Uma semana após começar em um novo emprego, Lisa Grouette notou algo diferente no domingo à noite: o fim da sensação de angústia que costumava sentir antes de ir trabalhar toda segunda-feira.
Grouette passou 10 anos em uma agência de seguros com um chefe que, segundo ela, gritava com frequência, batia com as mãos na mesa, criticava sua aparência e quebrava objetos.
Ela afirma que ele a acusou falsamente de roubo e ameaçou negar uma carta de recomendação caso ela pedisse demissão.
Com medo de não conseguir outro emprego, ela permaneceu nesse ambiente tóxico. “Era como se estivesse implícito: ‘Você está presa’”, relembra Grouette, de 48 anos
Mas ela encontrou uma saída. Quando surgiu uma vaga em tempo integral em um jornal onde já trabalhava como fotógrafa freelancer, pediu demissão. O novo emprego pagava US$ 400 a menos por mês, mas Grouette reduziu seus gastos para conseguir se manter.
“Não tem preço que pague isso”, disse. “Foram os 400 dólares mais bem gastos da minha vida, valeu cada centavo. Fiquei um pouco apertada no começo, mas não importava porque eu estava feliz.”
Cresce a intolerância a comportamentos tóxicos
Com o aumento da conscientização sobre saúde mental, crescem também as conversas sobre o que constitui um comportamento nocivo e o tipo de tratamento que as pessoas não devem — ou não precisam — aceitar em troca de um salário.
“Estamos desenvolvendo uma linguagem para lidar com ambientes de trabalho tóxicos”, afirma Jennifer Tosti-Kharas, professora de comportamento organizacional no Babson College, em Massachusetts, nos Estados Unidos.
Segundo ela, gerações mais jovens, como os millennials e a geração Z, são menos dispostas a tolerar comportamentos abusivos de colegas e chefes, além de serem melhores em impor limites.
No início da própria carreira, Tosti-Kharas conta que, ao se deparar com um ambiente tóxico no trabalho, sua atitude era de “engolir seco”. “Acho que não falávamos tanto sobre cuidar da saúde mental quanto deveríamos.”
Como identificar um ambiente de trabalho tóxico?
Conflitos e relacionamentos difíceis podem ser inevitáveis em qualquer ambiente profissional. Mas há uma grande diferença entre um desentendimento ocasional e abusos persistentes.
“O que torna algo tóxico é a persistência, a constância ao longo do tempo”, explica Tosti-Kharas. “Você pode até tentar resolver, mas nada muda. Está profundamente enraizado.”
Sinais de um ambiente emocionalmente prejudicial incluem falta generalizada de confiança e medo de ser rejeitado ao manifestar sua opinião, diz ela.
Porém, “gritaria” não é a única forma de comportamento tóxico. Também existem atos mais sutis, como atitudes passivo-agressivas de líderes que usam sarcasmo, elogios com duplo sentido, críticas indiretas e exclusão para controlar os subordinados, diz a psicóloga Alana Atchison, de Chicago.
“É uma relação em que você não pode se comunicar de forma clara e direta, então precisa se calar. Você não consegue dizer o que precisa e se sentir seguro ao mesmo tempo”, afirma.
Para identificar um ambiente potencialmente tóxico ao se candidatar a um novo emprego, confie nos seus instintos e fique atento a sinais de alerta. Anúncios frequentes para a mesma vaga, por exmeplo, podem indicar alta rotatividade causada por um ambiente negativo. Você também pode procurar avaliações de funcionários na internet.
O que pode explicar comportamentos tóxicos?
Se você for alvo de comportamentos tóxicos, considere se o problema está mais em quem os pratica do que em você.
“É quase como uma cortina de fumaça para esconder inseguranças”, diz Atchison. “Se alguém se sente ameaçado ou com medo de ser ofuscado, pode tentar sabotar os outros, espalhar boatos ou atrapalhar projetos para se sentir mais no controle.”
Desde a pandemia de Covid-19, os relatos de ambientes tóxicos aumentaram, segundo Atchison. Um dos motivos seria a perda de habilidades sociais devido ao isolamento.
“Socializar é uma habilidade, e ela se deteriorou”, afirma.
Fale sobre suas preocupações
Se você está em uma situação tóxica no trabalho, conversar com amigos de confiança ou com um terapeuta pode ajudar a processar o que está acontecendo e encontrar formas de lidar com isso, em vez de deixar o problema se acumular.
Stephanie Strausser, 42 anos, gerente de produção de vídeo, contou que buscou apoio quando trabalhou com um chefe extremamente controlador, que a fazia se sentir insegura e tomava decisões que ela considerava antiéticas.
“Não esconda nem guarde para você. Converse com as pessoas. Mesmo que seja com o ChatGPT”, recomenda. “Não internalize isso. E não tome a percepção dos outros como verdade absoluta.”
Amanda Szmuc, advogada da Filadélfia, que passou por ambientes tóxicos, sugere documentar os problemas caso seja necessário levar o caso ao RH.
Anotar detalhes das situações, guardar mensagens inapropriadas ou gravações de reuniões pode ser útil — tanto para fins legais quanto para fortalecer sua percepção da realidade e se proteger contra manipulações psicológicas (gaslighting).
Estabeleça limites
Se sair do emprego não for financeiramente viável ou você quiser tentar melhorar a situação, vale tentar limitar o contato com a pessoa tóxica.
“As possibilidades podem incluir negociar um cargo que crie distância entre você e a pessoa tóxica, como trabalhar em turnos diferentes ou em projetos distintos”, dizTosti-Kharas.
Você também pode estabelecer prazos para si mesmo, a fim de evitar que a situação piore, diz Szmuc. Por exemplo: ‘Vou dar duas semanas para isso. Houve alguma melhora?’, questiona ela. “Existe alguma forma de talvez mudar minhas circunstâncias ou ter a opinião de outra pessoa?'”
Encontre uma saída
“O ideal seria que um funcionário que se sente maltratado pudesse recorrer a alguém do setor de recursos humanos ou ao gerente do funcionário ofensivo, apresentando evidências que mostrem um padrão de violações de conduta para, então, uma ação disciplinar ser tomada”, disse Tosti-Kharas.
Mas isso nem sempre acontece, deixando quem fez a denúncia em contato direto com a pessoa denunciada. “No mundo real, você pode perceber que é improvável que ela vá embora — e quem vai ter que sair é você”, diz Tosti-Kharas.
Em situações extremas, o melhor é procurar outro emprego, afirma ela.
“Se um inspetor encontrasse radônio [um gás radioativo] na sua casa, você não diria: ‘Deixe-me tentar conviver com o radônio’ ou ‘Como posso mantê-lo aqui, mas talvez reduzir os efeitos?'”, acrescenta. “Você tiraria a toxina da situação ou se retiraria da situação.”
A maioria das pessoas não pode se dar ao luxo de deixar o emprego sem ter outro em vista. Arranjar tempo para se candidatar a outras vagas é difícil quando você se sente sob ataque, mas também é algo fortalecedor e pode levar a uma situação melhor.