Dizem que havia um mendigo que ficava na avenida Atlântica, no Rio, em frente ao Copacabana Palace. Ele costumava abordar os turistas estrangeiros com a seguinte frase: “Laikar, nós laika. Mas money, que é good, nós num have”. Era o mais próximo que ele conseguia chegar da língua inglesa, para tentar explicar aos turistas que gostava de dinheiro, mas não tinha.
É bem provável que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso risse da história. Mas, talvez, ele não se compadecesse dela. A história revela alguns traços da personalidade brasileira. A primeira, essa imensa admiração tupiniquim que, nós brasileiros, demonstramos por qualquer brilhareco estrangeiro, especialmente norte-americano. A segunda, óbvia: nossa língua nativa é o português. E, num país com baixíssimo nível educacional, não se pode esperar que as pessoas comuns dominem uma língua estrangeira. Com o mendigo da história, Fernando Henrique partilha a primeira característica: também parece se deslumbrar por qualquer brilhareco estrangeiro. Sobre a segunda, ele faz como boa parte da nossa elite: vale-se do seu conhecimento da língua estrangeira para tripudiar de quem não conhece.
Neste nosso Brasil que se esforça para manter o mito da democracia racial, o que não faltam são apartheids. E o apartheid cultural é um deles. E uma das formas pelo qual ele se manifesta é a demonstração arrogante de alguns que fazem questão de mostrar que sabem falar inglês, ou outra língua estrangeira, para os que não sabem. Para entender a humilhação, peça a um motorista de táxi que ele mostre como anotou um pedido de corrida para o Business Towers ou para o Corporate Center, ou qualquer outro desses prédios com nome em inglês que se espalham pelas cidades.
Daí que parece inacreditável que, na discussão que o PSDB fez esta semana no Rio de Janeiro para traçar novas estratégias, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tenha sugerido que o partido adotasse para o seu futuro um slogan em inglês. Na discussão, FHC propôs a adoção do slogan “Yes, we care” (“Sim, nós cuidamos”), uma adaptação da palavra de ordem adotada por Barack Obama na sua campanha nos Estados Unidos, “Yes, we can” (“Sim, nós podemos”).
A intenção de Fernando Henrique era criar uma marca para demonstrar que o PSDB, ao contrário do que costuma dizer o PT, tem preocupações sociais. Daí, o “Yes, we care”. Daquela pesquisa que foi feita por Antônio Lavareda, um dos diagnósticos obtidos foi a constatação de que as pessoas, de fato, não enxergam nos tucanos ações relacionadas com a área social. Nem no governo Fernando Henrique. E uma das conclusões tiradas foi que isso seria, em parte, consequência da estratégia usada por Geraldo Alckmin e José Serra de esconder FHC nas suas campanhas à Presidência. Então, era preciso criar uma tática que reforçasse que coisas como o Bolsa-Escola foram adotadas no governo Fernando Henrique. Que o PSDB, na sua passagem pelo Executivo, “cuidava” ou se “preocupava”, outra possível tradução para “care”.
Agora, dizer que se preocupa com as pessoas mais pobres numa língua que as pessoas mais pobres não dominam? Onde é que Fernando Henrique Cardoso estava com a cabeça? Se o PSDB precisa, pelo diagnóstico feito, fugir da pecha de ser um partido elitista, como é que ele vai conseguir isso a partir de uma frase numa língua que não é a nativa do brasileiro e que só a elite domina? Se a crítica é que o PSDB só fala para os engravatados da Avenida Paulista, na sua primeira opção de estratégia, ele continuará falando somente para os engravatados da Avenida Paulista. E esses já não precisam ser convencidos: eles já preferem votar no PSDB, que há tempos reelegem em São Paulo.
Porque aqueles para os quais o slogan sugerido por Fernando Henrique deveria atingir, diante dele, vão continuar falando como o mendigo de Copacabana: “Olha, mister FHC, laikar nós laika, mas num have”.
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Sobre o autor
* É o editor-executivo do Congresso em Foco. Formado em Jornalismo pela Universidade de Brasília em 1986, atua como jornalista especializado em política desde 1987. Com passagens pelos principais jornais e revistas do país, foi editor de Política do jornal Correio Braziliense, editor-assistente da revista Veja e editor especial da revista IstoÉ, entre outras funções. Vencedor de quatro prêmios de jornalismo, incluindo o Prêmio Esso, em 2000, com equipe do Correio Braziliense, pela série de reportagens que resultou na cassação do senador Luiz Estevão.