Caro leitor, imagine a seguinte situação:
Carlos, um profissional experiente, recebeu uma proposta para trabalhar como pessoa jurídica (PJ). Ele sabia que esse modelo de contratação não oferecia os mesmos direitos trabalhistas da CLT, mas optou por essa modalidade para aproveitar as vantagens financeiras e a flexibilidade imediata.
A empresa, por sua vez, celebrou um contrato de prestação de serviços respeitando todas as condições específicas dessa forma de contratação, cumprindo com as obrigações previstas para a relação jurídica firmada.
Após algum tempo, Carlos entrou com uma ação judicial pedindo o reconhecimento do vínculo empregatício, buscando acesso a benefícios e direitos típicos do regime CLT e que a empresa arcasse, inclusive, com recolhimentos previdenciários não realizados de acordo com esta modalidade de contratação.
Esta situação é mais comum e familiar para muitos empresários. Mais do que se pode imaginar.
Nos últimos anos, muitos profissionais têm optado e, por diversas vezes, solicitado junto às empresas, por trabalhar via pessoa jurídica (PJ) ou como autônomos numa escolha consciente: mais liberdade, mais ganhos, menos amarras. Mas, quando o relacionamento desanda, surgem processos pedindo todos os direitos da CLT — mesmo sem ter contribuído para isso ou que a realidade seja compatível com o pedido.
Os ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes, inclusive, provocaram esse debate recentemente ao sugerir em voto formulados nos autos de ação que trata sobre o pedido de vínculo em casos de contratação por mio de PJ que haja pagamento de tributos por pejotizados como pessoa física em ações buscando reconhecimento de vínculo. O que está em jogo? Pessoas maiores e capazes firmando um negócio jurídico — e que, em tese, deveriam assumir a responsabilidade das suas escolhas.
Com o Tema 1.389 do STF suspendendo processos sobre “pejotização”, o alerta é claro: as empresas precisam contratar com segurança e os profissionais precisam refletir antes de escolher esse modelo. Contratar via PJ não é fraude por si só, mas exige alinhamento de expectativas, contrato bem feito e respeito à autonomia. Afinal, escolha consciente também traz responsabilidade.
O Supremo Tribunal Federal, em julgados recentes, reforçou a liberdade das partes para contratar por meio de pessoa jurídica, especialmente após a reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), que incluiu o artigo 442-B na CLT, estabelecendo que “a contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado”.
Em decisões como a ADPF 324 e o RE 958.252, o STF reconheceu a constitucionalidade da terceirização irrestrita, desde que respeitados os direitos fundamentais do trabalhador e inexistente fraude trabalhista. Ou seja, a contratação por meio de PJ ou como autônomo é juridicamente possível, mas não pode mascarar uma relação de emprego típica.
Além dos riscos trabalhistas, há questões fiscais e previdenciárias que exigem atenção:
- Profissional autônomo pessoa física: a empresa contratante deve reter e recolher o INSS (20%) e o ISS (quando aplicável), além de se atentar à emissão de Recibo de Pagamento a Autônomo (RPA).
- Pessoa jurídica (PJ): exige a conferência do CNPJ ativo, inscrição municipal e regularidade fiscal. Dependendo da atividade, pode haver retenções de ISS, INSS patronal, PIS, Cofins e IRRF.
- Risco fiscal: caso a contratação seja considerada simulação para fraudar a legislação trabalhista ou previdenciária, podem incidir multas, juros e responsabilização solidária.
Armadilha
Para identificar a armadilha da “pejotização” consciente, a empresa deve estar atenta a alguns sinais claros. Um deles é quando o profissional insiste em ser contratado como PJ para exercer atividades que são típicas e contínuas do negócio da empresa, especialmente quando há evidências de subordinação e pessoalidade, ainda que formalmente disfarçadas por contratos. Também é importante observar se o prestador demonstra dificuldades ou resistência em cumprir obrigações próprias de uma pessoa jurídica, como emissão regular de notas fiscais e recolhimento de tributos.
Para reduzir os riscos, a empresa precisa formalizar contratos claros, que detalhem o objeto, os prazos e, principalmente, garantam a autonomia do prestador, evitando o controle rígido de horários ou ordens diretas típicas da relação empregatícia. Além disso, é fundamental exigir comprovantes da regularidade fiscal e contábil do contratado e realizar auditorias periódicas para assegurar que a contratação segue os parâmetros legais e evita interpretações de fraude.
Reconhecer cedo a possibilidade da pejotização consciente ajuda a proteger a empresa de passivos trabalhistas e fiscais, promovendo relações contratuais transparentes e seguras. Com a jurisprudência trabalhista em constante evolução, contar com acompanhamento jurídico e contábil especializado torna-se essencial para adaptar as práticas de contratação e garantir a conformidade com a legislação vigente.
Contratar por meio de pessoa jurídica ou autônomo é lícito e pode ser uma solução estratégica, mas não pode ser utilizada como instrumento de fraude trabalhista ou fiscal. O simples contrato escrito não garante segurança jurídica se a execução prática dos serviços evidenciar subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade típicas do vínculo de emprego.
As empresas devem alinhar sua política de contratação com a legislação, decisões do STF e boas práticas de governança, reduzindo riscos e garantindo relações contratuais transparentes e sustentáveis.