Este artigo discute a viabilidade da implementação do IGP (Imposto sobre Grandes Fortunas), previsto no artigo 153, inciso VII, da CF/88 (Constituição Federal de 1988). Embora o imposto esteja incluído no texto constitucional, até hoje não foi regulamentado e, consequentemente, não é cobrado. O IGF gera intenso debate no campo doutrinário e político, em grande parte devido às complexas implicações sociais envolvidas e à dificuldade de tributar as camadas mais ricas da sociedade. O estudo busca analisar a eficácia do IGF como instrumento de justiça fiscal, concentrando-se no sistema tributário nacional, na classificação do imposto e nos principais pontos favoráveis e desfavoráveis à regulamentação. Para isso, utiliza-se metodologia baseada em pesquisa bibliográfica, aplicada por meio de método dedutivo.
Embora o Imposto sobre Grandes Fortunas não esteja diretamente incluído nas propostas atuais da Reforma Tributária, esse se insere no debate mais amplo sobre a necessidade de sistema tributário mais progressivo e justo. A regulamentação do IGF seria ferramenta para promover maior justiça fiscal, alinhando-se com o princípio de a capacidade contributiva e a intenção de tributar os mais ricos de forma proporcional à sua riqueza.
Entretanto, desafios como a evasão fiscal e o impacto econômico devem ser considerados para garantir que o imposto atenda seus objetivos sem prejudicar o crescimento econômico. A discussão do IGF, portanto, complementa o debate sobre a Reforma Tributária, que busca redistribuição mais justa da carga tributária no Brasil.
Retrato do Sistema Tributário Nacional e o conceito de isonomia fiscal
A Constituição Federal de 1988 define o STN (Sistema Tributário Nacional) nos artigos 145 a 162. Estes artigos estabelecem os princípios gerais, as limitações ao poder de tributar, bem como os impostos que competem à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Além disso, o STN aborda a repartição das receitas tributárias entre as esferas federativas. O CTN (Código Tributário Nacional) complementa essa regulação ao definir tributo como prestação pecuniária compulsória, em moeda ou equivalente, que não configura sanção por ato ilícito, sendo instituído por lei e cobrado mediante atividade administrativa vinculada.
Os tributos no Brasil são classificados em diferentes categorias: impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios. Essas categorias são definidas de acordo com o regime jurídico que lhes é aplicado. Hugo de Brito Machado Segundo (2024, p. 34)1 reforça essa classificação ao afirmar que a forma mais comum de agrupar os tributos no Brasil é com base no regime jurídico que lhes é aplicável, distinguindo-os como impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios.
A competência tributária, por sua vez, é a atribuição constitucional dada às entidades políticas para legislar sobre tributos. Essa competência é definida de forma clara no artigo 6º do CTN, que dispõe que a atribuição constitucional de competência tributária inclui a competência legislativa plena, exceto pelas limitações impostas pela própria Constituição e pelas leis orgânicas dos estados e municípios. O CTN ainda estabelece, no artigo 7º, que essa competência é indelegável, facultativa, irrenunciável e imprescritível.
O princípio da isonomia fiscal, consagrado no artigo 150, inciso II, da CF/88, garante que os contribuintes em situações semelhantes devem receber o mesmo tratamento. Embora seja permitido o tratamento diferenciado em algumas circunstâncias, isso deve ser sempre baseado em justificativa razoável e proporcional. O artigo 150 proíbe a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios de instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, vedando distinções com base na ocupação profissional ou função exercida. Nesse contexto, a implementação do IGF, ao buscar tributar grandes patrimônios, é considerada uma ferramenta para promover maior equidade fiscal.
Compreendendo o IGF como tributo
O IGF é previsto no artigo 153, inciso VII, da CF/88, como tributo de competência exclusiva da União. A intenção por trás da criação desse imposto é a de tributar patrimônios elevados de pessoas físicas e jurídicas no Brasil. No entanto, desde a promulgação da Constituição, o IGF ainda não foi implementado devido à falta de regulamentação específica, que gera debates acerca de sua viabilidade. O artigo 153 define a competência de a União instituir impostos sobre grandes fortunas, condicionando essa instituição à edição de lei complementar.
Segundo Toni Pinto Oliveira (2023, p. 19)2, o conceito e as características do IGF estabelecidos na Constituição de 1988 são de caráter genérico, conferindo à União o poder de definir o imposto, mas exigindo, para efetiva implementação, interpretação detalhada do que constitui “grande fortuna”. Essa definição precisa ser feita a partir de uma perspectiva que engloba fatores econômicos, financeiros e sociais.
O IGF é classificado como imposto sobre o patrimônio e possui natureza extrafiscal. Isso significa que, além de gerar arrecadação, seu objetivo principal seria promover justiça fiscal e social, redistribuindo riquezas e diminuindo a concentração de renda. Contudo, Machado Segundo (2024, p. 249)3 aponta que dos principais motivos para a não implementação do IGF é a indefinição do que se caracteriza como “grande fortuna”, além das controvérsias sobre a eficácia como instrumento de política fiscal. Ele afirma que a falta de lei complementar específica que defina o que constitui grande fortuna é uma das razões políticas que impedem a criação do imposto até hoje.
Para que o IGF seja regulamentado de forma eficaz, é necessário determinar alguns elementos básicos que compõem 1 tributo: o fato gerador, a base de cálculo e o contribuinte. O fato gerador, conforme definido pelo artigo 114 do CTN, refere-se à situação que dá origem à obrigação de pagar o imposto. No caso do IGF, o fato gerador seria a posse de “grande fortuna”, que ainda carece de definição legal. O jurista Ives Gandra da Silva Martins4 destaca a importância de definição clara de grande fortuna para garantir a constitucionalidade do tributo. Ele argumenta que, caso o IGF fosse aplicado sobre qualquer valor que não se enquadra como “grande fortuna”, segundo critérios econômicos, o imposto poderia ser considerado inconstitucional.
Outro elemento fundamental a ser determinado é a base de cálculo, que é o valor sobre o qual incidirá o imposto. No caso do IGF, a base de cálculo ainda precisa ser regulamentada por meio de lei complementar. Finalmente, o contribuinte, que é o titular do patrimônio considerado “grande fortuna”, também precisa ser definido de forma a respeitar o princípio da capacidade contributiva, que está previsto no artigo 145, §1º, da CF/88. A definição precisa garantir que o imposto seja cobrado de forma justa e proporcional à riqueza do indivíduo, evitando distorções.
O IGF e suas funções no âmbito fiscal e social
Os tributos em geral podem ter tanto função fiscal, de arrecadação de recursos para o Estado, quanto função extrafiscal, que visa regular atividades econômicas e sociais. No caso do IGF, sua função extrafiscal é central, já que o imposto busca, além de gerar receita, promover a justiça social e a redistribuição de riquezas. Segundo Machado Segundo (2024, p. 41)5, os impostos extrafiscais têm como objetivo direcionar comportamentos e estimular ou desestimular certas condutas, em vez de simplesmente arrecadar fundos para o orçamento público.
O STF (Supremo Tribunal Federal) já reconheceu que, em alguns casos, pode haver tratamento tributário diferenciado em função de objetivos extrafiscais. No entanto, esse tratamento diferenciado deve sempre ser justificado e não pode configurar confisco, respeitando o princípio da razoabilidade.6
O impacto fiscal do IGF, se implementado, seria significativo, gerando recursos para o Estado que poderiam ser utilizados para financiar políticas públicas para a redução das desigualdades sociais. A função social do imposto está diretamente ligada à promoção da justiça social e à diminuição das disparidades econômicas, buscando combater a concentração de renda que, segundo muitos estudiosos, perpetua as desigualdades no País. A Constituição Federal de 1988, no artigo 3º, estabelece a construção de sociedade livre, justa e solidária como 1 dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Além disso, o artigo 5º, incisos XXII e XXIII, assegura o direito à propriedade, desde que esta cumpra função social.
Portanto, o IGF, ao redistribuir a riqueza e garantir que grandes patrimônios contribuam de forma mais significativa para o financiamento das políticas públicas, poderia representar um importante mecanismo para a realização dos princípios estabelecidos pela Constituição.
Análise política dos principais PL em tramitação no Congresso Embora o IGF esteja previsto na Constituição, sua regulamentação ainda não ocorreu, apesar de diversos projetos de lei terem sido apresentados no Congresso Nacional ao longo dos anos. Entre os principais projetos que propõem a regulamentação do IGF, destacam-se os PLP (projetos de lei complementar) 202/89, 277/08, 315/15, 183/19, 38/20, 50/20 e 101/21.
Desses, o PLP 277/08 é o que mais avançou no processo legislativo, propondo a tributação de patrimônios superiores a R$ 2 milhões, com alíquotas progressivas que variam de 1% a 5%.
Entretanto, a definição de “grande fortuna” continua sendo ponto crucial para a viabilização do IGF. A falta de clareza em relação ao que constitui grande fortuna é uma das principais razões para o atraso na regulamentação do imposto. Toni Pinto Oliveira (2023, p. 111)7 observa que os projetos de lei em tramitação no Congresso apresentam significativas diferenças e indefinições que, se não forem resolvidas, podem resultar em imposto ineficaz, além de estimular a judicialização.
Fator que contribui para a não implementação do IGF é a resistência política, especialmente entre congressistas que seriam diretamente afetados pela cobrança do imposto. Como observa Amir Khair8, muitos parlamentares possuem grandes patrimônios e não têm interesse em aprovar medida que poderia impactar negativamente suas próprias finanças. Isso demonstra como o debate sobre o IGF vai além da questão técnica e fiscal, estendendo-se também a campo político complexo.
Tendências a respeito da implementação
Nos últimos anos, o debate sobre o IGF ganhou força devido ao aumento da concentração de renda no Brasil e às discussões sobre a necessidade de Reforma Tributária mais justa e equitativa. O presidente Lula tem defendido a criação de política tributária mais distributiva, com ênfase em impostos progressivos. Lula9, no entanto, expressou preocupação com a possibilidade de evasão fiscal caso o IGF seja implementado, destacando a experiência de outros países, como a França10, onde o imposto sobre grandes fortunas foi revogado devido ao aumento da fuga de capitais.
Apesar das dificuldades encontradas na implementação do IGF, existem exemplos internacionais que mostram como legislação bem estruturada podem garantir a eficácia do imposto. Na Suécia11, por exemplo, o IGF foi implementado com sucesso, contribuindo para a promoção de maior equidade social e para o fortalecimento das políticas públicas para a redução da desigualdade.
Considerações finais
A implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas no Brasil é questão que enfrenta diversos obstáculos, tanto técnicos quanto políticos. A principal dificuldade reside na definição de “grande fortuna” e no desinteresse político em avançar com a regulamentação do tributo. No entanto, a regulamentação do IGF poderia representar passo significativo para a construção de sistema tributário mais justo, capaz de reduzir as desigualdades sociais e promover maior redistribuição de renda.
A adoção de legislação clara e específica, acompanhada de medidas que previnam a evasão fiscal e o impacto negativo sobre o crescimento econômico, pode garantir a eficácia do IGF como mecanismo de justiça social. Além disso, a inspiração em experiências internacionais bem-sucedidas pode ser fundamental para que o Brasil alcance sistema tributário mais equitativo, capaz de promover sociedade mais justa e solidária, é possível que a Reforma Tributária, caso resolva observar este imposto, seja instrumento capaz de trazer tal regulamentação e benefícios.
(*) Graduando em direito pela Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, cursando 10º semestre. Aprovado no 39º exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Direito Tributário, com tese a respeito do IGP aprovada com nota máxima no TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). Atua como auxiliar jurídico na ZAC (Zilmara Alencar Consultoria), desde março de 2022, e como estagiário no Instituto Conecta, assessoria institucional político-parlamentar, mesmo período.
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1MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de Direito Tributário. Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9786559776177. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559776177/. Acesso em: 23 jun. 2024
2OLIVEIRA, Toni P. Imposto Sobre Grandes Fortunas. (Coleção Universidade Católica de Brasília). Grupo Almedina, 2023. E-book. ISBN 9786556278650. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556278650/. Acesso em: 18 mai. 2024
3MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de Direito Tributário. Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9786559776177. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559776177/. Acesso em: 23 jun. 2024
4MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imposto sobre Grandes Fortunas. JUS.COM, 2009. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10977. Acesso em: 9 de jun. 2024
5MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de Direito Tributário. Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9786559776177. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559776177/. Acesso em: 23 jun. 2024
6STF, RE 1.134.541, 2018. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/867895882. Acesso em: 25. mai. 2024
7OLIVEIRA, Toni P. Imposto Sobre Grandes Fortunas. (Coleção Universidade Católica de Brasília). Grupo Almedina, 2023. E-book. ISBN 9786556278650. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556278650/. Acesso em: 18 mai. 2024
8KHAIR, Amir. Imposto sobre grandes fortunas renderia 100 bilhões por ano. Carta Capital. Revista Digital, 3 mar, 2015. Disponível em:
https: https://www.cartacapital.com.br/economia/imposto-sobre-grandes-fortunas-renderia-100-bilhoes-por-ano-1096/. Acesso em: 10 de jun. 2024
9LULA, Luiz Ina?cio. Vi?deo retirado do X. @lulaoficial; 26/07/2021; disponível em: https://x.com/LulaOficial/status/1419752516183592962. Acesso em: 16 jun. 2024
10O GLOBO. França abandona projeto de imposto sobre fortunas. 2014; disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/negocios/franca-abandona-projeto-de-imposto-sobre- fortunas14944744#:~:text=A%20taxa%2C%20que%20incidiria%20sobre,num%20momento%20de%20crise%20econo?mica. Acesso em: 17 jun. 2024
11BRASIL. Imposto sobre grandes fortunas, fuga de capitais e crescimento econômico. Câmara dos Deputados. Disponível em: Imposto sobre grandes fortunas, fuga de capitais e … Portal da Ca?mara dos Deputados https://bd.camara.leg.br › handle › bdcamara › i… Acesso em: 17 jun. 2024
DIAP
https://diap.org.br/index.php/noticias/artigos/92018-a-viabilidade-do-imposto-sobre-grandes-fortunas