Com as famílias da classe média vendo subtraído o rendimento que lhes permitia funcionar como atenuante ao desemprego juvenil, a tensão social ameaça aprofundar-se rapidamente, antevê a socióloga Natália Alves, ouvida pelo Público. “Há uma tensão geracional latente nos jovens que não conseguem entrar no mercado de trabalho, achando em alguns casos que até têm mais competências e mais qualificações do que os da geração mais velha que lá estão. Essa tensão já se sente. Outra tensão é que os jovens que em Portugal viviam num sistema de ‘welfare family’ [estado de providência familiar] vão deixar de o poder fazer, porque, com a contração imensa dos seus rendimentos, as famílias da classe média não vão poder continuar atenuando o desemprego dos filhos”.
“A classe média”, acrescenta Elísio Estanque, do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, também ouvido pelo mesmo jornal, “estava sendo fabricada muito a partir desse volumoso investimento na educação que criou expectativas relativamente às oportunidades que a sociedade haveria de oferecer. Ora esta expectativa redundou numa enorme frustração. E, perante este deitar fora do futuro, os investimentos dos jovens estão sendo redirecionados no sentido do protesto e da indignação”, analisa o sociólogo, para concluir que, “se não houver uma mudança de paradigma, vai aumentar a pressão social e a canalização do descontentamento para o protesto”.
No cenário da Europa são muito poucos os países em que o desemprego jovem fica abaixo dos dois dígitos. “No atual contexto, essa ideia de que a emigração é a solução para os nossos jovens qualificados é uma falácia. Não é como foi para os emigrantes dos anos 1960 em que a Europa estava em fase de crescimento. Hoje, a Dinamarca tem 14,9% de desemprego juvenil e a Bélgica 21,1%. Excetuando a Holanda, a Áustria e a Alemanha, todos os países se debatem com o mesmo problema”, sublinha Natália Alves.
A precariedade sente-se no trabalho e na vida
Longe de se circunscrever à questão trabalhista, a precariedade corresponde a um modo de vida para milhares de jovens. A ideia, já há muito veiculada pelos movimentos de precários, está contida no livro “Jovens em Transições Precárias – Trabalho, Precariedade e Futuro”, que chega agora às livrarias e que resulta de um estudo coordenado pelo investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia Nuno de Almeida Alves, junto de 80 jovens trabalhadores inseridos em trabalhos pouco qualificados e de baixa remuneração de Lisboa, Setúbal, Porto e Guimarães.
O estudo destaca os jovens licenciados que, amarrados a trabalhos incertos e mal remunerados, mediatizaram as suas reivindicações por via de movimentos como os Fartos d’Estes Recibos Verdes e os Precários Inflexíveis. Este é um aspeto que distingue os entrevistados, com idades entre os 18 e os 34 anos: trata-se do “menor grau de percepção da precariedade em que se encontram, embora sintam todos os problemas que lhe estão associados”, sublinha Nuno de Almeida Alves.
Quanto ao resto, não há muitas diferenças a assinalar. “A precariedade transformou- se num modo de vida que se caracteriza por viver num estado limite quase permanente, por viver todos os dias com a noção de que, a qualquer momento, algo pode correr mal”. Este sociólogo defende que o Estado tem de “contribuir ativamente para a regularização contratual destes jovens”, sob pena de estar condenando o desenvolvimento do país. “A falta de previsibilidade do futuro — coisa que há uns anos estava adquirida — impede estes jovens de darem passos em frente: de avançarem para a autonomia residencial, de gerarem um agregado familiar próprio…”.