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JUSTIÇA SOCIAL

Governo cortará benefício de quem rejeita vaga sem justificativa prevista.
Para juiz, trabalhador pode recusar por motivo ético ou religioso.

Advogados e juiz ouvidos pelo G1 dizem que o trabalhador que tiver o seguro-desemprego cancelado ao recusar novas vagas indicadas pelo governo pode entrar com ação trabalhista na Justiça. No entanto, eles afirmam que, se a oportunidade oferecida for equivalente à que ele exercia anteriormente, é melhor aceitar o novo emprego do que receber o seguro.

Ministério do Trabalho pretende aplicar com mais rigor a lei 7.998, de 1990, que diz que o trabalhador desempregado que rejeitar uma vaga vai perder o seguro se não justificar a recusa. Para isso, criou um sistema que que cruza dados de desempregados e vagas disponíveis que já vigora em 23 estados e no DF e deve englobar todo o país até 2012, com o objetivo de apontar uma oportunidade de emprego na hora em que o cidadão procura um posto de atendimento para pedir o seguro.

Se negar essa primeira oferta sem razão aceita pelo governo, o trabalhador tem o benefício cancelado. Caso não haja vaga disponível na hora, o seguro é liberado e o desempregado poderá ser convocado a voltar ao posto assim que surgir uma oportunidade. Se não comparecer a três chamados seguidos, vai deixar de receber o pagamento.

Quando cabe ação

Para o juiz do Trabalho Marcelo Segal, cabe ação judicial a partir do momento em que o seguro for negado, seja no requerimento ou se for cortado durante o recebimento das parcelas. “Não quer dizer que o trabalhador vai ter sucesso, o juiz vai analisar todos os aspectos, como a razão dele para não aceitar a vaga”, explica.

A advogada especialista em direito trabalhista e previdenciário do Centro de Orientação Fiscal (Cenofisco), Andreia Tassiane Antonacci, lembra a própria lei que rege o seguro-desemprego determina que a vaga oferecida deve ser condizente com a qualificação e a remuneração anterior. O diretor do Departamento de Emprego e Salário do Ministério do Trabalho, Rodolfo Torelly diz que o órgão considera se a vaga oferecida é da mesma Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) que aquela que o trabalhador tinha anteriormente.

“De fato o trabalhador não é obrigado a aceitar o emprego. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude de lei. Ainda que se argumente que existe lei nesse sentido, o inciso I do artigo 8º da Lei 7998/90 não tem o condão de obrigar o trabalhador a aceitar qualquer emprego”, diz o advogado trabalhista José Carlos Callegari.

“Um encanador não possui a qualificação necessária a exercer a função de motorista, por exemplo, mas o que se diria sobre um encanador que recusa uma vaga para servente de pedreiro? A qualificação para o exercício de uma profissão não pode ser considerado fator determinante para a escolha do emprego, ainda mais como obrigatoriedade da aceitação do trabalho”, afirma Callegari.

“O mesmo pode se dizer do salário. O que seria um salário condizente com a remuneração anterior? 100 reais a menos é condizente? Em um país que o salário mínimo é de R$ 545?”

Segundo Callegari, outro ponto pouco esclarecido é a questão da mobilidade. “Caso apenas os dois requisitos [qualificação e salário] sejam levados em conta pelo MTE, um trabalhador deve aceitar qualquer emprego que satisfaçam as condições, independentemente se o local de trabalho fique a 30, 40 ou 50 km de sua residência, por exemplo.”

Razões éticas, religiosas ou culturais

O juiz Segal aponta que o candidato também poderá brigar na Justiça se tiver o seguro cancelado ou suspenso ao não aceitar um emprego por questões de ética, religião e cultura, por exemplo, não previstas pelo governo. “Cabe ação em qualquer hipótese, tem que ver cada justificativa e analisar as particularidades dentro do bom senso e da razoabilidade. O trabalhador pode alegar também que o trabalho é longe de casa. Tem que analisar os argumentos”, diz.

Torelly, do Ministério do Trabalho, afirma que a região onde a pessoa mora é levada em conta na oferta da vaga. Segundo o governo, o trabalhador também poderá rejeitar a chance se estiver em um curso de qualificação profissional ou por motivo de doença. O próprio ministério recomenda que, se tiver o benefício negado ao recusar essa oportunidade de emprego, o profissional poderá recorrer a uma Delegacia Regional do Trabalho (DRT).

Medida é constitucional

Os especialistas consultados não encontraram ilegalidade na medida do Ministério do Trabalho. “Se existe uma vaga num primeiro momento, não haveria motivo para o trabalhador não aceitar a voltar a ter dinheiro com o seu próprio trabalho. Não seria legítimo ele se negar a ter o emprego”, diz Segal. “O auxílio não é para ele ficar um tempo sem trabalhar, mas dar recursos para ele sobreviver até conseguir o emprego”, alega.

“O Ministério do Trabalho não impõe restrições, ele apenas trabalha para que os desempregados encontrem uma nova oportunidade de emprego. A lei é clara e não nega o benefício ou o restringe a alguns trabalhadores, cumpridos os requisitos é concedido a todos. Logo, não há que se falar em inconstitucionalidade, embora haja entendimentos diverso”, afirma Andreia.

Callegari explica que a aplicação mais rigorosa por parte do governo dessa lei de 1990 “é uma regulamentação no âmbito administrativo de um dispositivo legal já há muito tempo vigente e que nunca lhe foi conferida eficácia.”