NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Luciano Barros e Bruna Sandim

A ausência de nova CCT nas licitações gera insegurança jurídica. A última convenção, mesmo expirada, deve ser parâmetro válido para garantir propostas viáveis.

Nas contratações públicas em que há demanda por mão de obra  de trabalhadores celetistas, os licitantes se apoiam nas normas coletivas de trabalho – em especial na CCT – Convenção Coletiva de Trabalho1 – para elaborar suas propostas, uma vez que constituem fonte normativa que disciplina salários, benefícios e outras condições laborais que devem ser observadas pelos empregadores/tomadores de serviços.

Entretanto, com a desclassificação de empresas em certames licitatórios, a exemplo dos pregões eletrônicos 90011/24 e mais recente o de 90001/05 – ambos realizados pelo IPHAN -, deflagrou-se problemática que preocupa tanto o setor público quanto os agentes privados consubstanciada na ausência de nova CCT em vigor no momento do processo licitatório, situação que se verifica quando o sindicato laboral deixa expirar a vigência do instrumento coletivo anterior sem que novo acordo seja firmado, especialmente sob a sistemática de que o enquadramento sindical se dá com base na atividade econômica preponderante da empresa2.

Tal lacuna tem gerado questionamentos quanto à validade das propostas baseadas em convenções já expiradas e, infelizmente, conduzindo à desclassificação de licitantes por suposta “desatualização de custos”.

Esse entendimento, no entanto, merece crítica sob a ótica do direito administrativo e dos princípios que regem as licitações públicas. Isso pois a licitação, além de garantir a seleção da proposta mais vantajosa à, cumpre função regulatória, atuando como instrumento de fomento à concorrência e à eficiência na contratação. Essa vantagem, porém, não se limita a aspectos puramente econômicos. A avaliação da proposta mais vantajosa deve considerar elementos objetivos e verificáveis, como é o caso da CCT – mesmo que formalmente expirada.

É justamente aqui que reside o ponto de tensão! Quando inexiste norma coletiva vigente, qual parâmetro seria mais adequado à realidade da empresa do que a última CCT celebrada?

Ignorar completamente esse documento implica distorcer a lógica da construção da planilha de custos e exigir do licitante o impossível – prática que fere princípios fundamentais como impessoalidade, eficiência e eficácia, razoabilidade, proporcionalidade, formalismo moderado e o próprio interesse público, todos expressamente previstos na lei de licitações.

Dentro desse contexto, de fato, o STF, na ADPF 323, afastou a chamada ultratividade das normas coletivas no âmbito das relações privadas de trabalho. Entretanto, a transposição automática dessa vedação ao campo do direito público – em especial ao processo licitatório – é equivocada e ignora as especificidades do regime jurídico-administrativo.

No ambiente da licitação pública, o uso da CCT expirada não tem por finalidade a prorrogação de direitos trabalhistas, mas, sim, a utilização de um parâmetro técnico objetivo para formulação da proposta de preços. Trata-se, pois, de um uso instrumental e temporário, enquanto não firmado novo acordo, que se justifica por razões alheias ao controle da licitante, visando à segurança jurídica, à viabilidade prática e ao interesse público primário.

Ao impedir que empresas utilizem a última CCT como base para suas propostas, cria-se uma barreira artificial à participação no certame, restringindo a competitividade em prejuízo da Administração.

Além disso, promove-se tratamento discriminatório entre empresas submetidas a sindicatos diligentes (com CCTs vigentes) e aquelas vinculadas a sindicatos inertes (sem novo acordo), ferindo os princípios da isonomia e da impessoalidade, ambos pilares constitucionais do processo licitatório (art. 37, caput e inciso XXI, da CF).

Sob a ótica da economicidade – e a disposição contida no art. 18, § 1º, inciso IX, da lei 14.133/21 -, a exclusão de propostas por falta de nova CCT pode levar à rejeição da melhor proposta para o erário, em nome de um formalismo excessivo e descolado da realidade do mercado.

Diante desse cenário, é plenamente viável – e juridicamente recomendável – que o edital permita a utilização da última CCT, desde que o licitante apresente declaração de compromisso de ajuste da proposta, caso nova convenção venha a ser firmada durante a execução contratual.

Tal solução harmoniza os princípios do direito administrativo e do direito do trabalho, conferindo segurança jurídica à contratação e garantindo que a Administração não seja privada da melhor proposta por motivos alheios à conduta do licitante.

Adicionalmente, entende-se que o edital pode prever matriz de alocação de riscos, nos termos do art. 22 da lei 14.133/21, permitindo ao contratante e ao contratado partilhar responsabilidades diante da superveniência de nova norma coletiva, com eventual reequilíbrio contratual, conforme o risco alocado previamente.

Nesse contexto, a ausência de nova convenção coletiva não pode servir de justificativa para a desclassificação de propostas ou para a exclusão de licitantes legalmente capacitados a oferecer a prestação do objeto do certame.

A última CCT firmada, ainda que formalmente expirada, constitui o único parâmetro razoável e objetivo para formulação da proposta de custos na contratação de mão de obra, e deve ser aceita para esse fim.

Essa interpretação assegura tanto a razoabilidade na exigência de documentos e parâmetros reais; a isonomia entre os licitantes, afastando discriminações indevidas; a competitividade, ao ampliar o universo de participantes; a economicidade, ao permitir que a proposta mais vantajosa não seja desclassificada injustamente; bem como a segurança jurídica, ao adotar critério objetivo em contexto de incerteza normativa.

Portanto, a adequada compreensão das implicações da CCT expirada exige uma interpretação sistêmica, voltada à concretização dos princípios e objetivos da lei 14.133/21. O interesse público não pode ser sacrificado diante de uma leitura mecanicista e descontextualizada das normas coletivas.

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1 Acordo este de caráter normativo, pelo qual, conforme disciplina do art. 611 da CLT dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho

2 Acordão 1097/19, Plenário, ministro Relator Bruno Dantas, Data do Julgamento 15/5/2019.

Luciano Barros
Advogado em Direito Público e sócio do escritório Figueiredo & Velloso Advogados Associados.
Figueiredo & Velloso Advogados Associados

Bruna Sandim
Advogada em Direito Público do escritório Figueiredo & Velloso Advogados Associados.
Figueiredo & Velloso Advogados Associados

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/439122/convencao-coletiva-expirada-e-reflexos-na-licitacao-de-mao-de-obra