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DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

As desigualdades no Brasil não são fruto de circunstâncias ocasionais ou conjunturais, mas sim de uma herança estrutural e histórica. Desde a colonização, marcada pela escravidão, concentração fundiária e exclusão social, consolidou-se um padrão de desenvolvimento que distribui renda, riqueza e oportunidades de forma profundamente desigual. Reduzir e superá-las requer políticas públicas ativas e vontade dos governantes e agentes econômicos em transformar essa realidade.

Essa matriz histórica econômica e política explica por que, mesmo em momentos de crescimento econômico, as disparidades persistem entre regiões, gêneros, raças e classes sociais. O mais recente Relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades 2025 reforça esse caráter estrutural ao demonstrar que as desigualdades atravessam todas as dimensões da vida social: educação, saúde, renda, segurança alimentar, segurança pública, representação política, acesso a serviços básicos e condições urbanas.

O relatório aponta que 25 dos 43 indicadores monitorados registraram avanços no período, sobretudo no mercado de trabalho e no meio ambiente. Houve também redução da proporção de pobres em 23,4% em 2024, segundo o critério do Programa Bolsa Família.

Evolução positiva na redução das desigualdades

Apesar dessa herança, o Brasil tem apresentado avanços recentes. Os indicadores de renda, emprego e redução da pobreza mostram sinais consistentes de melhora. Em 2024, o rendimento médio real de todas as fontes atingiu R$ 3.066, um crescimento de 2,9% frente a 2023. Houve ainda redução da taxa de desocupação para 6,6%, queda de 1,2 ponto percentual em relação ao ano anterior, com destaque para as mulheres (de 9,5% para 8,1%) e para a população negra (de 9,1% para 7,6%). O mercado de trabalho foi um dos setores de maior destaque no relatório.

O melhor desempenho ocorreu entre mulheres negras, que registraram aumento de 5,2% nos rendimentos, superando a média nacional e até mesmo os homens não negros (+3%). Esse avanço, contudo, não eliminou as diferenças: o rendimento médio das mulheres negras foi de R$ 2.008, apenas 43% do rendimento dos homens não negros (R$ 4.636).

Ou seja, os indicadores apontam uma melhora generalizada, mas com desigualdades estruturais persistindo entre gênero e raça.

Ênfase no recorte de gênero

O relatório mostra que as mulheres ainda recebem, em média, apenas 73% do rendimento masculino. Embora tenham avançado em escolaridade e participação no ensino superior, as desigualdades de gênero continuam presentes em todas as esferas.

Os dados também revelam contradições preocupantes como, por exemplo, enquanto a taxa de desocupação caiu para as mulheres, as violências contra elas cresceram. Em 2024, foram registrados 1.492 feminicídios, contra 1.350 em 2020.
Já a maternidade precoce afeta mais as jovens negras: em 2023, 13,8% dos nascidos vivos eram de mães adolescentes negras, contra 7,9% das não negras.

Esse quadro confirma que políticas específicas de equidade de gênero são essenciais, tanto no campo do trabalho e da renda, quanto no enfrentamento da violência e da exclusão social.

O Brasil saiu do Mapa da Fome

O relatório mostra que houve melhora nos indicadores de segurança alimentar. Embora persistam desigualdades regionais, como no Norte, onde 17,4% da população ainda vive em insegurança alimentar grave, os avanços recentes permitiram ao país sair novamente do Mapa da Fome da ONU.

A redução da desnutrição infantil, a ampliação da renda das famílias e a reativação de políticas de segurança alimentar, como o Bolsa Família, foram fatores decisivos. Esse resultado confirma que a fome é um fenômeno político e econômico — não inevitável — e pode ser superado por meio de escolhas públicas adequadas.

O papel essencial das políticas públicas

Os avanços registrados pelo relatório não ocorreram por acaso. Eles foram resultado direto de políticas públicas estruturadas, tais como, a política de valorização do salário mínimo, com impacto na base da pirâmide salarial; o Programas de transferência de renda (Bolsa Família), responsáveis pela redução da pobreza; a expansão da educação básica e superior, com destaque para a Lei de Cotas e políticas de permanência; políticas ambientais, que reduziram o desmatamento em 41,3% entre 2022 e 2024, entre tantas outras. Sem políticas de Estado consistentes, a desigualdade tende a se perpetuar.

O papel essencial do crescimento econômico

O crescimento econômico recente foi decisivo para viabilizar esses resultados. A retomada da atividade, somada ao investimento público e privado, criou condições para a geração de empregos e aumento de renda. A combinação entre crescimento e políticas redistributivas mostra-se fundamental: crescimento sem distribuição amplia desigualdades, enquanto políticas sociais sem dinamismo econômico tornam-se insustentáveis. O equilíbrio entre essas dimensões é a chave para avançar no combate às desigualdades.

Inovação tecnológica, emergência climática e redução das desigualdades

O relatório traz informações que destacam o papel das transformações globais, como a inovação tecnológica, na medida em que a digitalização e a automação podem gerar novos empregos e ganhos de produtividade, mas também riscos de desemprego e de exclusão. O desafio, neste caso, é assegurar políticas de qualificação e inclusão digital para combater a ampliação das desigualdades.

Outro destaque é a emergência climática: embora o Brasil tenha reduzido o desmatamento e as emissões de CO₂, as populações mais pobres e vulneráveis continuam sendo as mais afetadas por enchentes, secas e desastres ambientais.

Se enfrentados com visão estratégica, esses dois fatores podem se converter em motores de desenvolvimento inclusivo: a transição ecológica e digital pode ser aliada de uma nova trajetória de redução das desigualdades sociais e regionais.

Conclusão

O Brasil segue marcado por desigualdades estruturais, históricas e persistentes. Contudo, o Relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades 2025 demonstra que é possível avançar: a redução da desocupação, o aumento da renda, a melhora para mulheres negras no mercado de trabalho, a saída do Mapa da Fome e a redução da pobreza comprovam que políticas públicas combinadas com crescimento econômico podem alterar o quadro de exclusão.

O futuro, no entanto, dependerá da capacidade do país de manter políticas de Estado consistentes, a sustentação de médio e longo prazo do crescimento com inclusão e da transformação dos desafios tecnológicos e climáticos em oportunidades de desenvolvimento socioambiental.

O combate às desigualdades é, portanto, não apenas uma questão de justiça social, mas o eixo estruturante para a construção de um Brasil próspero, democrático e sustentável.

Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, Enviado Especial para COP-30 sobre Trabalho, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020)

DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/as-desigualdades-no-brasil-atuar-para-reduzir-e-superar/