A chegada de Gabriel Galípolo à presidência do Banco Central (BC), indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, trouxe expectativas de mudanças na condução da política monetária. No entanto, as primeiras reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) sob seu comando confirmaram a continuidade do ciclo de elevação dos juros. Na decisão anunciada nesta quarta-feira (19), a taxa Selic foi elevada em 1 ponto percentual, atingindo 14,25% ao ano — o maior patamar desde 2016.
O aumento, embora já esperado pelo mercado, reforça a percepção de que a autonomia do BC segue alinhada às demandas do mercado financeiro, mesmo com uma nova equipe no comando. Para economistas ortodoxos, a transição não permite grandes rupturas imediatas, especialmente em um contexto de inflação persistente e incertezas globais.
O principal recado do Banco Central, ontem, foi de que os juros continuarão subindo, mas em ritmo menor, embora não tenha indicado de quanto seria essa nova alta. O que o Banco Central disse é que “diante do cenário adverso”, o Comitê de Política Monetária “antevê, em se confirmando o cenário esperado, um ajuste de menor magnitude na próxima reunião”. O BC deu essa indicação futura, mas não se comprometeu com taxa alguma.
O Copom preferiu se deixar livre para decidir, em 7 de maio. A imprecisão dos dados e a enorme incerteza em função da política comercial do governo Donald Trump não permite antecipar expectativas. Apesar do verdadeiro choque de juros que o BC já aplicou no país, nas últimas três reuniões, a economia continua crescendo. “Ainda que sinais sugiram uma incipiente moderação no crescimento”, diz o comunicado do Copom. Quanto o país não cresceria caso a política monetária fosse alinhada com as políticas do Ministério da Fazenda?
Já se sabe, no entanto, que os juros ficarão acima do nível de quando a inflação atingiu o patamar de dois dígitos, em 2015, mesmo estando abaixo da restritiva meta. O Copom informa também que a elevação dos juros ainda não tem data para acabar. “O comitê reforça que a magnitude total do ciclo de aperto monetário será ditada pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.
Herança da gestão Campos Neto pesa na decisão
Embora Galípolo tenha assumido o BC no início de 2025, as decisões recentes ainda refletem compromissos firmados durante a gestão de Roberto Campos Neto. O “forward guidance” estabelecido em dezembro de 2024 previa novas altas nos juros, e o Copom manteve essa trajetória para evitar surpresas negativas no mercado.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reconheceu essa transição delicada durante participação no programa Bom Dia, Ministro, da EBC, nesta quinta-feira. “Na última reunião, você contratou três aumentos bastante pesados na Selic. Você não pode, na presidência do Banco Central, dar um cavalo de pau depois que assumiu. Isso é uma coisa muito delicada”, afirmou Haddad, defendendo a cautela de Galípolo ao lidar com os legados da gestão anterior.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que acredita que a economia brasileira pode crescer e ao mesmo tempo desacelerar a alta dos preços. “Eu não acredito que a gente precisa de uma recessão para abaixar inflação no Brasil. Acho que você consegue administrar a economia de maneira a crescer de forma sustentável sem que a inflação saia do controle”, afirmou o ministro.
Haddad não respondeu diretamente se concorda com o aumento dos juros, porém afirmou confiar no trabalho do Banco Central (BC). “Nós temos uma tarefa que é debelar o aumento dos preços que houve, isso tem que ser feito pelo executivo e pelo BC independente”, disse. “Eu acredito que a equipe do BC vai fazer o trabalho corretamente para trazer essa inflação [para a meta], e nós vamos fazer nossa parte.”
O ministro afirmou assim que o governo continuará perseguindo sua meta de déficit primário zero para este ano. A desconfiança do mercado financeiro com as contas públicas são um dos motivos a pressionar por uma alta de juros. O mercado financeiro exige dividendos muito maiores do governo para continuar investindo nos títulos públicos.
Pressão do mercado financeiro mantém juros altos
Economistas destacam que a manutenção do ciclo de alta dos juros está diretamente ligada à influência do mercado financeiro sobre o BC. Apesar de Lula ter indicado sete dos nove membros do Copom, as decisões continuam refletindo as prioridades do setor financeiro.
“O BC foi capturado totalmente pelo mercado financeiro”, afirmou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo em entrevista ao programa Entrelinhas Vermelhas, que vai ao ar, hoje. Segundo ele, a visão predominante de que altas nos juros são necessárias para controlar a inflação ignora fatores estruturais e sistêmicos que impactam os preços. “Não há independência real. Quem manda no Banco Central é o mercado financeiro.”
Os dados do Boletim Focus reforçam essa tese, especialmente por consultar apenas agentes financeiros, ignorando a indústria, o comércio, o consumidor e o sindicalismo, que também compõem “o mercado”. As projeções compiladas pelo BC indicam que a inflação deve encerrar 2025 em 5,7%, acima do teto da meta de 5%. Diante desse cenário, analistas do mercado financeiro defendem que o BC mantenha uma postura “hawkish” (contracionista) para evitar que a inflação se desancore ainda mais.
Inflação persistente é a justificativa
O comunicado do Copom aponta que a inflação segue resistente, especialmente nos setores de serviços. Além disso, fatores externos, como a política comercial do governo Donald Trump nos Estados Unidos, aumentam a incerteza global e pressionam os preços no Brasil.
Em fevereiro, a inflação oficial registrou alta de 1,3%, impulsionada pela disparada do dólar no final de 2024. Embora a tendência seja de desaceleração nos próximos meses, graças à queda recente da taxa de câmbio, os níveis ainda permanecem acima do teto da meta.
O Ministério da Fazenda projeta um crescimento de 2,3% para o PIB em 2025, abaixo dos 3,4% registrados em 2024. Apesar disso, a economia tem mostrado resiliência, com sinais de expansão em alguns setores, como a agricultura, que deve impulsionar o PIB no primeiro trimestre.
Lula defende crescimento econômico e critica restrições do BC
Minutos depois do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) aumentar mais uma vez a Taxa Selic, em 1 ponto percentual, para 14,25% ao ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a atividade econômica seguirá surpreendendo os analistas este ano e disse que o país crescerá mais de 3% neste ano.
Os economistas ortodoxos continuam prevendo menor crescimento este ano, assim como erraram feio nos anos anteriores, enquanto o governo trabalha com perspectivas muito mais otimistas. Em resposta à decisão do Copom, o presidente Lula afirmou que o Brasil seguirá crescendo acima das expectativas do mercado. “Eu quero fazer um desafio aos teóricos: o Brasil vai crescer outra vez acima de 3%. É o país que mais tem crescido no mundo, praticamente”, disse Lula.
O presidente criticou indiretamente o BC, argumentando que o país poderia crescer ainda mais caso o crédito fosse mais acessível. “As pessoas vão ter crédito para tomar dinheiro emprestado, pagar juro mais barato e fazer o investimento que quiserem”, declarou, reforçando sua agenda de estímulo à economia.
Ajustes menores, mas juros ainda altos
Embora o Copom tenha sinalizado um ritmo menor de aumentos nas próximas reuniões, os juros devem permanecer elevados por um período prolongado. O comunicado deixou claro que o ciclo de aperto monetário só será interrompido quando houver “firme compromisso de convergência da inflação à meta”.
Para o economista Beto Saadia, CIO da Nomos, o BC precisa manter rigor para evitar interpretações de leniência. “É preciso mostrar compromisso com a meta. O mercado pune o contrário”, afirmou. Já Davi Lelis, da Valor Investimentos, ressaltou que os efeitos das altas de juros demoram até um ano para impactar a inflação, sugerindo que cortes prematuros podem ser arriscados.
Transição gradual no BC
A decisão desta semana reforça que a troca de comando no Banco Central não significa uma ruptura imediata com a política monetária adotada nos últimos anos. Apesar das indicações de Lula, a herança da gestão Campos Neto e a pressão do mercado financeiro limitam as margens de manobra de Galípolo.
Enquanto isso, o governo tenta equilibrar a agenda de crescimento econômico com as demandas por controle da inflação. A continuidade dos juros altos, no entanto, evidencia os desafios de conciliar essas prioridades em um cenário de incertezas domésticas e globais.
VERMELHO
https://vermelho.org.br/2025/03/20/juros-seguem-em-alta-apesar-de-galipolo-no-comando-do-copom/