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DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

A discussão sobre o tempo de trabalho — tema central desde as origens do capitalismo industrial — voltou ao centro do debate global. Mas, desta vez, o mundo parece seguir em direções opostas.
Enquanto na Europa líderes políticos como Sanna Marin, ex-primeira-ministra da Finlândia, defendem semanas de quatro dias e jornadas de seis horas, empresas de tecnologia nos Estados Unidos promovem o modelo “996” — trabalhar das 9h às 21h, seis dias por semana — como um símbolo de dedicação extrema e diferencial competitivo.

O contraste ilustra uma tensão profunda entre o avanço tecnológico, que prometia reduzir o esforço humano, e um mercado que insiste em intensificá-lo. Em um extremo, políticas de bem-estar e produtividade sustentável; no outro, o retorno da cultura do esgotamento travestida de meritocracia.

Pesquisas da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicam que jornadas longas não significam mais eficiência, mas aumento de doenças ocupacionais, ansiedade e queda de desempenho cognitivo. Em contraste, empresas que adotaram modelos de quatro dias de trabalho registraram até 25% de aumento de produtividade e melhora significativa no engajamento e na criatividade dos funcionários.

Estudos também revelam que a redução da jornada estimula o consumo e a economia local, ao liberar tempo para lazer, cultura e convivência familiar — áreas fortemente impactadas pelo excesso de trabalho.

Finlândia e o experimento social do século 21

Sanna Marin, líder social-democrata e uma das mais jovens a comandar um governo europeu, tornou-se símbolo dessa virada cultural. Ao propor uma semana de quatro dias com seis horas diárias de trabalho, Marin defendeu que a produtividade moderna não deve ser medida pelo tempo gasto, mas pela qualidade da entrega e pelo equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

“As pessoas merecem mais tempo com suas famílias e seus interesses pessoais. Esse pode ser o próximo passo da nossa vida profissional”, afirmou Marin.

A Finlândia já é reconhecida por políticas laborais progressistas. Desde 1996, a lei permite aos trabalhadores ajustar seus horários em até três horas, para mais ou para menos, conforme sua conveniência — um modelo de autonomia e confiança. Na Suécia, França e Alemanha, experiências semelhantes mostraram ganhos em bem-estar, eficiência e inovação. A Microsoft Japão, ao adotar quatro dias semanais de trabalho, registrou aumento de 40% na produtividade.

Esses exemplos indicam que reduzir horas não significa reduzir resultados — especialmente em sociedades que combinam tecnologia, educação e planejamento estatal.

A idolatria do trabalho nas startups

Do outro lado do planeta, a lógica se inverte. No Vale do Silício, jovens fundadores e investidores ressuscitaram a ideologia da “cultura do sacrifício” — jornadas de 70 a 80 horas semanais, trabalho contínuo e tempo livre visto como fraqueza. A filosofia “996”, proibida na China, reaparece em startups de inteligência artificial (IA) que competem para lançar produtos revolucionários antes dos rivais.

Empresas como Browser Use, Cognition e Mercor, em São Francisco, oferecem moradia e alimentação gratuita, mas exigem presença física quase ininterrupta. A dedicação total é vendida como virtude.

Outros executivos admitem que o ritmo extremo não é sustentável, mas argumentam que “quem construir primeiro em IA dominará o mercado”. A promessa do sucesso justifica o colapso do corpo e da mente.

Produtividade sem humanidade

Especialistas em comportamento organizacional veem nessa tendência uma contradição histórica.
O desenvolvimento tecnológico — da automação à IA — foi concebido para libertar as pessoas do excesso de trabalho, não para ampliar as jornadas. Mas, na prática, o que se observa é um paradoxo perverso: à medida que as máquinas se tornam mais eficientes, os humanos trabalham mais.

Pesquisas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que longas jornadas não aumentam a produtividade, mas reduzem a criatividade, o foco e a saúde mental. E o custo social é alto: burnout, isolamento e perda de propósito.

“O trabalho está deixando de ser meio de realização para se tornar instrumento de exaustão”, resume o sociólogo espanhol Antonio Casilli.

A experiência internacional: menos horas, mais resultados

Em países da Europa, da América Latina e até em economias asiáticas, cresce o movimento por reduzir as horas semanais sem perda salarial, apoiado por estudos que apontam ganhos de produtividade, saúde mental e equilíbrio social.

No Brasil, essa discussão ganha contornos próprios: a insatisfação com a escala 6×1, que obriga milhões de trabalhadores a laborar seis dias por semana com apenas um de descanso, se converteu em pauta de sindicatos e movimentos sociais. A reivindicação é por mais tempo livre e melhor qualidade de vida, em um cenário em que a tecnologia já permite produzir mais com menos tempo.

Nos últimos anos, diversos países têm testado modelos de jornada reduzida com resultados positivos.
A Islândia foi pioneira: entre 2015 e 2019, o país realizou um experimento com redução da carga semanal de 40 para 35 horas, sem redução salarial. O resultado foi considerado “um sucesso esmagador” — a produtividade se manteve ou aumentou em quase todos os setores.

Na Espanha, o governo anunciou um projeto-piloto financiado pelo Estado para apoiar empresas que reduzam a jornada para quatro dias. Na França, a jornada de 35 horas semanais, implementada desde 2000, ainda é referência em equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. E na Finlândia, a proposta de uma semana de quatro dias de seis horas diárias — defendida pela ex-primeira-ministra Sanna Marin — reacendeu o debate sobre bem-estar como indicador de desenvolvimento.

O caso brasileiro: resistência patronal e avanço da consciência coletiva

No Brasil, a escala 6×1 é hoje uma das maiores causas de adoecimento e desgaste físico, especialmente no comércio, supermercados, bancos e serviços terceirizados. Com jornadas que frequentemente ultrapassam 44 horas semanais, o país figura entre os com maior índice de estresse laboral da América Latina, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O movimento sindical, especialmente após a pandemia, tem pressionado por revisão das escalas e experimentos com jornadas reduzidas, argumentando que a produtividade não depende da exaustão, mas de melhores condições e organização.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu apostar no Projeto de Lei 67/2025, de autoria da deputada Daiana Santos (PCdoB-RS), como caminho político mais viável para reduzir a jornada de trabalho para 40 horas semanais e pôr fim à escala 6×1.

“O PL 67/2025 nasce do diálogo com trabalhadores e trabalhadoras que enfrentam diariamente o desgaste da escala 6×1. É a alternativa viável para acabar com esse abuso”, afirmou Daiana. “O governo federal reconheceu isso, e juntos vamos transformar essa conquista em realidade, garantindo saúde e dignidade para a população.”

Nos últimos anos, sindicatos têm firmado acordos coletivos que garantem dois dias consecutivos de folga, especialmente em empresas de serviços e call centers, mostrando que a pressão social começa a gerar resultados concretos.

Do bem-estar ao vício produtivo: o futuro em disputa

O contraste entre a Finlândia e o Vale do Silício revela uma disputa simbólica sobre o futuro do trabalho.
De um lado, países que apostam na redistribuição do tempo e no bem-estar como motor de inovação.
De outro, corporações que transformam a pressão em fetiche e o excesso em identidade.

O resultado é uma nova desigualdade global: não apenas de renda, mas de tempo — o recurso mais escasso do século 21.

Enquanto a Finlândia planeja um futuro com mais vida e menos expediente, a elite tecnológica ensaia o retorno à lógica do século 19, com jornadas brutais mascaradas por discursos de liberdade e paixão pelo que se faz.

VERMELHO

https://vermelho.org.br/2025/10/23/finlandia-encurta-jornadas-de-trabalho-enquanto-startups-dos-eua-ampliam-a-exaustao/