OPINIÃO
Por Adriano Marcos Soriano Lopes e Solainy Beltrão dos Santos
O primeiro domingo de outubro já alvorece e as disputas eleitorais no Brasil, abalizadas pelo princípio “free and fair election” (definido pelo cientista político Robert Dahl como a eleição em que a “coerção é relativamente incomum”, porquanto uma eleição livre e justa envolve liberdades políticas e processos justos), revelam para alguns eleitores dentro do seu ambiente laboral, muitas vezes, uma prática deletéria às suas dignidades, consistente numa conduta intencional e reiterada do empregador que, em troca de voto ou trabalho na campanha do candidato de sua preferência, importuna o trabalhador com uma promessa de promoção ou, ao revés, com ameaças variadas como, por exemplo, a perda do emprego caso não vote ou não atue em favor do aspirante político de predileção do patrão.
Essa prática denominada de assédio eleitoral ou político, além de ser uma agressão aos direitos personalíssimos do empregado, tais como a privacidade e a intimidade, é crime tipificado no artigo 301 da Lei nº 4.737/1965 (Código Eleitoral) que prevê pena de reclusão de até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias de multa àquele que “usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos”.
Cumpre destacar que referido assédio, assim como os casos de assédio moral corriqueiramente analisados pela especializada trabalhista, pode se dar tanto de maneira vertical descendente (empregador em face do empregado), quanto de forma horizontal (empregado em face de outro empregado) ou ainda de forma mista (a vítima sofre perseguição tanto pelos colegas de mesma hierarquia quanto pelo superior hierárquico). Ademais, o assédio eleitoral pode ensejar discriminações abjetas no contrato de trabalho quando o empregado tem convicções políticas diferentes do seu empregador ou de candidato por este apoiado.
Raconta o artigo 5º, caput, da CF que a liberdade, assim como a vida, a igualdade, a segurança e a propriedade são direitos fundamentais que assumem no ordenamento pátrio expressiva relevância e a Carta Constitucional de Outubro é obcecada pelo direito à liberdade.
O direito em realce, como já disposto no 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, consiste em poder fazer tudo o que não prejudica o outro. Na mesma linha, Herbert Spencer predisse que “a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro”. Posto que, o homem esteja condenado a ser livre, com bem dissera Jean Paul Sartre em O Ser e o Nada, “tão logo é atirado ao mundo, torna-se responsável por tudo que faz”, ou seja, embora a liberdade seja um primordial valor, não pode vir a apequenar direitos dos outros indivíduos, o que também se aplica à liberdade política do empregador, já que ele pode ter o candidato de sua predileção, mas isso não pode servir, ainda que se trate a empresa de uma organização de tendência, a justificar qualquer tipo de violência física ou psíquica a seus empregados, compelindo-os a votar, não votar ou colaborar com a campanha de determinado político.
A liberdade política é um importante pilar que permite que os cidadãos participem do governo de seu país, sendo um dos valores mais relevante das sociedades democráticas. Milton Friedman definiu a liberdade política como “ausência de coerção de um homem pelo seu compatriota”, isso quer significar dizer o mesmo que a possibilidade de cada um fazer sua escolha política sem ingerência de terceiros e/ou coação, ou seja, de escolher seu candidato pautado no seu próprio pensar.
Com base nesse constructo, pode-se dizer que qualquer intromissão do empregador visando de alguma forma a interferir no direito de voto de seus empregados constitui assédio político ou eleitoral que deve ser coibido por meio de ação de fiscalização, conjunta ou separadamente, do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, ressaltando que este poderá, ainda, firmar termo de ajustamento de conduta às exigências legais, bem como pela Justiça do Trabalho, após acionada em reclamação trabalhista em face da prática da tentativa hodierna de ressurreição do voto de cabresto afamado da época da República Velha.
No que pertine às consequências da prática do assédio eleitoral na relação laboral, a conduta ilícita pode ensejar a reparação/compensação por dano moral, com fulcro nos artigo 5º, da CF c/c artigos 186, 187 e 927 CC e artigos 223-B e 223-E da CLT, além de poder ser causa de rescisão indireta do contrato de trabalho ante a falta grave do empregador “ex vi” do artigo 483, “a”, “b” e “e”, da CLT.
Desta forma, é prática a ser combatida e sancionada por malferir a liberdade política do empregado ao interferir no direito de escolha de seu representante e como já dizia o austríaco Viktor Frankl “tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a liberdade de escolher sua atitude em qualquer circunstância da vida”.
Adriano Marcos Soriano Lopes é juiz do Trabalho substituto no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, especialista em Ciências do Trabalho pela Faculdade Lions e autor de diversos artigos jurídicos e coautor do livro O Direito Autônomo à Proteção dos Dados Pessoais: uma Análise Constitucional-trabalhista.
Solainy Beltrão dos Santos é juíza do Trabalho substituta do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, especialista em inovações em Direito Civil e seus instrumentos de tutela pela Universidade Anhanguera, autora de diversos artigos jurídicos e coautora do livro O Direito Autônomo à Proteção dos Dados Pessoais: uma Análise Constitucional-trabalhista.
Revista Consultor Jurídico
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