No início deste mês de novembro, a Câmara dos Deputados aprovou o substitutivo ao Projeto de Lei nº 3.935-C sobre o direito à licença-paternidade. Encaminhado ao Senado para nova votação, este PL representa um contido avanço na divisão do trabalho doméstico e igualdade de gênero.
Historicamente, as primeiras garantias legais para os pais no Brasil eram bastante limitadas, já que a CLT, em seu texto original não previa uma licença, mas apenas uma falta justificada. O pai tinha o direito de se ausentar do trabalho por um dia, na semana do nascimento do filho, sem prejuízo do salário.
Art. 473 da CLT – O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário: (…)
III – por 1 (um) dia, em caso de nascimento de filho, no decorrer da primeira semana;
A tímida previsão tratava a questão como uma justificativa que permitia ao pai faltar ao serviço para registrar o próprio(a) filho(a).
A promulgação da Constituição, em 1988, elevou o dia de folga a um direito fundamental do trabalhador, estabelecendo, em seu artigo 7º, inciso XIX, que a licença-paternidade seria fixada em lei. Em seguida, o artigo 10, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) definiu que essa licença seria de cinco dias, sem prejuízo do emprego e do salário.
Apesar do avanço, a licença-paternidade prevista pelo ADCT, não garantia ao pai a possibilidade efetiva de participar plenamente dos primeiros dias de vida da criança, refletindo uma visão conservadora e machista de que a responsabilidade pelos cuidados do recém-nascido recaía exclusivamente sobre a mãe.
Em 2008, a Lei nº 11.770, que criou o Programa Empresa Cidadã, limitou-se a prever a possibilidade de prorrogação da licença-maternidade de 120 para 180 dias. Foi apenas em 2016, que finalmente, a promulgação da Lei nº 13.257, permitiu a possibilidade da prorrogação da licença-paternidade de 5 para 20 dias.
Mesmo assim, o referido direito sempre foi garantido a pouquíssimos trabalhadores. A título de exemplo, segundo pesquisa realizada pela Andi Comunicação e Direitos, divulgada no final de 2021, apenas 1% das empresas do estado de São Paulo, participavam do programa federal de licença-maternidade estendida. Por outro lado, não há um número publicamente disponível sobre o total de pais beneficiados pela prorrogação da licença paternidade.
A decisão provocou uma discussão sobre licença-paternidade no Brasil. Mas, o resultado, quando comparado a modelos internacionais de licença parental, ficou muito aquém do desejado. Países como Portugal, França e Itália já implementaram legislações que garantem licenças parentais estendidas, flexíveis e compartilhadas entre os genitores. A maioria deles ainda concede períodos maiores às mães, mas, já existem aqueles que oferecem o direito de forma igualitária para pais e mães, como é o caso da Suécia, Islândia, Austrália e Nova Zelândia.
Nesse contexto, a redação final do Projeto de Lei nº 3.935-C de 2008 surge como uma pequena evolução, que prevê o aumento do período de licença-paternidade de 5 para 20 dias, de forma progressiva.
Conforme o artigo 12 do PL 3.935/2008, a licença-paternidade terá duração de dez dias, do primeiro ao segundo ano de vigência; de 15 dias, do segundo ao terceiro ano de vigência; e de 20 dias, somente a partir do quarto ano de vigência.
Essa progressão demonstra um planejamento para a transição, embora a duração total a ser implementada no quarto ano esteja condicionada ao cumprimento da meta fiscal, conforme estabelece o § 1º do artigo 12 do PL.
É importante observar que, segundo o projeto, o direito à licença-paternidade depende de sua comunicação pelo empregado ao empregador, com antecedência mínima de 30 dias do período, para permitir a gestão da escala de trabalho. Além disso, a comunicação deve ser acompanhada de atestado médico que indique a data provável do parto, ou no caso de adoção, de certidão emitida pela Vara da Infância e Juventude.
Como a licença-paternidade objetiva a participação do pai na vida do recém-nascido, durante o período de afastamento, o empregado não poderá exercer qualquer atividade remunerada e deverá participar, de forma efetiva, dos cuidados e da convivência com a criança (§ 1º do artigo 2º do PL).
Esta medida reforça o propósito do benefício, que é promover o vínculo e apoiar a família, e não servir como um período de descanso ou de oportunidade para a obtenção de outras fontes de renda.
Merece destaque, o ponto que diz respeito à vinculação da licença-paternidade à conduta do pai, previsto no § 3º do artigo 2º, segundo o qual:
A licença-paternidade poderá ser suspensa ou indeferida, nos termos do regulamento, quando houver elementos concretos que indiquem a prática, pelo pai, de violência doméstica ou familiar ou de abandono material em relação à criança ou ao adolescente sob sua responsabilidade.
Esta é uma salvaguarda importante que visa proteger a criança e a mulher em situação de vulnerabilidade, demonstrando que o direito à licença não é absoluto e está condicionado ao cumprimento de deveres parentais básicos e à ausência de condutas prejudiciais.
Outra questão importante se refere à criação do salário-paternidade no âmbito da Previdência Social. Aliás, é exatamente por este motivo, que o projeto prevê a concessão integral da licença apenas após o quarto ano de vigência. Atualmente, os cinco dias de licença-paternidade são pagos diretamente pela empresa. Com a ampliação do período, o Projeto de Lei nº 3.935-C prevê que os valores pagos pela empresa poderão ser compensados por ocasião do recolhimento das contribuições previdenciárias.
Além disso, o direito à proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa foi estendido ao pai, nos termos do artigo 5º do PL 3935/2008:
É vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa do empregado no período entre o início do gozo da licença-paternidade até o prazo de 1 (um) mês após o término da licença.
Tal previsão não se trata de uma verdadeira estabilidade como a garantida à mulher gestante (desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto), mas permite que o pai possa exercer seu direito, sem o temor de perder o emprego, pelo menos, durante este curto período.
Por fim, concluímos que apesar de pequenos avanços, a legislação ainda está longe de garantir uma maneira de mitigar a sobrecarga de trabalho com o cuidado familiar imposta historicamente à mulher.
De qualquer forma, este PL permite a ampliação de um benefício e uma ferramenta que pode propiciar o início de uma transformação social, tão desejada para um futuro de maior igualdade, responsabilidade compartilhada e fortalecimento dos laços familiares no Brasil.
- Fabíola Marquesé advogada, professora da PUC na graduação e pós-graduação e sócia do escritório Abud e Marques Sociedade de Advogadas.
CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-nov-14/a-dificil-e-demorada-evolucao-dos-direitos-parentais-e-a-nova-proposta-de-licenca-paternidade/
