NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

OPINIÃO

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No último 10 de março foi publicada a Lei nº 14.311/2022 que modificou a Lei 14.151, de 12 de maio de 2021 no que tange ao retorno de obreiras grávidas às atividades presenciais. O presente artigo foca no inciso III do parágrafo 3º do artigo 1º da Lei 14.151, de 12 de maio de 2021, introduzido pela Lei nº 14.311/2022, que estabelece a possibilidade de retorno à atividade presencial da gestante não imunizada contra o SARS-CoV-2, caso essa exerça a opção pela não vacinação, desde que assine termo de responsabilidade.

Por meio da assinatura livremente consentida do termo de responsabilidade para exercício do trabalho presencial, a gestante trabalhadora compromete-se a cumprir todas as medidas preventivas adotadas pelo empregador. As medidas passíveis de adoção pelo empregador estão contidas na Portaria Interministerial MTP/MS nº 14, de 20 de janeiro de 2022, Entre elas, a “disponibilização de recursos para a higienização das mãos próximos aos locais de trabalho, incluído água, sabonete líquido, toalha de papel descartável e lixeira, cuja abertura não demande contato manual”. Cabendo ao empregador ainda a função de orientar seus empregados, tanto sobre a impossibilidade de se compartilhar toalhas e produtos de uso pessoal quanto sobre a etiqueta respiratória que, de acordo com a retromencionada Portaria, contempla a utilização de lenço descartável para higiene nasal, a cobertura do nariz e da boca ao espirrar ou tossir, além da higienização das mãos após tais atos.

No que tange ao conteúdo do termo de responsabilidade, a nova lei pouco versa a respeito. Aponta apenas que a assinatura desse termo pela gestante é “expressão do direito fundamental da liberdade de autodeterminação individual, e não poderá ser imposta à gestante que fizer a escolha pela não vacinação qualquer restrição de direitos em razão dela”, conforme parágrafo 7º do artigo 1º da Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021.

Na última semana, alguns leitores podem ter comemorado a publicação da nova lei, entendendo que ela trouxe necessária segurança jurídica para as relações laborais. Isto é parcialmente procedente, dado que a nova lei estabelece o afastamento da gestante, ainda não totalmente imunizada, do seu local de trabalho, sem prejuízo da sua remuneração. Existe permissão legal para alterações de suas funções laborais pelo empregador, desde que respeitadas as competências para o desempenho do trabalho e as condições pessoais da gestante, visando à adequação ao trabalho remoto, nos termos do caput do artigo 1º e parágrafos 1º e 2º da Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021, com alterações dadas pela Lei nº 14.311/2022.

Todavia, o inciso III do parágrafo 3º do artigo 1º da Lei 14.151, de 12 de maio de 2021, introduzido pela Lei nº 14.311/2022, lido em conjunto com o parágrafo 7º do artigo 1º da Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021 gera mais confusão do que segurança jurídica.

Primeiro, porque afronta decisão do Supremo Tribunal Federal que, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6.586 e 6.587 entendeu, nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso que a vacinação é importante para a proteção de toda a sociedade, não sendo legítimas escolhas individuais que afetem gravemente direitos de terceiros. Por isso, no caso específico do SARS-CoV-2, a segurança da coletividade em face dos riscos de contaminação se sobrepõe à vontade individual de não se vacinar, encontrando limite apenas na vacinação com uso da força, o que se proíbe. Logo é possível que, em breve, tanto o inciso III do parágrafo 3º do artigo 1º da Lei 14.151, de 12 de maio de 2021, introduzido pela Lei nº 14.311/2022 quanto o parágrafo 7º do artigo 1º da Lei nº 14.151/21, sejam suspensos liminarmente pelo Supremo Tribunal Federal, contribuindo para insegurança jurídica.

Segundo, porque não resta claro na lei o que ocorrerá caso a gestante, voluntariamente não vacinada, se contaminar em local de trabalho que não seguiu todas as diretrizes aplicáveis da Portaria Interministerial MTP/MS nº 14, de 20 de janeiro de 2022, desenvolvendo alguma sequela que lhe gere prejuízo funcional ou até incapacidade para o trabalho, ensejando o direito à aposentadoria por invalidez. Nesse caso, haverá responsabilidade do empregador? Ele deverá indenizar a empregada gestante não vacinada e contaminada? O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) poderá ajuizar ação de regresso contra o empregador em virtude da negligência da empresa em relação as normas de segurança e higiene do trabalho? Temos, portanto, mais um ponto de insegurança jurídica.

Terceiro, porque é direito do empregado ter reduzidos os riscos inerentes ao seu trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, competindo ao Sistema Único de Saúde (SUS) colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho, conforme incisos XXII do artigo 7º e VII do artigo 200, ambos da Constituição Federal. Logo, cabe ao empregador zelar pela redução desses riscos, assim como cabe ao SUS colaborar para a preservação dos ambientes laborais.

Consequentemente, resta perguntar se a presença de empregados não vacinados no ambiente laboral reduz os riscos de contaminação.  Por certo que não, dado que um estudo publicado no New England Journal of Medicine, no final de 2021, analisando o contágio da Covid entre vacinados e não vacinados, apontou que a vacina pode diminuir a transmissão em até 50%.  Assim claro está que há outro ponto de insegurança jurídica: ao permitir um trabalhador não vacinado no ambiente laboral, o empregador não está reduzindo os riscos laborais, o que contraria o inciso XXII do artigo 7º da Constituição Federal.

Nesse sentido, como bem mencionado pelo ministro Luis Roberto Barroso, ao julgar as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 898, 900, 901 e 905, é razoável entender que “a presença de empregados não vacinados no âmbito da empresa enseja ameaça para a saúde dos demais trabalhadores, risco de danos à segurança e à saúde do meio ambiente laboral”, podendo comprometer ainda a “saúde do público com o qual a empresa interage”.

Há ainda a questão do Fator Acidentário de Prevenção (FAP): caso a gestante não imunizada e contaminada espalhe o vírus pelo ambiente laboral, contaminando seus colegas de trabalho, gerando aposentadorias e benefícios decorrentes de acidente de trabalho para esses trabalhadores, em um contexto de enquadramento do Sars-CoV-2 como acidente de trabalho o FAP será majorado, obrigando o empresário a pagar maior alíquota, além de ter que investir em treinamento e contratação de novos trabalhadores para atuação no lugar dos afastados. No momento da elaboração deste artigo ainda não há uniformidade de posicionamento sobre o enquadramento ou não como acidente de trabalho do Sars-CoV-2.

Para além das questões laborais, há importante tema de saúde pública envolvido: pesquisa da The Lancet Digital Health, embasada nos prontuários médicos de mais de 18 mil gestantes testadas para Sars-CoV-2 no período de março de 2020 a fevereiro de 2021, mostrou que a infecção por Sars-CoV-2 durante a gestação majora o risco de parto prematuro e de óbito do bebê, além de ter apontado para risco majorado de complicações mesmo em casos leves e moderados da doença. Outra pesquisa, publicada pela JAMA Pediatrics, no final de 2021, aponta que o risco de uma mulher grávida falecer de Sars-CoV-2 é 22 vezes maior do que uma mulher grávida não contaminada.

Diante do exposto, resta concluir que tanto o inciso III do parágrafo 3º do artigo 1º da Lei 14.151, de 12 de maio de 2021, introduzido pela Lei nº 14.311/2022, quanto o parágrafo 7º do artigo 1º da Lei nº 14.151/21 trazem muito mais conflitos e dúvidas do que segurança jurídica.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

BRASIL. Lei nº 14.311, de 09 de março de 2022. Altera a Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021, para disciplinar o afastamento da empregada gestante, inclusive a doméstica, não imunizada contra o coronavírus SARS-Cov-2 das atividades de trabalho presencial quando a atividade laboral por ela exercida for incompatível com a sua realização em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, nos termos em que especifica. Disponível em: < https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.311-de-9-de-marco-de-2022-384725072>

HARRIS, Ross J. et al. Effect of vaccination on household transmission of SARS-CoV-2 in England. New England Journal of Medicine, v. 385, n. 8, p. 759-760, 2021.

PIEKOS, Samantha N. et al. The effect of maternal SARS-CoV-2 infection timing on birth outcomes: a retrospective multicentre cohort study. The Lancet Digital Health, 2022.

VILLAR, José et al. Maternal and neonatal morbidity and mortality among pregnant women with and without COVID-19 infection: the INTERCOVID multinational cohort study. JAMA pediatrics, v. 175, nº 8, p. 817-826, 2021.

 

 é pós-doutorando em Direito e Novas Tecnologias pelo Mediterranea International Center for Human Rights Research da Università “Mediterranea” di Reggio Calabria (Itália), doutor em Administração Pública e Governo (FGV/SP), mestre em Direito e Desenvolvimento (FGV/SP) e professor da Escola de Negócios e Seguros de São Paulo e da Ambra University.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-abr-01/dalton-cusciano-trabalho-gestantes-seguranca-ocupacional