O envelhecimento da população brasileira e a diminuição de nascimentos já afetam o mercado de trabalho e devem exigir novas reformas da Previdência nos próximos anos, segundo especialistas ouvidos pelo g1.
A situação é consequência de mudanças sociais e demográficas da população.
Os Dados do Registro Civil do IBGE mostram uma queda consistente da natalidade nas últimas décadas, reflexo de uma mudança cultural: as famílias estão menores.
As mulheres brasileiras cada vez mais adiam (ou não têm) o sonho de serem mães.
Em 2023, o Brasil registrou o menor número de nascimentos desde 1976: foram 2.518.039 de bebês, um recuo de 0,8% em relação a 2022.
Com menos nascimentos, há menor reposição de trabalhadores e, consequentemente, menos gente contribuindo para o sistema da Previdência Social, que paga aposentadorias e pensões.
“À medida que a população brasileira envelhece, a força de trabalho também envelhece. A expectativa de vida do brasileiro vem aumentando, e isso faz com que pessoas mais velhas permaneçam por mais tempo no mercado de trabalho”, explica Bruno Imaizumi, economista da LCA 4intelligence.
Um levantamento feito por Janaína Feijó, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), com base em dados do IBGE, mostra que a participação de jovens na força de trabalho caiu nos últimos 12 anos.
Segundo o estudo, houve queda de 15% na população em idade ativa de trabalho entre 14 e 17 anos e de 6% entre 18 e 29 anos. Já a faixa com 40 anos ou mais aumentou 35% no mesmo período.
Veja o gráfico:
A mesma tendência aparece entre os ocupados: enquanto a participação das pessoas de 14 a 17 anos caiu 8% entre 2012 e 2024, a dos trabalhadores com 40 anos ou mais cresceu 36%.
E como fica a média salarial do país?
Um mercado de trabalho com mais gente experiente poderia significar salários mais altos. Mas, isso nem sempre se confirma, segundo especialistas.
Para Imaizumi, depende da qualificação. “Rendimentos estão mais relacionados à produtividade. Estamos colocando no mercado de trabalho pessoas mais escolarizadas, e os mais velhos tendem a ser mais experientes, duas coisas desejáveis”, afirma o economista da LCA 4intelligence.
Feijó, do FGV Ibre, diz que o Brasil fez avanços recentes, mas ainda tem uma parte importante da população com baixos níveis de escolaridade.
“A evolução educacional do Brasil tem sido mais lenta do que o necessário. No futuro, as pessoas devem chegar ao mercado de trabalho com mais escolaridade, mas isso não significa que conseguirão trabalhos melhores”, afirma.
Para a pesquisadora, apenas conseguirão rendimentos maiores aqueles que souberem se adaptar — ou seja, que estudarem para acompanhar as mudanças do mercado de trabalho.
“Empregos do futuro estarão voltados para tecnologia, por exemplo, o que significa que os mais velhos precisarão de reciclagem contínua e requalificação para se manterem bem posicionados.”
Além disso, diz Imaizumi, a tendência é que o mercado de trabalho também se molde para as novas demandas da sociedade.
“Por exemplo, mais velhos demandarão mais serviços de saúde. O setor de educação receberá cada vez menos gente, empresas e planos de saúde terão mais gastos com mais velhos”, afirma.
E como fica a aposentadoria?
As transformações também devem impactar a Previdência Social. Isso porque o aumento da expectativa de vida — que subiu para 76,4 anos em 2023 —, somado ao alto déficit orçamentário do governo, deve exigir que novas reformas sejam feitas ao longo dos próximos anos.
Parte do que explica esse quadro, diz Feijó, é o modelo de sistema previdenciário adotado pelo Brasil e por outros países da América Latina, chamado de “sistema previdenciário solidário”.
Nesse modelo, a ideia é que a contribuição das gerações mais novas financie as gerações mais velhas conforme venha a necessidade de aposentadoria.
“À medida que passamos por uma transição demográfica em que a base mais jovem se estreita e a mais velha se alarga, a tendência é que o problema [previdenciário] se acentue ao longo do tempo”, diz a pesquisadora da FGV.
Segundo o Relatório Global Previdenciário, divulgado recentemente pela Allianz e que analisa 71 sistemas previdenciários ao redor do mundo, o sistema de pensões do Brasil está próximo ao fundo do ranking global, com uma pontuação de 4,2. As melhores pontuações, vistas na Dinamarca, Holanda e Suécia, por exemplo, são de 2,3.
- 🤔 O indicador da Allianz é composto por três pilares: análise da situação demográfica e fiscal, uma avaliação da sustentabilidade (como financiamento e períodos de contribuição) e uma sobre a adequação (como cobertura e níveis de pensão) do sistema previdenciário.
- No total, são considerados 40 parâmetros, com pontuações variando de 1 (sem necessidade de reforma) a 7 (necessidade aguda de reforma). A soma ponderada de todos os parâmetros reflete a pressão por reformas em cada sistema.
O documento indica, ainda, que menos da metade da população em idade ativa está coberta pelo sistema previdenciário do país.
De acordo com Michaela Grimm, autora principal do relatório da Allianz, o país tem um alto nível de dívida pública — o que limita a margem de manobra financeira para compensar os déficits no sistema público de pensões — e mostra um rápido aumento da razão de dependência de idosos.
- 🔎A razão de dependência de idosos é uma métrica usada para medir a proporção de pessoas idosas em relação à população em idade ativa. Para o Brasil, a expectativa é que esse indicador aumente de 16% para 36% nos próximos 25 anos, segundo a Allianz.
Isso se soma, ainda, à idade de aposentadoria relativamente baixa no país e, segundo a pesquisadora, já indica a necessidade de novas reformas no sistema previdenciário brasileiro.
“Apesar do fato de que o sistema de pensões do Brasil concede um dos níveis de benefícios mais altos do mundo, menos da metade da população em idade ativa está coberta pelo sistema de pensões”, diz Grimm.
“Além disso, a parcela da população adulta que tem acesso a serviços financeiros ainda é menor do que na maioria dos outros países e o país tem uma das distribuições mais desiguais da riqueza financeira líquida das famílias privadas”, completa.
Dados recentes divulgados pelo governo brasileiro indicam que o rombo do INSS, instituto que paga aposentadorias e pensões dos trabalhadores do setor privado, deve mais que quadruplicar nos próximos 75 anos.
De acordo com o relatório da Allianz, o baixo volume de poupança privada e as altas taxas de contribuição impossibilitam uma “expansão sustentável dos pilares ocupacionais e privados totalmente financiados no sistema previdenciário brasileiro”.
“Outras necessidades de reforma incluem benefícios generosos e o grande mercado de trabalho informal, levando a lacunas de cobertura”, diz o documento.
Segundo Imaizumi, todo esse cenário de envelhecimento da população, queda da natalidade e aumento da expectativa ajudam a pressionar o sistema previdenciário “de maneira crítica”.
“Imprescindivelmente discutiremos outras Reformas da Previdência nas próximas décadas. O primeiro passo é acabar com privilégios de grupos que já são privilegiados no Brasil. Depois teremos que voltar a discutir idade e tempo de contribuição, combater a informalidade, incentivos a planos privados de previdência”, completa o economista.