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Longe dos holofotes por muitos anos, o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) voltou à cena após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sugerir mudanças nas regras do benefício em declarações recentes. “Regulando melhor a portabilidade, nós entendemos que há um espaço para uma queda do preço da alimentação. Tanto do vale-alimentação quanto do vale-refeição”, afirmou Haddad, em entrevista a jornalistas em janeiro.

O contexto é a tentativa do governo Lula de oferecer respostas à preocupação social com a alta do preço dos alimentos. E o PAT é central por uma razão simples: com 22 milhões de beneficiários, é um dos maiores programas de alimentação do Brasil.

O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, não teria sido consultado sobre a proposta de mudanças levantada pela Fazenda, o que sugere uma desorganização na cúpula do governo federal sobre um programa já consolidado e considerado fundamental entre os benefícios aos trabalhadores. A gestão do PAT é compartilhada entre o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, do Ministério da Fazenda, e o Ministério da Saúde.

A caminho de completar 50 anos em 2026, o programa se tornou assunto de interesse da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que enviou ao governo, no início do ano, uma série de propostas para redução dos preços dos alimentos. Entre elas, a portabilidade do vale-alimentação (VA) e vale-refeição (VR), sob a alegação de que as altas taxas cobradas pelas emissoras dos vales inviabilizam a oferta de alimentos a preços justos nos supermercados.

As taxas costumam variar de 3,5% a 4,5% do valor da transação, mas há relatos de até 6%. Na comparação, compras com cartão de débito geram uma taxa de 1% a 2% aos lojistas, enquanto no crédito pode chegar a até 5%.

Em 2022, a portabilidade do cartão de benefícios de alimentação foi instituída por lei, mas não chegou a ser implementada por discordâncias entre empregadores e o governo federal. A medida permitiria ao funcionário escolher a gestora de seu VR e VA, tarefa que hoje cabe ao departamento de Recursos Humanos (RH) de cada empresa.

“Da forma como o programa está desenhado hoje, basicamente só o setor supermercadista dá conta de receber o vale e diluir os custos com taxas. Seria muito importante que na feira se aceitasse o benefício. Mas imagina o feirante embutir esse custo? Ele não consegue”, diz Daniela Canella, professora do Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com ampla pesquisa sobre o PAT.

Contrária à proposta de portabilidade, a Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT) avalia que a migração não trará nenhuma vantagem. “A portabilidade dos vales alimentação e refeição é totalmente diferente da portabilidade no setor bancário ou de cartão de crédito, no qual o cliente faz a portabilidade para um banco com menor taxa na busca de reduzir os custos de crédito ou de tarifas. Os vales alimentação e refeição são pré-pagos, sem a incidência de qualquer taxa ou tarifa para o trabalhador”, diz Lucio Capelletto, diretor-presidente da ABBT.

A associação representa 21 empresas fornecedoras de vales, incluindo as gigantes Alelo, Pluxee (ex-Sodexo), VR e Ticket. No lugar da portabilidade, as empresas defendem a interoperabilidade, que permitiria que todas as maquininhas de cartão, que já operam débito e crédito, aceitassem os vales.

Pesquisadores alertam que a interoperabilidade, por si só, não levaria a melhorias na alimentação dos beneficiários do PAT. Isso porque ainda faltaria regular de forma mais efetiva o que se pode comprar com o benefício, para além das regras vigentes de proibição de compra de bebidas alcoólicas e produtos não alimentícios.

“A regulamentação do quê e de onde comprar, no caso dos vales, é um bom caminho. É claro que não vai dar conta de tudo, que vai ter biscoitos e outros ultraprocessados, mas, se você faz alguma restrição de onde pode usar, que não sejam os locais que vendem prioritariamente ultraprocessados, já ajuda”, avalia Daniela Canella.

Além de supermercados e restaurantes, redes de fast-food, bombonieres e até lojas de conveniência podem se cadastrar para receber pagamentos com vale-refeição ou alimentação. “Uma proposta é restringir bebida adoçada, e com isso você já corta um tanto de coisa. Poderia ser um primeiro passo para reformular o PAT, alinhado à reforma tributária”, defende a pesquisadora.

Um mergulho no PAT

O PAT foi criado em 1976 como uma política de aporte calórico para trabalhadores da indústria. À época, o país registrava altos índices de acidentes de trabalho, muitos deles atribuídos a deficiências nutricionais dos funcionários das fábricas, o que poderia causar fraqueza, desatenção e outros problemas de saúde. Além disso, as faltas ao trabalho costumavam ser mais frequentes por motivo de doenças derivadas da má nutrição.

“Nos anos 1970, tivemos um inquérito muito importante, o Indicador de Educação Financeira (Indef), que olhou para vários aspectos de nutrição e identificou que 67% da população adulta tinha um déficit energético”, explica Daniela. “Com o país se industrializando, o programa nasce na perspectiva de oferta de refeição para suprir esse déficit dos trabalhadores, com foco prioritário nos trabalhadores de baixa renda, que provavelmente eram essa população com um déficit energético.”

Com adesão voluntária, as empresas podem optar por oferecer alimentação no local de trabalho, por meio de refeitório próprio ou de refeições fornecidas por uma terceirizada, por cestas de alimentos ou por vale-alimentação/refeição. E é justamente essa última modalidade que está em disputa.

O valor do benefício pago pelos empregadores é isento de encargos sociais e contribuição previdenciária. Ou seja, não tem natureza salarial. Mas o valor investido pelas empresas no PAT pode gerar deduções fiscais.

Considerando um período-base, a empresa pode deduzir, do lucro, o dobro das despesas comprovadamente realizadas no âmbito do programa. Essa dedução não pode exceder 4% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) devido pelo lucro no período e está disponível apenas para empresas que optam pelo modelo de tributação de lucro real – geralmente corporações que têm receita anual superior a R$ 78 milhões. Entre 2015 e 2023, essas empresas conseguiram deduzir R$ 13,1 bilhões com o PAT.

Modalidades previstas no PAT

1) Serviço próprio:  A empresa assume toda a responsabilidade pela elaboração das refeições, desde a contratação do pessoal até a distribuição das mesmas.

2) Terceirizada: O empregador contrata uma empresa beneficiária e concessionária registrada no PAT para fornecer as refeições ou administrar a cozinha/refeitório.

3) Cestas de alimentos: Fornecimento de itens básicos, com compra própria ou por meio de empresa terceirizada.

4) Vale-alimentação (VA) e vale-refeição (VR): O empregador contrata uma empresa fornecedora de vale-refeição, que fará o repasse do benefício em cartão individual de cada trabalhador. Os valores podem ser utilizados em restaurantes e/ou supermercados da rede credenciada da empresa emissora.

Dados do MTE divulgados em dezembro apontam que há 471 mil empresas cadastradas no programa. Dos 22 milhões de trabalhadores beneficiados, 19 milhões recebem até cinco salários mínimos. E é justamente sobre essa fatia que incide a possibilidade de incentivos fiscais para o empregador que adere ao PAT.

Não há valor mínimo ou máximo na concessão do benefício do PAT. O teto existe apenas em relação ao desconto em folha do trabalhador, limitado a até 20% do valor total do vale-refeição ou alimentação no mês. O principal indicador a ser observado pelas empresas ao estabelecer o valor do benefício é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), já que ele mede a variação de preços de produtos e serviços consumidos pelas famílias com renda de um a cinco salários mínimos.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), divulgada pelo IBGE, mostram que o rendimento médio do trabalhador brasileiro foi de R$ 3.225 por mês em 2024. A média salarial da maioria dos trabalhadores formais do Brasil, portanto, está dentro da faixa do INPC.

Desde a sua criação, o PAT foi importante para a diminuição do número de acidentes de trabalho. Mas os tempos são outros, a força de trabalho migrou para o setor de serviços e há mais a ser considerado na alimentação de trabalhadores hoje do que a ingestão de nutrientes, especialmente levando em conta que a maior parte dos beneficiários recebe VA e VR. Um aparente consenso é de que o programa precisa caminhar na direção das recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, ou seja, estimular a população a fazer de alimentos in natura e minimamente processados a base das refeições.

Em entrevista ao Joio, a diretora do Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde do Ministério da Saúde, Gilmara Lucia dos Santos, afirmou que a pasta está trabalhando junto ao MTE na construção de um novo ato normativo para o PAT, que deve identificar as principais lacunas para seu alinhamento ao Guia e, assim, definir novas diretrizes para as empresas participantes. “Desta forma, iremos além de definições sobre valores de referência para macro e micronutrientes. Buscamos avançar incluindo definições baseadas na regra de ouro do Guia Alimentar e na promoção de ambientes alimentares saudáveis nas dependências das empresas credenciadas ao PAT.”

Quem ganha com a portabilidade?

A Abras apresentou ao governo a proposta de criação do PAT e-Social, sob a qual o benefício seria operado diretamente pelo governo federal via pagamento em conta salário. O texto diz o seguinte: “Dessa forma, os trabalhadores teriam mais uma opção onde receberiam o benefício diretamente em suas contas, sem precisar de vouchers privados que cobram taxas abusivas. Neste modelo, a origem e a destinação do benefício são devidamente preservadas, com a identificação do depósito efetuado ao trabalhador no extrato do e-Social. O recurso, disponível por meio de cartão de débito, PIX ou DREX da Caixa Econômica Federal, multi-bandeira, poderá ser utilizado em supermercados filiados ao PAT.”

Segundo a associação, essa medida geraria uma economia de R$ 10 bilhões por ano, que poderiam ser revertidos para redução do custo da alimentação. Procurada pela reportagem, a Abras não detalhou como chegou a esse número nem como isso levaria a preços mais baixos nas gôndolas dos supermercados. Portanto, ainda não há garantias de redução nos preços ao consumidor.

Além da ABBT, a Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) emitiu um parecer contrário à portabilidade dos vales. O temor é que a medida geraria desgaste para as equipes de RH, que precisariam ter funcionários dedicados a lidar com os pedidos de mudança de empresa emissora. Isso também poderia representar o fim de contratos com boas taxas entre empregadores e fornecedoras de VR e VA.

Para o advogado Roberto Baungartner, membro do Comitê RH de Apoio Legislativo (CORHALE) da ABRH, o fracionamento de usuários entre várias empresas deve aumentar o custo unitário do contrato do benefício. “Os defensores da portabilidade dizem: ‘Vamos fazer um teste, ver o que acontece, porque pode ser positivo’. O que eles estão sugerindo é um experimentalismo perigosíssimo, oneroso, sem avaliar as consequências disso”, afirma.

O resultado mais desfavorável seria, na visão de Baungartner, que a elevação de custos poderia levar os empregadores a desistir de oferecer o benefício. Isso porque esse aumento de custos poderia superar as deduções fiscais. Afinal, o PAT segue sendo um programa de adesão voluntária.

“O Fundo Monetário Internacional já publicou várias vezes que, se o benefício ao trabalhador é dado em dinheiro, ele não atinge a sua finalidade. É gasto em finalidades diferentes daquela para a qual ele foi direcionado”, aponta o advogado do CORHALE. “O que dá lucro para o supermercado são os produtos de consumo de valor agregado, como televisão, geladeira, qualquer outra coisa que não seja gênero alimentício básico. Se der o benefício em dinheiro, eles não vão mais vender o feijão, que dá menos lucro.”

O Banco Central declarou que não opera na regulamentação dos vales alimentação e refeição, inclusive com base em uma resolução de 2023 que estabelece que esses benefícios não integram o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). A Abras pediu a revogação dessa resolução.

Junto aos supermercados nas trincheiras da portabilidade estão fintechs como o iFood, interessadas em entrar em um mercado hoje dominado por quatro empresas. Em 2021, a empresa lançou seu próprio vale-refeição, o iFood Benefícios, que permite a utilização dos créditos de vale-refeição em supermercados, além de restaurantes.

Em julho do mesmo ano, o MTE abriu um processo administrativo contra o iFood, pois a regra vigente à época determinava que era necessário separar os créditos entre refeição e alimentação. O processo pede a retirada da empresa entre as inscritas no PAT pela suposta violação das regras. Em dezembro de 2024, o iFood pleiteou o cancelamento da ação, o que foi negado pela Justiça Federal. Ainda cabe recurso.

“Aquela fintech que nunca operou o Programa de Alimentação do Trabalhador, que nunca credenciou um restaurante ou teve uma nutricionista como responsável técnica, da noite para o dia quer que o cartão refeição e alimentação seja tratado exclusivamente como meio de pagamento”, pontua o advogado do CORHALE. Para ele, isso poderia levar a uma batalha de titãs para atrair o trabalhador para a portabilidade, com negociação de descontos no delivery e em academias, por exemplo, itens atualmente vedados pelo MTE.

“Seria uma maneira de atrair o consumidor para trocar para a sua marca. Só que não é isso que interessa. O que interessa no PAT é o tamanho da rede, é a qualidade da refeição, é um bom atendimento ao usuário, para a finalidade da refeição e alimentação do trabalhador.”

DM TEM DEBATE

https://www.dmtemdebate.com.br/o-que-esta-por-tras-das-mudancas-nos-vales-refeicao-e-alimentacao/