OPINIÃO
O dano moral pode ser traduzido como dano físico ou psicológico causado injustamente a uma pessoa em que não é possível quantificar o valor do prejuízo sofrido, pois possui um caráter subjetivo.
A indenização por dano moral está prevista na Constituição Federal, em seu artigo 5º, como sendo um direito e uma garantia fundamental.
Na esfera do Direito do Trabalho, é plenamente possível que nas relações de trabalho e emprego ocorram situações que o trabalhador se vê lesado por seus colegas, superiores hierárquicos ou empregador, seja de forma direta, por meio de ofensas, ou indireta, em razão de algum acidente.
Por se tratar de dano sofrido na esfera subjetiva, a quantificação do dano moral sofrido ficava a cargo do juiz, porém, com a Lei 13.467/17, a reforma trabalhista, o dano moral passou a ser tratado em título próprio, intitulado como “Dano Extrapatrimonial”.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 223-A e seguintes, prevê que o dano extrapatrimonial é aquele decorrente de ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial, e possui como bens juridicamente tutelados à pessoa física honra, imagem, intimidade, liberdade de ação, saúde, sexualidade, integridade física, autoestima e lazer.
Outra novidade trazida pela reforma trabalhista foi a quantificação do dano extrapatrimonial, através do enquadramento em graus de ofensa, de leve a gravíssima.
O dispositivo legal ofertou uma segurança jurídica às empresas pois prevê de forma expressa a quantificação que uma condenação em dano moral, o que antes da reforma era algo incerto e vinculado unicamente ao livre arbitramento do juiz.
No entanto, existem ações diretas de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, ajuizadas pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho — Anamatra (ADI 6.050 e 5.870); pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria — CNTI (ADI 6.082); e pelo Conselho Federal da OAB (ADI 6.069) questionando a legalidade dos artigos 223-A a 223-G da CLT.
A fundamentação das ações reside na limitação imposta pelo artigo 223-G, parágrafos 1º e 2º, com relação aos valores da indenização por dano moral decorrente da relação de trabalho, sendo a tarifação do dano vinculada à remuneração recebida pela vítima, visto que em outras áreas já foi julgado inconstitucional a chamada “tarifação” do dano moral.
Em recente decisão nas referidas ADINs, o ministro relator, Gilmar Mendes, único a proferir seu voto, decidiu no sentido de que os valores indicados pelo dispositivo legal “deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial”, ou seja, são critérios que devem orientar o juiz, mas não o limitar.
Dessa forma, o ministro considerou constitucional que o magistrado possa ultrapassar o valor máximo previsto na Lei nº 13.467, de 2017, qual seja, 50 vezes o valor do último salário contratual do ofendido, a depender do grau da ofensa, que pode ser desde leve a gravíssima.
O tema é polêmico, pois a intenção do legislador ao estabelecer parâmetros para à indenização por dano moral foi dar segurança jurídica, e acabar com o subjetivismo dos julgadores, que muitas vezes arbitravam valores que podiam variar de forma desproporcional, deixando as partes com enorme insegurança jurídica, a depender de qual seria o entendimento do juiz julgador da causa.
Ao longo da minha trajetória profissional, uma conhecida rede varejista que defendia, com filiais em todo Brasil, foi condenada a indenizar por danos morais valores completamente desproporcionais pelo mesmo fato gerador, a depender da comarca em que o processo foi ajuizado e de qual julgador proferiu a sentença, o que acarretava enorme insegurança jurídica.
O julgamento pelo STF deve continuar e caso o resultado for pela declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal trazido pela reforma trabalhista, teremos um retrocesso, no qual o juiz do processo terá total liberdade para arbitrar o valor de indenização por dano moral ao caso sub judice.
Essa liberdade pode resultar, por exemplo, em valores diferentes e desproporcionais para trabalhadores com mesmo cargo, mesmo salário e que tenham sofrido o mesmo fato gerador do pedido de reparação por dano moral.
Deve-se ter cautela ao analisar a tarifação do dano moral, de modo a dar segurança jurídica ao sistema judiciário brasileiro.
As empresas, no meu entendimento, também não podem ser surpreendidas com decisões que arbitram valores estratosféricos e resultam em condenações abusivas.
A discussão no STF ainda não foi encerrada, visto que o ministro Nunes Marques solicitou vista dos autos e suspendeu o julgamento.
Nas próximas semanas deve ocorrer o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade desse tema difícil e polêmico que é a tarifação do dano moral.
Ficam aqui as reflexões: a primeira, que a Justiça brasileira acumula mais de 70% das ações trabalhistas no mundo; e a segunda, um pouco mais filosófica, que as indenizações por dano moral não necessariamente sejam integralmente direcionadas ao ofendido, mas, sim, para um fundo de amparo ou de conscientização para que o ofensor se eduque e mude sua atitude.
Sandra Abate é sócia do escritório Ferraz de Camargo Advogados.
Revista Consultor Jurídico
https://www.conjur.com.br/2021-nov-25/sandra-abate-tarifacao-dano-moral-justica-trabalho