Gustavo Hasselmann
A evolução do trabalho no ocidente, desde o capitalismo fordista até a era digital, destacando a precarização do trabalho, especialmente no contexto dos motoristas de aplicativo.
O trabalho é inerente à condição humana. Ele é vital para o homem na vida em sociedade. Ele opera transformações na natureza e na sociedade. Para muitos, impera o adágio popular: o trabalho “dignifica o homem”.
Ao longo de mais de quatro séculos, o trabalho, no ocidente, conviveu com as várias formas de capitalismo: comercial, industrial e financeiro, este último a partir dos anos 70 do século passado.
No capitalismo que vigeu nos 30 anos dourados do ocidente, em que o trabalho se dava, preponderantemente, no chão da fábrica, imperavam os sistemas fordista e taylorista. Principalmente a partir do pós segunda guerra mundial, o trabalho visava a produção em massa de mercadorias, como automóveis, máquinas, eletrodomésticos etc. Para Foucault, era a época da sociedade disciplinar, em que, nos hospitais, nas escolas, nos presídios , nas fábricas etc, as regras e valores eram impostos de forma cogente.
Nesse diapasão, vale citar e transcrever excerto da lavra do ilustre professor e sociólogo do trabalho Ricardo Antunes, em Capitalismo Pandêmico, editora Boi Tempo,, pag 94:
“Se no apogeu do taylorismo -fordismo a força de uma fábrica mensurava-se pelo número de operários – o operário – massa magistralmente representado por Charles Chaplin em tempos modernos – , podemos dizer que, na era da acumulação flexível e da “empresa enxuta”, as empresas que se destacam são aquelas que empregam o menor contingente de força de trabalho, pois com o avanço tecnológico, elas podem aumentar fortemente os seus índices de produtividade”.
Com efeito, nesse período áureo do capitalismo objetivava-se a produção. O sistema financeiro, majoritariamente, estava voltado para financiar a produção em massa. Vigia a regulação do capital e as regras estabelecidas nos acordos de Bretton Woods. O câmbio era fixo e lastreado no dólar e no ouro, o que veio a desaparecer a partir dos anos 70 do século passado, quando o câmbio passou a ser flutuante, com arrimo exclusivamente no dólar.
O filósofo germânico – coreano, Byung – Chul Han, em sua antológica obra a Sociedade do Cansaço, , editora vozes, 2ª edição, pag 23, assim descreve a passagem da sociedade da produção (período fordista-taylorista ) para a sociedade do desempenho:
“A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade do desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais sujeitos da obediência, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos”.
Efetivamente, o trabalho prioritariamente na indústria — com a desregulamentação do capital e o advento das tecnologias, no trabalho e nas fábricas, que geraram um grande desemprego — foi transferido para o setor de serviços e financeiro. Houve um grande processo de desindustrialização, que no Brasil começou a partir dos anos 80 do século passado e dura até hoje. O capitalismo produtivo cede espaço á financeirização , leia-se, rentismo, que campeia sob a doutrina neoliberal.
Emerge, a partir dos anos 80 do século passado, o trabalho uberizado ou plataformizado, ou melhor, melhor o trabalho na era digital.
O professor Ricardo Antunes, na obra citada, pag 125, a respeito do trabalho digital, assinala o seguinte:
“Uma de suas formulações centrais talvez possa assim ser resumida: em plena era da informatização do trabalho , do mundo maquinal e digital, estamos presenciando o nascimento e ampliação do cibertariado , o proletariado que trabalha com informática, com o mundo digital, e que, paralelamente, vivencia uma pragmática moldada cada vez mais pela precarização que muda profundamente a forma de ser do trabalho”.
Com efeito, nesse particular, há que se realçar que o trabalho dos motoristas por aplicativo é por demais precarizado. Eles ganham pouco, trabalham horas intermináveis, sob a direção do aplicativo, têm que custear as despesas de manutenção dos veículos etc. Não têm direitos trabalhistas e previdenciários assegurados. O governo Lula, para minorar o problema vivenciado por eles, editou 0 PLP 12\24, que é muito pífio e inexpressivo no combate a essa exploração, tendo estabelecido , pasmem, o limite de 12 horas para a jornada de trabalho.
De outro lado, nesse diapasão, o STF, contrariando orientação firmada no TST, não vem reconhecendo a relação de emprego entre os motoristas por aplicativo e as empresas de plataforma.
De outra banda, esperava-se que o governo Lula 3 revogasse a reforma trabalhista de Temer, primeiramente, aprofundada no governo Bolsonaro. Ela mudou completamente as relações de trabalho no Brasil, aviltando os diretos dos trabalhadores. Criou o trabalho intermitente, em que o trabalhador só recebe o salário quando trabalha e é chamado para tanto, não tendo direitos trabalhistas e previdenciários assegurados . Concebeu também o trabalho terceirizado, tanto para a atividade meio como para a atividade fim, o que foi chancelado pelo STF. Fez prevalecer o acordado sobre o legislado, em detrimento de direitos anteriormente conquistado, com muito suor, sangue e luta, pelo classe trabalhadora. Reduziu a importância tanto do Ministério do Trabalho, como da Justiça do Trabalho. Neste último caso, visando reduzir o número de demandas trabalhistas, impôs pesados custos judiciais para os trabalhadores, tais como pagamento de honorários de advogado, custos com perícia etc, etc. De outro lado, dita reforma não baixou o índice de desemprego no país, como prometido pelos Presidentes da República da época, parlamentares de direita e empresários.
Outro aspecto a ser destaca, na esteira do pensamento do ilustre filósofo acima citado, é que, na sociedade do desempenho em que vivemos na atualidade reina absoluto o individualismo na vida e no trabalho. O trabalhador, empresário de si mesmo, quer sempre superar o seu concorrente, trabalhando horas intermináveis por dia. Ele também procura “bater metas”. Com a era digital, ele não tem jornada de trabalho fixa, pois trabalha de forma extenuante dia e noite, através do celular e do computador. Ao mais das vezes, até mesmo nas atividades de entretenimento, ele presta um trabalho adicional e não remunerado para os empresários de plataformas digitais e para as empresas que comercializam produtos e serviços.
Desse modo, para arrematar, como o capital precisa do trabalho, e sempre vai precisar, para sobreviver, embora a precarização deste, fazemos votos de que um trabalho mais humanizado, num futuro bem próximo, venha a existir no país e no sul global. Só que vejo isso não acontece, nem mesmo nas sociais democracias fortes do ocidente, muito menos no sul global. Antevejo, pois, como utopia, o advento do socialismo como solução para esses e outros problemas vivenciados pela humanidade nessa quadra.
Gustavo Hasselmann
Procurador do município de Salvador/BA. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Processo Civil e Direito Administrativo. Membro do IAB e do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/417879/as-formas-de-trabalho-contemporaneas-e-o-vilipendio-a-clt