O mercado de trabalho brasileiro enfrenta situações que, num primeiro momento, podem parecer paradoxais, mas que, na verdade, refletem a forma como milhões de brasileiros procuram lidar com dois dos maiores problemas enfrentados pela classe trabalhadora: a precarização e os baixos salários.
Pesquisa feita pela empresa Randstad e divulgada pelo jornal Valor Econômico nesta segunda-feira (10) indica que 44% dos jovens com menos de 30 anos priorizam ter mais flexibilidade; 37%, o crescimento pessoal; e 35%, um salário adequado.
Outra medição, realizada recentemente pelo Datafolha apontou que 59% dos brasileiros preferiam trabalhar por conta própria, número que vai a 68% entre os mais jovens (16 a 24 anos).
No entanto, parte de um levantamento feito pela Vox Populi e encomendado pela CUT, CTB e demais centrais sindicais, também divulgada nesta semana, aponta que 56% dos que se declaram autônomos e já foram celetistas afirmam que, com certeza, gostariam de voltar a ter sua carteira assinada.
A pesquisa foi desdobrada em vários eixos, para sistematização e análise em parceria com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), com o objetivo de captar e entender o cenário real da classe trabalhadora e do mundo do trabalho atual.
Cenário precário
Considerando os indicadores trazidos por esses levantamentos — e mesmo levando em conta o fato de que as diferenças etárias podem pesar sobre as escolhas —, o fato é que os brasileiros em idade produtiva se vêem, em geral, obrigados a se encaixar no que for menos danoso dentro de um quadro geral adverso, resultante do processo de precarização do trabalho nas últimas décadas.
Tal processo abrange desde questões como o avanço tecnológico — inclusive a explosão dos aplicativos de serviços como os de entrega e os de transporte — até os efeitos da reforma trabalhista de 2017 e das terceirizações, que ajudaram o patronato e prejudicaram a classe trabalhadora.
Assim, mesmo em meio a um cenário de economia aquecida e baixa desocupação, o fato é que a qualidade do emprego oferecido pela maioria dos empresários ainda está muito aquém das necessidades e expectativas da população.
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Entre os entrevistados para a pesquisa encomendada pelas centrais, a maioria aponta como principais problemas para se obter um bom emprego os salários baixos (44,5%), as exigências excessivas (38,7%) e a baixa valorização (25,5%).
Conforme a análise dos dados colhidos, “ao contrário do que apontam levantamentos recentes que reduzem a importância do trabalho formalizado e da CLT, mais da metade dos trabalhadores querem ter vínculo formal de trabalho com direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, porém, acabam caindo no chamado ‘empreendedorismo de necessidade’”.
Salários baixos, exigências altas
“A primeira pesquisa mostra um relativo equilíbrio de três fatores que influem na definição do jovem para ingressar no mercado de trabalho: o horário flexível todos querem, mas esta flexibilidade fica condicionada a questões mais estruturantes, como salário e perspectiva de valorização profissional. O grande problema do mercado formal (CLT ou estatutário) é que os salários hoje estão muito baixos”, explica Nivaldo Santana, diretor sindical do PCdoB e secretário-adjunto de Relações Internacionais da CTB.
Para exemplificar, ele cita dois casos. “A Associação Brasileira de Supermercado (Abras) constata que há dificuldades para o setor preencher 350 mil vagas abertas. Da mesma forma, nos últimos dez anos o Brasil perdeu 1,2 milhão de caminhoneiros (em 2015 tinha 5,6 milhões; em 2025, 4,4 milhões). Na minha opinião, a causa principal é que nestes dois casos concretos os problemas são os salários baixos e as jornadas mais longas”.
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Ele prossegue lembrando que “um caixa de supermercado ganha pouco mais de um salário mínimo; um caminhoneiro, em torno de dois salários mínimos. Com esses salários baixos, migrar para outras áreas mais flexíveis é uma opção. A causa maior é o rendimento, não a rejeição à CLT e ao trabalho formal”.
Ou seja, embora tenha “virado moda” em boa parte dos veículos de comunicação o discurso de que empregos de carteira assinada estão perdendo espaço na preferência nacional e que as pessoas, especialmente os jovens, querem ser empreendedores e buscam maior liberdade de horários, ao que parece essas “escolhas” nada mais são do que o velho instinto de sobrevivência falando mais alto.
“Os autodeclarados empreendedores e autônomos são empurrados para a modalidade pela precarização. Entrevistados apontaram que os empregadores pagam baixos salários, fazem muitas e, por vezes, inadequadas exigências de qualificação, além de jornadas extensas, daí o nome empreendedorismo de necessidade”, avalia Sérgio Nobre, presidente da CUT.
Nesse cenário, diz Santana, “a grande luta para o movimento sindical é recuperar os direitos eliminados pelos estragos promovidos pela reforma trabalhista e a terceirização irrestrita; avançar na grande bandeira da atualidade, a regulamentação do trabalho nas suas mais variadas modalidades — como o feito por meio de aplicativos, o trabalho intermitente, a terceirização desregrada, o MEI (Micro Empreendedor Individual) sem CNPJ, o trabalho sem carteira assinada, a pejotização etc.— e a criação de mais empregos de qualidade e com melhores salários”.
VERMELHO
