Desaquecimento econômico vai ter impacto no mercado de trabalho e reduzir margem para negociações salariais.
A despeito do aumento de 14% do salário mínimo no início deste ano, os reajustes salariais podem ficar mais contidos e, pela primeira vez em cinco anos, crescer menos do que a produtividade em diversos setores da economia.
Se por um lado o ritmo de expansão do rendimento, uma das molas propulsoras da atividade econômica, vai perder força, por outro, arrefecerá uma vertente de pressão inflacionária que tanto preocupou os integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom) ao longo de 2010 e de 2011.
Segundo Márcio Salvato, coordenador de economia do Ibmec-MG, o enfraquecimento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e, por consequência, do brasileiro, inevitavelmente, terá impacto sobre o nível de emprego.
Não necessariamente por meio de demissões, mas havendo um recuo no número de contratações. Na indústria, exemplifica, o menor uso da capacidade instalada leva a uma menor necessidade de empregados.
“Com isso, inverte-se a situação e as empresas ganham mais força nas negociações salariais, podendo impedir que os reajustes sejam maiores do que o aumento da sua produtividade”, afirmou.
O coordenador ressalta que o aumento do salário mínimo vai pressionar algumas funções básicas de determinados setores que ainda estejam mais vigorosos.
Outros, porém, vão demandar menos e podem cortar as vagas cujos salários estão acima do que as empresas estão dispostas a pagar. Ele lembra que, até meados de 2011, o que se viu foi o movimento contrário.
Ou seja, as companhias precisando de cada vez mais empregados, porém, diante de mais um gargalo da economia brasileira: a falta de mão de obra qualificada. Como havia – e ainda há em alguns setores como o da construção civil – esse problema, a maioria dos reajustes pedidos foi sancionada.
“Em ciclos de maior dificuldade econômica, naturalmente, há uma alteração para maiores ganhos de produtividade, pois os custos são menores.”
Dados do Banco Central mostram que a diferença média entre as taxas de crescimento acumuladas dos salários reais e da produtividade oscilou entre 4,6 pontos percentuais (p.p.) e 5,9 p.p. entre o terceiro trimestre de 2009 e o segundo trimestre de 2010.
Mas do final do ano passado até agora, esse espaço ficou maior, atingindo 10,4 pontos.
Nesse período, segundo o BC, a indústria de alimentos e bebidas concedeu reajuste salarial real (descontada a inflação) 1,7 ponto acima do que o crescimento da sua produtividade. No setor químico, esse aumento foi 14,5 p.p. acima entre 2008 e 2009, recuando a partir daí.
O maior problema encontrado foi no setor de serviços gerais onde os rendimentos em alta expressiva não estão acompanhados por ganhos de produção.
Samy Dama, professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que o aumento dos salários descasados da produção injeta mais dinheiro na economia do que a oferta de bens ou serviços, sancionando uma espiral inflacionária.
“Isso faz com que haja mais gente disposta a pagar mais, o mercado percebe isso e eleva os preços.”
Diante de um cenário que projeta a economia menos aquecida no ano que vem, Dama espera estabilização dos salários e um alívio para o gargalo de mão de obra. Mas alerta: “o problema da qualificação arrefece, mas assim que o país retomar a trajetória de crescimento maior, volta a aparecer uma vez que o processo de qualificação é de médio e longo prazo.”