O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, preferiu ignorar o apelo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para o corte de juros, feito na véspera e decidiu, ontem, manter a taxa básica da economia (Selic) em 15% ao ano — maior patamar em quase 20 anos —, pela terceira reunião seguida.
A decisão era esperada pelo mercado e foi unânime entre os nove diretores da autoridade monetária, dos quais a maioria (sete) foram indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No comunicado divulgado após o término da reunião, o Banco Central manteve o tom duro contra a inflação (hawkish), como nas reuniões anteriores, tanto que deixou a janela aberta para aumento de juros ao manter o trecho da nota em que afirma que poderá retomar o ciclo de aperto monetário, se for necessário.
“O cenário atual, marcado por elevada incerteza, exige cautela na condução da política monetária. O Comitê avalia que a estratégia de manutenção do nível corrente da taxa de juros por período bastante prolongado é suficiente para assegurar a convergência da inflação à meta”, destacou o comunicado. “O Comitê enfatiza que seguirá vigilante, que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso julgue apropriado”, acrescentou a nota.
Com esse resultado, os juros básicos brasileiros, em termos reais (descontada a inflação), seguem na vice-liderança do ranking global, atrás apenas da Turquia, conforme levantamento da MoneYou e Lev Intelligence, que considera a inflação projetada para os próximos 12 meses. O juro real turco ficou em 17,80% ao ano e o brasileiro, em 9,74%. O terceiro lugar no pódio foi da Rússia, com taxa de 9,10% ao ano.
O Copom fez ajustes pequenos nas projeções para a inflação. Reduziu de 4,8% para 4,6% a previsão para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deste ano e manteve em 3,6% a estimativa para 2026. No horizonte relevante monitorado pela autoridade monetária, que passou do primeiro trimestre para o segundo trimestre de 2027, a estimativa foi revisada de 3,4% para 3,3%. Além disso, o BC destacou, no comunicado, que o ambiente externo “ainda se mantém incerto em função da conjuntura e da política econômica nos Estados Unidos, com reflexos nas condições financeiras globais”. E, em relação ao mercado doméstico, apesar de o crescimento da atividade econômica apresentar uma trajetória mais moderada, o Comitê destacou que “o mercado de trabalho ainda mostra dinamismo”, o que contribui para as pressões inflacionárias, especialmente no setor de serviços.
De acordo com analistas, o Banco Central manteve a essência dos comunicados anteriores e fez poucas mudanças no texto, confirmando que o Copom segue cauteloso na condução da política monetária, e, portanto, deverá demorar para iniciar o ciclo de queda de juros que é esperado pelo setor produtivo e pelo governo. Assim, conforme as projeções do mercado, a taxa Selic seguirá elevada no próximo ano e seguirá acima de dois dígitos até 2028.
“A decisão do Copom veio muito parecida com as anteriores. O BC manteve o mesmo tom relativamente duro, dando essa ideia de que, com esse comunicado, a Selic não cai neste ano, e só deverá começar a cair no início do ano que vem, porque o Copom tem que perseguir a manutenção da taxa de juros real elevada para a inflação convergir para o centro da meta, de 3%”, avaliou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, em entrevista ao Correio. Ele reconheceu que a economia está desacelerando, mas ainda vai levar um tempo, de fato, para ocorrer uma desaceleração mais efetiva na inflação e de serviços e no mercado de trabalho. Pelas estimativas de Vale, haverá espaço para o início da queda da taxa Selic no começo de 2026, mas os juros básicos não devem cair muito ao longo do ano, devendo encerrar dezembro em 13% anuais. “2026 é um ano eleitoral e como um ajuste, do ponto de vista fiscal, deverá ficar para o próximo governo, o BC vai ter um espaço menor para reduzir os juros, especialmente, porque a janela política será curta”, explicou.
Na avaliação de Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, o Copom “fez questão de manter o tom duro no comunicado, a despeito de reconhecer melhorias recentes no cenário”. “Podemos ver isso como ‘um copo meio cheio, ou um copo meio vazio’, mas o mercado deverá se ajustar para um ‘copo meio vazio'”, afirmou. Segundo Leal, no primeiro caso, a análise seria de que o BC não teria nada a ganhar ao baixar a guarda na comunicação em um momento em que está observando uma convergência das expectativas de inflação. Por outro lado, ao considerar o “copo meio vazio”, o Copom “fez questão de manter intacta a parte do comunicado que atrai maior atenção do mercado, como um recado de que não se deve animar muito com o cenário atual, porque ainda temos um bom caminho a percorrer antes de pensar em reduzir os juros.
O economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, considerou que, em linhas gerais, a decisão do Copom está alinhada o cenário-base projetado pela instituição, que prevê a Selic encerrando 2026 atingindo 12% ao ano, após seis cortes consecutivos de 0,50 ponto percentual a partir de março. “Em nossa visão, as próximas leituras de inflação e atividade deverão convencer o Copom de que a política monetária restritiva está surtindo efeito. Assim, em 2026, não será necessário manter o mesmo grau de aperto vigente em 2025”, afirmou . Contudo, Megale alertou que a política fiscal expansionista do governo e as incertezas globais “podem exercer pressões sobre a demanda doméstica, o deficit em conta corrente e a inflação ao longo de 2026, o que tende a limitar o espaço para o ciclo de corte de juros no próximo ano”.
O economista-chefe da ARX Investimentos, Gabriel Leal de Barros, considerou que o comunicado foi “bem escrito, com poucas mudanças e preservando o tom hawkish, pavimentando com luva de pelica o início do ciclo de corte”. E, por conta disso, manteve a previsão de queda de 0,25 ponto percentual na Selic em janeiro. “Após a divulgação da ata, podemos reavaliar, as ao preservar o tom duro do comunicado e manter a política monetária em patamar significativamente contracionista por período bastante prolongado”, bem como pela manutenção do trecho de que “os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso julgue apropriado”.
Críticas
Entidades do setor produtivo lamentaram a decisão do Copom. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) afirmou que os juros altos travam o Brasil. “A decisão do Copom de manter a Selic em 15% ao ano é mais um duro golpe na economia e na competitividade da indústria brasileira”, disse opresidente da CNI, Ricardo Alban, em nota. A Confederação Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), por sua vez, fez um alerta de que “o prolongamento da taxa básica de juros em patamar elevado ameaça frear investimentos na construção, comprometendo novos lançamentos imobiliários e a geração de empregos”.
“A construção é um dos setores mais sensíveis ao custo do crédito e à confiança do consumidor. Uma Selic de 15% por um ciclo longo traz desafios, porque o setor depende de financiamento de longo prazo, e esse custo torna muitos projetos inviáveis”, disse o presidente da CBIC, Renato Correia. No fim de outubro, a entidade revisou de 2,3% para 1,3% a projeção de crescimento do setor devido ao ciclo prolongado de juros altos.
A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) também criticou a decisão do BC, uma vez que considera que a manutenção da taxa Selic em 15% ao ano “mantém o ambiente econômico brasileiro sob forte restrição, com efeitos negativos sobre a indústria”. “Com a Selic elevada por mais tempo, as empresas terão mais dificuldade para financiar capital de giro e investir em novos projetos”, afirmou Flávio Roscoe, presidente da entidade.
CORREIO BRAZILIENSE
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