NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

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DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

A paisagem do trabalho nas sociedades contemporâneas está marcada por um traço inquietante: o adoecimento progressivo dos trabalhadores. Entre as manifestações mais alarmantes desse fenômeno está a síndrome de burnout, uma condição que extrapola o campo médico para revelar o esgotamento físico e psíquico provocado pelas atuais configurações do sistema produtivo.

A chamada “sociedade do adoecimento” vai além de uma crise de saúde individual. Ela escancara os efeitos estruturais do capitalismo sobre a subjetividade humana. Trata-se de um processo historicamente enraizado na divisão entre classes sociais, especialmente entre o proletariado e a burguesia, relação já denunciada por Friedrich Engels no século XIX. Para ele, o trabalhador era privado de tudo, dependente da burguesia até para sobreviver, num sistema de escravidão moderna legitimada pelo poder do Estado.

Engels descrevia uma classe operária submetida a jornadas extenuantes, precarização e ambientes insalubres, especialmente na Inglaterra industrial. O “assassinato social”, como denominava, era cotidiano: as máquinas aumentavam a produção e, ao mesmo tempo, ampliavam o desemprego, a miséria e o sofrimento físico e mental. O trabalho perdia seu sentido artesanal e se tornava uma atividade alienada, mecânica, desprovida de criatividade e autonomia.

Esses mesmos elementos, embora sob novas roupagens, persistem. A mecanização e, mais recentemente, a automação reconfiguraram o mercado de trabalho de forma brutal. O que se observa hoje é uma crescente flexibilização e precarização dos vínculos empregatícios, processo intensificado desde a década de 1980 com o avanço do neoliberalismo.

Esse novo regime de trabalho, embora prometa liberdade, impõe uma carga ainda mais pesada aos trabalhadores. As jornadas se tornaram mais longas, as exigências mais complexas e a insegurança mais presente. A socióloga Leny Sato destaca que a perda de controle sobre o processo de trabalho é um fator crítico no adoecimento dos trabalhadores, gerando desde doenças físicas até transtornos mentais e emocionais.

A Nova Divisão Internacional do Trabalho acentuou desigualdades entre países e setores produtivos. Trabalhadores inseridos em ambientes tecnologicamente mais avançados enfrentam pressões intensificadas por resultados, enquanto outros lidam com rotinas precárias e jornadas extensas. A lógica é clara: mais produtividade com menos garantias, menos direitos e mais exigências.

A introdução de sistemas informatizados e a valorização do desempenho intelectual, em detrimento da força física, tornaram o trabalho não apenas mais técnico, mas também emocionalmente desgastante. Em grandes corporações, a gestão da produção mediada por algoritmos e inteligência artificial criou um ambiente de monitoramento constante, onde o trabalhador é pressionado a atingir metas, reinventar-se e manter uma atitude positiva ininterruptamente.

Nesse ponto, o pensamento do filósofo Byung-Chul Han, especialmente em sua obra Sociedade do cansaço, é crucial para compreender o que está em jogo. Han argumenta que vivemos numa época em que a dominação deixou de ser imposta de fora para ser incorporada de dentro. O trabalhador acredita ser autônomo, mas tornou-se o seu próprio opressor. Explora a si mesmo em busca de performance, produtividade e superação permanente.

“O cansaço de esgotamento não é um cansaço da potência positiva. Ele nos incapacita de fazer qualquer coisa”, escreve Han. É um esgotamento que nasce do excesso de possibilidades, de estímulos, de metas. A liberdade vira armadilha e o trabalhador, consumido pelas próprias ambições, se vê paralisado. Não por falta de oportunidades, mas por ter sido engolido por elas.

Essas doenças não podem ser tratadas como problemas individuais. São sintomas sociais, coletivos e estruturais. São expressão de um modo de organização do trabalho que precisa ser urgentemente revisto. Como aponta a pesquisadora Vanessa Queiróz, a intensificação do modo de trabalho tem provocado danos significativos à saúde dos trabalhadores, ampliando a vulnerabilidade social e acentuando o sofrimento psíquico.

Discutir a síndrome de burnout, portanto, é discutir as bases do próprio modelo econômico que rege nossa sociedade. Não basta tratar os sintomas. É preciso repensar profundamente as condições de trabalho, as políticas de proteção social e a ideologia da produtividade a qualquer custo.

O adoecimento do trabalhador não é um desvio. É consequência direta de um sistema que valoriza mais os resultados do que as pessoas. Enquanto essa lógica prevalecer, seguiremos vivendo e morrendo sob o peso do desempenho.

Aline da Silva Prado é bacharela em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Pesquisa as relações entre trabalho, subjetividade e adoecimento psíquico, com foco na Síndrome de Burnout e nas transformações do mundo do trabalho contemporâneo. Atua na área jurídica com interesse em direitos sociais e justiça do trabalho.

DM TEM DEBATE

https://www.dmtemdebate.com.br/o-cansaco-como-sintoma-o-capitalismo-e-o-adoecimento-do-trabalhador/