NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Alexandra Del Amore de Carvalho e Helio Ferreira Moraes

LGPD avança no Brasil, impacta relações trabalhistas e firma a proteção de dados como direito fundamental inegociável nas normas coletivas.

Muita gente fala que a LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados1 não pegou, ou que não vai pegar! Essa parece uma visão pontual da cena social-jurídica brasileira, pois o aculturamento a uma nova legislação de tamanho espectro social, como a LGPD, é demorado, muitos fatores influenciam esse processo, desde a própria estruturação dos órgãos públicos de fiscalização e controle, a introspecção das empresas públicas e privadas de que precisam dar atenção ao tema, até o conhecimento das pessoas de seus direitos para que possam exigi-los.

Ao ampliarmos nosso horizonte de visão, tendo em mente toda a transformação digital que estamos imersos, visualizamos que não só a LGPD já pegou, como vai ser acompanhada por diversas outras leis e regulamentos complementares, em diversas áreas jurídicas, com o propósito de cada vez mais exigir a responsabilidade corporativa sobre os dados pessoais dos indivíduos.

Em algumas áreas, inclusive, as aplicações da LGPD têm se ampliado, na esfera trabalhista por exemplo, temos milhares de reclamações trabalhistas no Brasil que já incluem alguma questão envolvendo LGPD, mas para além disso a LGPD passou a influenciar até os limites de negociação dos acordos coletivos. Historicamente, as negociações coletivas desempenham papel importante na regulamentação das mais diversas categorias profissionais e constituem importante fonte de direitos do trabalhador. Fundada no princípio da adequação setorial negociada, tais instrumentos permitem que empregados e empregadores estabeleçam regras próprias para as relações de trabalho, levando em conta características únicas de cada setor.

Não à toa, que o arti. 7º, XXVI, da Constituição Federal estabelece o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho como instrumentos legítimos de produção normativa. Além disso, o STF, em julgamento do Tema 1.046 da repercussão geral2, tratou da constitucionalidade de acordos e convenções coletivas que limitam ou afastam direitos trabalhistas, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis. No caso, o STF estabeleceu que tais acordos são constitucionais, desde que observado princípio da adequação setorial negociada e o respeito ao patamar civilizatório mínimo de direitos trabalhistas.

Mas o que acontece quando o acordo negociado interfere na proteção do direito à intimidade e privacidade do trabalhador?

Recente decisão do TST3 debruçou-se sobre esse conflito ao analisar a legalidade da norma coletiva que obrigava o repasse de dados pessoais de empregados, tais como nome completo, número do CPF – Cadastro de Pessoa Física, telefone, e-mail, data de nascimento e nome da mãe, para uma empresa gestora de cartão de descontos. Na ação proposta pelo sindicato dos trabalhadores, defendia-se que as empresas seriam obrigadas a fornecer esses dados pessoais dos empregados porque a norma visava à concessão de benefícios.

A empresa insurgente, por outro lado, justificava a recusa em prover os dados pessoais pelo fato de que se tratava de informações sensíveis dos empregados, as quais são utilizadas amplamente por criminosos em operações de engenharia social para aplicar golpes, não havendo uma base legal que justificasse esse compartilhamento, incluindo a falta de consentimento expresso destes para o repasse dos dados à empresa gestora do benefício, o que atrai a proteção da LGPD.

Interessante notar, especialmente para aqueles que não acreditam que a LGPD já pegou, que o TST considerou que a cláusula em questão viola a LGPD, especificamente os artigos 7º, I, e 8º, que estabelecem que o tratamento de dados pessoais depende do consentimento do titular ou alguma outra base legal aplicável. No caso, os empregados não haviam autorizado expressamente o compartilhamento dos dados, e tampouco exista algum outro fundamento legal para esse compartilhamento, o que tornaria ilegal a obrigatoriedade do fornecimento. O TST ressaltou ainda que a privacidade e a proteção de dados são direitos fundamentais indisponíveis, não podendo ser objeto de negociação coletiva, na forma estabelecida pelo STF.

O precedente revela um importante balizador dos limites do negociado sobre o legislado. Encontramos muitas normas coletivas que avançam sobre direitos dos trabalhadores e que são validadas por juízes e Tribunais com base na repercussão geral julgada pelo STF, mas também é certo que algumas delas são anuladas sob este mesmo princípio, por extrapolarem os direitos indisponíveis. Mas quais são os fundamentos que definem o que pode ou não ser considerado direito indisponível? Estes fundamentos se mostram ainda difusos, sobretudo na jurisprudência, já que a própria definição de direito indisponível conta com conceitos mais diversos.

Não se pode ignorar que a proteção de dados é direito cuja proteção é regulamentada em legislação própria e que reflete uma tendência global da preocupação com a forma como as empresas tratam e utilizam os dados de clientes e colaboradores. Vale lembrar, ainda, que o Brasil tem avançado significativamente no campo da proteção dos direitos fundamentais à privacidade nos últimos anos. Além da LGPD, tivemos a importante decisão do STF4 em 2020 que proibiu o compartilhamento de dados das empresas de telecomunicações com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), suspendendo a eficácia da MP 954/20, por ausência de garantias suficientes para proteger os dados pessoais dos cidadãos, o que poderia levar a usos indevidos ou vazamentos dessas informações. No mesmo sentido, a emenda constitucional 115 em 2022 incluiu explicitamente o inciso LXXIX no art. 5º da Constituição Federal, que assegurou a proteção de dados pessoais como um direito fundamental.

Do ponto de vista das relações de trabalho, é interessante notar que a limitação veio justamente de direito fundamental mais amplo, que não abrange apenas aspectos das relações de trabalho e protege o próprio cerne da intimidade do indivíduo.

A reforma trabalhista5 iniciou uma tendência de se privilegiar a autonomia dos entes negociais para estabelecerem as normas de suas respectivas categorias, mas essa autonomia não pode ser excessiva, sem parâmetros objetivos a respeito de seus limites, que potencialize violações de outros direitos dos trabalhadores, como a proteção de dados.

A decisão do TST evidencia essa nova era de interseção entre áreas jurídicas, como regras para estabelecer a negociação coletiva e proteção de dados. Sindicatos e empregadores precisam se atentar aos limites impostos pela LGPD e da impossibilidade de dispor sobre os dados de seus colaboradores de forma inconsequente. A baliza do direito indisponível à privacidade reafirma a importância da proteção dos dados pessoais de trabalhadores, sendo garantia inegociável. A velocidade de implantação desse ecossistema da LGPD talvez não seja a desejada para garantir rapidamente uma sociedade mais responsável pela privacidade, ainda temos um longo percurso pela frente com diversas consolidações e aculturamento. Mas sem dúvida é um caminho sem volta, cada vez mais vamos ter essa intersecção multisetorial entre outros direitos e nossa privacidade, pois nossos dados pessoais estão em todas as áreas das organizações e valem cada vez mais nas mãos de criminosos digitais, empresas de marketing digital ou serviços de atuação B2C.

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1 Lei nº 13.709/2018.

2 ARE nº 1121633.

3 TST-Ag-AIRR – 1000888-31.2022.5.02.0088.

4 Acórdão 5898078

5 Lei nº 13.467/17.

Alexandra Del Amore de Carvalho
Advogada trabalhista no PK Pinhão e Koiffman Advogados.

PK Pinhão e Koiffman Advogados

Helio Ferreira Moraes
Coordenador da Comissão de Tecnologia do CCBC. Sócio do PK – Pinhão & Koiffman Advogados.

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/429602/a-lgpd-influencia-diretamente-as-negociacoes-coletivas-de-trabalho