NOVA CENTRAL SINDICAL
DE TRABALHADORES
DO ESTADO DO PARANÁ

UNICIDADE
DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

OPINIÃO

Por 

 

A nova realidade imposta pela pandemia da Covid-19 trouxe diversas alterações no dia a dia das pessoas e, consequentemente, nas relações de trabalho. Se antes era impossível pensar em trabalhar em outra cidade, ou quiçá, em outro país, sem que essa alteração implicasse em uma mudança no domicílio do empregado, atualmente a realidade é outra.

A pandemia mostrou que o teletrabalho, ou seja, o trabalho realizado primordialmente fora das dependências do empregador, sem controle de jornada, não só deu certo como veio para ficar.

Soma-se a tal fato o alto nível de desemprego causado pela pandemia vis-à-vis a crescente necessidade de profissionais qualificados em determinada função. A realidade atual é que cada vez mais os profissionais têm sido contratados para trabalhar em uma empresa no exterior, sem que isso implique em mudança de endereço.

Mas a possibilidade de a empresa situada em qualquer lugar do mundo poder contratar empregados em outros países que não aqueles em que atue trouxe também algumas questões para o Direito do Trabalho.

Atualmente, não é incomum que uma empresa estabelecida em São Paulo contrate um empregado que resida em Porto Alegre, sem que essa contratação implique na mudança de residência do empregado para a capital paulista. Mas, diante dessa situação, questiona-se: caso esse empregado pretenda ajuizar uma ação em face do seu empregador, qual seria a jurisdição da Justiça do Trabalho competente: São Paulo ou Porto Alegre?

Essa dúvida surge diante do disposto no artigo 651 [1] da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que prevê que a competência da vara do trabalho será aquela do local em que houve a prestação de serviços.

Questiona-se: um contrato celebrado de forma online, estando o empregado em cidade diversa do empregador, tem de observar a regra do artigo 651 da CLT ou essa regra poderá ser flexibilidade diante dessa nova situação?

O Tribunal Superior do Trabalho, ao analisar situação semelhante à acima descrita, entendeu que a competência para julgamento da ação trabalhista seria o local onde o empregado fora contratado, que nesse exemplo seria o local do domicílio do empregado, sob pena de inviabilizar o acesso à Justiça.

De acordo com o relator da decisão, ministro Evandro Valadão, a amplitude territorial do país, os novos meios de comunicação, a facilidade de trânsito e de acesso a pessoas e lugares e, também, a elevada taxa de desemprego, pessoas passaram a se deslocar entre cidades e estados à procura de emprego e empresas passaram a contratar, operar e se estabelecer em lugares distintos. E continua: “O Direito tem o dever de acompanhar a modernização do modo de vida, decorrente da tecnologia, onde relações de trabalho são forjadas de maneira virtual, sem que sequer o empregador reconheça a fisionomia do empregado. o que demonstra que o foco da era moderna vem ganhando um redimensionamento, no qual se observa que a pessoalidade vem cedendo espaço para o objeto do contrato. A realidade das relações interpessoais vem se transformando e tudo isso aliado à tecnologia e às inovações disruptivas” [2].

Se a contratação nesses termos já é controvertida no que se refere à jurisdição, imagina quando se trata de contratação online de empregado residente no Brasil por empresa estrangeira. A questão é ainda mais delicada.

Nesse caso, a regra do local da prestação de serviços tende a ser ainda mais flexibilizada. A análise fria da questão, conjugada com o artigo 651 da CLT, poderia levar ao entendimento de que não se aplicaria a jurisdição brasileira, já que a prestação de serviços se deu, ainda que virtualmente, no exterior. Ou, ao contrário, que as regras do teletrabalho se aplicariam ao contrato de trabalho firmado, mesmo que por empregador estrangeiro.

Para analisar qual seria a jurisdição competente, inúmeros são os fatores que concorrem para sua definição: a forma de contratação (se pela empresa estrangeira ou pela empresa intermediadora de mão de obra), a forma de pagamento, a pactuação feita pelas partes no contrato e a possibilidade de fraude aos direitos trabalhistas.

A jurisprudência nesses casos ainda é bastante controvertida. Há muita discussão jurídica envolvendo esse tipo de contratação, sendo cada vez mais necessário analisar individualmente o contrato de trabalho antes de ser celebrado para evitar riscos futuros de ajuizamento de ações trabalhistas pleiteando aplicação da jurisdição trabalhista brasileira e concessão dos direitos trabalhistas decorrentes do contrato de trabalho celebrado.


[1] “Artigo 651, CLT – A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento e determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamada, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro”.

[2] Trecho extraído do acórdão proferido no Julgamento do Conflito de Competência CCCiv-232-81.2019.5.21.0019, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, julgamento: 15/12/2020, publicação no DJE 18/12/2020.

 

 é advogada da área trabalhista do BMA – Barbosa, Müssnich, Aragão.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2021-nov-18/albernaz-jurisdicao-trabalhista-contratacao-teletrabalho