputados. De acordo com as signatárias, o texto viola tanto princípios constitucionais básicos, como a laicidade do Estado e a vedação à tortura, quanto elementos mais específicos do Direito Penal, como a proporcionalidade e a humanidade das penas (desça na reportagem para ler na íntegra).

O parecer foi elaborado por representantes de cinco comissões da OAB, incluindo a Comissão Nacional de Direitos Humanos e a Comissão Especial de Direito da Saúde, bem como a ouvidora-geral da Ordem, Katianne Aragão. Além da preocupação a respeito do mérito do projeto, o documento ressalta o entendimento de que sua tramitação sofre de vício formal, tendo em vista que o requerimento de urgência foi aprovado sem que antes o texto fosse apreciado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

Na prática, o PL 1904/2024 equipara todos os abortamentos realizados em condição de “viabilidade fetal” ao crime de homicídio simples, e presume esta viabilidade a partir da 22ª semana. O próprio estabelecimento desse prazo foi visto com preocupação pela OAB. “O PL não se preocupou com a possibilidade de uma descoberta tardia da gravidez, fenômeno comumente percebido nos lugares mais interioranos dos Estados brasileiros, ou ainda, com a desídia Estado na assistência médica em tempo hábil, tornando-se mais fácil delegar tudo à tutela do Direito Penal”, aponta o parecer.

A adoção de uma pena equivalente à de homicídio a uma vítima de estupro, segundo as signatárias, “é capaz de ostentar características de penas cruéis e infamantes”, além de incorrer no risco de resultar na prática de tortura ao obrigar mulheres e meninas a dar continuidade a uma gravidez forçada. As autoras do parecer ainda chamam atenção para o fato de a pena para estupro ser menor do que para homicídio, o que “não se coaduna com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade da proposição legislativa, além de tratamento desumano e discriminatório para com as vítimas de estupro”.

Outro princípio constitucional citado como violado pelo projeto é o da vedação ao retrocesso, o que pode inclusive resultar em insegurança jurídica no futuro, tendo em vista que o tema acabaria se tornando motivo de atrito na Justiça. “Neste aspecto, conclui-se que o retrocesso proposto no aludido PL aponta para a inequívoca corrosão do estado democrático de direito, também, pela via de ameaça à segurança jurídica e ao ordenamento jurídico, visto que está em xeque direitos adquiridos de meninas e mulheres”.

O parecer acrescenta que o direito à segurança também é violado no PL do Aborto, “uma vez que impõe às vítimas o pesado ônus de, além de lidar com as consequências das falhas do próprio Estado ao não lhes garantir o direito à segurança cidadã, conforme previsão em nosso ordenamento, serão penalizadas com a manutenção forçada da gestação ou aplicação grave pena de prisão”.

Confira a seguir a íntegra do parecer:

Pedido de devolução

Além do parecer da OAB, também foi apresentado à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados um requerimento, apresentado pelas deputadas Fernanda Melchionna (Psol-RS) e Sâmia Bomfim (Psol-SP), solicitando a devolução PL do Aborto ao autor, também sob alegação de se tratar de matéria inconstitucional.

As deputadas destacam que, ao se impor o prazo de 22 semanas para a realização do aborto nas formas previstas em lei, na prática o resultado é a discriminação entre pessoas com condições maiores ou menores de acessar o serviço de saúde, violando assim os direitos constitucionais à igualdade e não-discriminação. “Esse ato discriminatório incide em uma população especialmente vulnerabilizada e que já enfrenta uma série de obstáculos para o acesso ao direito, que vão desde a dificuldade no rompimento do ciclo da violência à frequente suspeição de seus testemunhos por parte dos profissionais de saúde”, argumentam.

As autoras também reforçam o entendimento apresentado no parecer da OAB de que a imposição para que vítimas de estupro deem continuidade à gravidez, na prática, configura uma “continuação da violência”, transformando-se em uma forma de tortura.

Confira a seguir a íntegra do pedido: