NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

A recém aprovada reforma trabalhista colombiana, que redefiniu a jornada diurna de até oito horas, que deve se encerrar até às 7h da noite e determinou pagamentos por horas trabalhadas aos domingos e feriados, não garantiu os direitos aos trabalhadores que colhem os grãos de café no país, considerado um dos melhores do mundo. Além disso, a fiscalização insuficiente por parte das autoridades do país mantém a mão de obra do setor à mercê de violações trabalhistas.

Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pela Repórter Brasil, que percorreu zonas cafeeiras colombianas para investigar as condições de trabalho no setor. O resultado dessa investigação pode ser lido no relatório: Melhor café do mundo? Alojamentos precários, longas jornadas e informalidade na colheita de café da Colômbia (disponível em portuguêsinglês e espanhol).

“A legislação trabalhista sempre foi pensada para as grandes cidades”, explica Fabio González, diretor territorial do Ministério do Trabalho da Colômbia no estado de Antioquia. “No campo colombiano, não há trabalho decente ou digno. Há condições que se aproximam da escravidão. Porque os trabalhos são indignos, não há previdência social, não há futuro no campo”, acrescenta González.

Estefanni Barreto Sarmiento, advogada trabalhista colombiana especializada em normas internacionais do trabalho, explica que existem no país normas gerais de saúde e segurança no trabalho que se aplicam a todos os setores da economia. Mas que não há, como no Brasil, regras específicas que estabeleçam, por exemplo, parâmetros mínimos para a manutenção de alojamentos de trabalhadores temporários em fazendas ou para regular jornada e remuneração que considere as particularidades do setor agrícola.

Para a advogada colombiana, há um “vazio normativo” e “mecanismos insuficientes para garantir a aplicação efetiva das normas” no contexto do trabalho rural. Ela destaca que o modelo de contratação formal na Colômbia deve ser adaptado para incluir os trabalhadores que atuam em colheitas sazonais, caso do café. “Isso permitiria adaptar as condições de saúde e segurança no trabalho e criar um sistema de inspeção adaptado”, avalia. “Seria fundamental uma regulamentação clara e específica”, acrescenta.

Entreposto de venda de café da cidade de Andes, no estado colombiano de Antioquia. Segundo a OIT, a informalidade dos contratos do campo supera os 80% no país (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

Reforma deixou de fora os trabalhadores rurais

A reforma trabalhista da Colômbia aprovada em junho de 2025 excluiu as propostas que tratavam de trabalho agrícola. O texto inicial incluía dois artigos sobre o trabalho no campo: a criação de um contrato agropecuário, estimulando a formalização das relações de trabalho permanentes e sazonais, e o estabelecimento de uma jornada agropecuária diária, que flexibilizava a duração dos contratos, permitindo o pagamento com recolhimento de benefícios por dia. Um terceiro artigo ainda trazia garantias sobre as condições de moradia de trabalhadores permanentes de propriedades rurais.

Os pontos que criavam regras para o trabalho rural foram retirados durante as discussões na Câmara de Representantes da Colômbia (o equivalente à Câmara de Deputados do Brasil) em outubro de 2024.

“Nosso campo continuará a sofrer violações de direitos trabalhistas. Essa é a única maneira de ter um campo produtivo, de acordo com o Legislativo”, opina González. “Esse é um modelo mais parecido com um modelo de escravidão do que com um modelo de negócios para o campo”, completa.

Trabalho infantil persiste na colheita de café colombiano

Um estudo produzido pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) em 2022 apontou que o trabalho infantil na colheita de café na Colômbia é “persistente”.

Não há clareza sobre esse cenário nas estatísticas colombianas. Os números oficiais, registrados no SIRITI (Sistema de Identificação, Registro e Caraterização do Trabalho Infantil e suas Piores Formas), vinculado ao Ministério do Trabalho colombiano, apontam para apenas 61 crianças e adolescentes foram identificados trabalhando no cultivo de café no país em 2024. Os dados foram obtidos através de um pedido de esclarecimento ao órgão baseado na Lei 1755/2015, que estabelece, na Colômbia, o direito de solicitação de informações públicas.

Esses dados podem estar subnotificados, reconhece o próprio Ministério do Trabalho colombiano. “É preciso esclarecer que não é que esse flagelo não exista nas regiões, mas que os territórios ainda não realizaram o trabalho de aplicação de pesquisas nas zonas detectadas como de alto risco, por essa razão é o que o SIRITI não detecta a realidade do trabalho infantil do setores onde se cultiva café”, reforçou a pasta em resposta ao pedido de LAI (Lei de Acesso à Informação).

Apagão de dados sobre trabalho forçado

Questionado pela reportagem, o Ministério do Trabalho da Colômbia não soube informar quantos flagrantes de trabalho forçado foram identificados em fazendas de café no país na última safra. Segundo a pasta, os inspetores trabalhistas do país fazem a função apenas de prevenção à prática. Se o crime for identificado durante inspeções em fazendas, a denúncia deve ser apresentada à Procuradoria-Geral da Colômbia.

A Repórter Brasil entrou, então, em contato com a Procuradoria-Geral da Colômbia para saber o número de flagrantes e casos em investigação no setor cafeeiro. A resposta do órgão é que a consulta pública não apresenta o dado filtrado por setor da economia. “Deve-se esclarecer que isso não significa que não existam registros de processos com as características solicitadas; no entanto, essas informações podem estar contidas nos arquivos das promotorias que conhecem ou conheceram cada um dos casos em questão, que não podem ser identificados por meio de nossos sistemas de informação”, afirmou o órgão à reportagem.

A Colômbia adota o conceito de “trabalho forçado”, convencionado pela OIT em 1930. A prática é aquela “exigida de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade”.

No Brasil, o trabalho forçado é apenas um dos quatro elementos que caracteriza o “trabalho em condições análogas à escravidão”, crime tipificado no artigo 149 do Código Penal. Os outros três elementos são a submissão à servidão por dívida, condições degradantes e jornadas exaustivas. “Vocês [no Brasil] estão muito mais avançados nesse tema”, avalia González.

0,07% das fazendas inspecionadas

O número de fazendas inspecionadas na Colômbia pode explicar o baixo número de flagrantes de trabalho infantil e forçado. Em 2024, apenas 464 propriedades dedicadas ao cultivo de café foram inspecionadas pela Subdireção de Inspeção do Trabalho na Colômbia, segundo o órgão. Esse número é apenas 0,07% do total de propriedades destinadas ao cultivo de café no país, estimado em 658 mil, de acordo com dados da FNC (Federação Nacional de Cafeicultores da Colômbia). Desse total, 406 inspeções ocorreram em caráter de assistência técnica preventiva.

Procurada pela Repórter Brasil, a FNC avalia que “pode-se dizer que a maioria da população trabalhadora do café pode estar no setor informal, mas não no setor ilegal – conceitos diferentes – devido à falta de regulamentações adequadas e aplicáveis”. Para o órgão, a legislação trabalhista colombiana “apresenta lacunas em termos de como aplicar os conceitos de contratos de trabalho para atividades urbanas às atividades rurais, especialmente na cafeicultura, em que a itinerância e a sazonalidade são o denominador comum”.

*A investigação da Repórter Brasil foi acompanhada por integrantes da Voces por El Trabajo, organização que realiza pesquisas sobre condições de trabalho em diversos setores da economia colombiana, e apoiada pela Coffee Watch.

DM TEM DEBATE

https://www.dmtemdebate.com.br/colombia-atualiza-leis-trabalhistas-em-reforma-mas-exclui-trabalho-do-campo/