NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Jorge Luis Borges, em seu conto O Jardim de Caminhos que se Bifurcam, imagina um universo em que todos os tempos possíveis coexistem, criando infinitas realidades paralelas que se desdobram conforme diferentes escolhas são feitas. No conto, cada decisão não apenas determina um futuro, mas também reescreve o passado, tornando a realidade algo fluido e incerto. Ainda que Borges tenha concebido essa ideia como um exercício literário, a Justiça do Trabalho, em certas decisões, parece adotá-la como método de julgamento. A diferença, porém, é que, no mundo jurídico, a realidade não pode ser reescrita a posteriori sem que isso viole princípios fundamentais como previsibilidade e segurança jurídica.

Ocorre que, em alguns casos, juízes impõem aos empregadores uma lógica borgeana e contraditória: exigem que tenham cumprido, no passado, obrigações que apenas se tornaram juridicamente relevantes no futuro. Decisões que invalidam pedidos de demissão de gestantes pela ausência de assistência sindical, mesmo quando a gravidez era desconhecida, ou que anulam acordos de compensação de jornada a partir do reconhecimento tardio da insalubridade, seguem essa linha de pensamento. Elas criam um cenário em que a Justiça não apenas julga fatos, mas os reinventa à luz de elementos que não existiam no momento da conduta questionada.

Se o Direito for conduzido dessa maneira, os empregadores não estarão mais sujeitos a regras jurídicas claras, mas sim a uma forma de arbitrariedade em que suas ações passadas serão interpretadas com base em realidades futuras que sequer poderiam ser antecipadas. Isso não é apenas irracional; é profundamente injusto.

A Justiça do Trabalho, em sua missão de equilibrar as relações entre empregadores e empregados, muitas vezes envereda por caminhos que desafiam não apenas a lógica jurídica, mas também a noção básica de previsibilidade e segurança nas relações laborais.

Dois exemplos ilustram de forma emblemática essa tendência preocupante: (1) a anulação retroativa de pedidos de demissão de gestantes sob a justificativa da ausência de assistência sindical e (2) a invalidação de acordos de compensação ou prorrogação de jornada a partir do reconhecimento tardio da insalubridade da atividade.

Ambas as situações demonstram um fenômeno cada vez mais comum nas decisões trabalhistas: a aplicação de uma espécie de futurologia judicial, em que o empregador é cobrado por não ter agido com base em fatos que sequer eram conhecidos no momento da decisão empresarial.

Paradoxo do pedido de demissão da gestante

O artigo 500 da CLT exige que um pedido de demissão seja assistido pelo sindicato quando o contrato tiver mais de um ano de duração. O propósito dessa exigência é claro: garantir que o trabalhador não seja coagido a pedir demissão em prejuízo de seus direitos. No entanto, algumas decisões judiciais têm levado essa norma a uma aplicação absurda quando se trata de gestantes.

Não é raro encontrar julgados que invalidam pedidos de demissão de empregadas gestantes simplesmente porque não houve assistência sindical, mesmo quando:

– O pedido de demissão foi voluntário e legítimo.
– Nem a empregada nem a empresa tinham conhecimento da gravidez no momento da rescisão.

Essa interpretação leva à seguinte contradição lógica: a empresa deveria ter providenciado a assistência sindical para validar um pedido de demissão sem sequer saber que a empregada estava grávida. Em outras palavras, exige-se que o empregador tenha adotado uma conduta no passado com base em um fato que apenas se tornaria conhecido no futuro.

Essa postura decisória lembra o enredo de Minority Report de Spielberg. No clássico do cinema, policiais previam crimes antes mesmo de serem cometidos e puniam seus autores antes que tivessem qualquer intenção de agir.

No mundo jurídico, esse tipo de ficção não pode ter lugar: o Direito não pode impor ao empregador a obrigação de agir com base em uma realidade desconhecida à época da tomada de decisão. Isso viola frontalmente o princípio da segurança jurídica e gera um cenário em que o passado é reinterpretado à luz de fatos supervenientes, sem qualquer razoabilidade.

Retroatividade indevida na compensação de jornada e efeito ‘prediletivo’

O segundo ponto de crítica refere-se à invalidade de acordos de prorrogação ou compensação de jornada quando, posteriormente, em uma reclamação trabalhista, se reconhece que a atividade era insalubre e, por isso, a empresa deveria ter solicitado autorização prévia do Ministério do Trabalho, conforme o artigo 60 da CLT.

Esse tipo de decisão padece do mesmo vício da anterior: retroativamente, impõe ao empregador a obrigação de ter cumprido um requisito formal que, no momento da pactuação do acordo, não se aplicava à sua realidade. Se o próprio empregador não entendia que a atividade era insalubre – e, de fato, continua não entendendo, tanto contestando, impugnando laudos e recorrendo de decisões –, como poderia ter solicitado uma autorização para algo que sequer era considerado necessário à época?

A legislação é expressa ao afirmar que a ausência de requisitos formais para a compensação de jornada não implica a repetição do pagamento das horas extras, salvo se ultrapassada a jornada semanal máxima. No entanto, decisões têm imposto um pagamento integral, desconsiderando a previsão expressa da CLT.

A lógica aplicada nesse tipo de julgamento é similar à da reversão de justa causa com imposição da multa do artigo 477 da CLT. Se a empresa dispensou um empregado por justa causa e pagou todas as verbas rescisórias cabíveis, não pode ser condenada a pagar uma multa simplesmente porque, anos depois, uma decisão judicial alterou o enquadramento da dispensa.

O que se exige nesses casos é que os empregadores tivessem sido “prediletivos”, antecipando decisões futuras da Justiça do Trabalho e tomando medidas que, na época, não tinham qualquer respaldo jurídico.

Conclusão: Minority Report e o futuro que condena o passado

A lógica da Justiça do Trabalho, em muitas decisões, tem caminhado na contramão do próprio Direito. O que se observa é uma insistência em impor aos empregadores uma responsabilidade retroativa, baseada em fatos que, à época da tomada de decisão, eram desconhecidos ou sequer se configuravam juridicamente.

A previsibilidade é um elemento essencial para a segurança das relações jurídicas.

Assim, quando decisões judiciais impõem obrigações retroativas, sem que houvesse qualquer possibilidade razoável de o empregador conhecê-las ou antevê-las, rompe-se com um dos pilares fundamentais do Estado de Direito: a vedação da responsabilização por fatos imprevisíveis.

Se essa lógica for levada às últimas consequências, a Justiça do Trabalho se tornará um tribunal da ficção, em que empregadores serão punidos não por suas condutas reais, mas por sua incapacidade de prever o futuro.

Esse caminho não apenas é injusto, mas também gera um ambiente de total insegurança para aqueles que empregam e sustentam a economia. É hora de abandonar a futurologia judicial e retomar o compromisso com a racionalidade das decisões.

Decidir com base no passado é Direito. Decidir o passado com base no futuro é ficção. A Justiça do Trabalho tem imposto condenações que exigem dos empregadores algo impossível: prever fatos desconhecidos e agir como se já soubessem o desfecho de eventos futuros. Da invalidade retroativa do pedido de demissão de gestantes ao reconhecimento tardio de insalubridade para anular acordos de jornada, essa lógica absurda compromete a segurança jurídica e transforma o Direito em um exercício de adivinhação.