O Poder Legislativo dispõe da oportunidade de emendar projeto de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo. Todavia, esse poder não é ilimitado, não se estendendo às emendas que não guardam estreita pertinência com o objeto do projeto encaminhado do Executivo para o Legislativo.
O entendimento é do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao anular um artigo de uma lei de Guaratinguetá, oriundo de emenda parlamentar, que prevê o uso de bilhetagem eletrônica no transporte público do município, mas sem dispensar as concessionárias de manter cobradores de ônibus em seus postos de trabalho.
A norma foi contestada pelo Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros do Interior de São Paulo, representado pelo advogado Edinilson Ferreira da Silva. Entre os argumentos, estão o abuso do poder de emendar por parte da Câmara Municipal, invasão da competência privativa da União e violação ao princípio da eficiência.
Ao julgar a ADI procedente, o relator, desembargador Costabile e Solimene, ressaltou que a Prefeitura de Guaratinguetá, ao enviar o projeto de lei à Câmara de Vereadores, previu apenas a bilhetagem eletrônica nos ônibus da cidade. A manutenção dos cobradores não partiu, portanto, de iniciativa do município, mas sim dos vereadores.
“A ulterior aquiescência do chefe do Poder Executivo, mediante sanção do projeto de lei, ainda quando dele seja a prerrogativa usurpada, não tem o condão de sanar o vício radical da inconstitucionalidade”, diz o acórdão. O relator também afirmou que o projeto de lei original visava a organização do transporte público de Guaratinguetá, sem relação com a manutenção de postos de trabalho.
Assim, para Solimene, a emenda “voltou-se para teleologia diversa da concepção do diploma”, isto é, o artigo é desconexo em relação ao projeto inicial. “Não se questionam as prioridades dos vereadores, muito nobres aliás. Todavia, esse proceder contraria a Constituição, porque a emenda não só não pode criar despesas, como ainda deve se manter congruente com o núcleo temático da lei em gestação”, afirmou.
Competência da União Conforme o relator, a preservação de postos de trabalho não diz respeito à organização do serviço de transporte público: “Não passa, ainda que socialmente muito importante, de consequência da reorganização do setor. A vereança, ainda que sob o augusto pálio de que estaria regulando o modo como se daria a prestação de serviço, transpôs, inadvertidamente, os limites de competência privativa da União para legislar”.
A conclusão de Solimene foi de que a emenda impugnada, ao impor às empresas de transporte público a obrigação de contratar e manter cobradores, disciplinou relação de emprego e trabalho, um tema estranho às Câmaras Municipais.
“Não fosse a inserção da emenda, pelo silêncio do administrador, seria prestigiada exclusivamente a bilhetagem eletrônica, para o que, afinal, o diploma em tela também foi concebido. O regramento oriundo da emenda apagou a intenção de fazer funcionar plenamente o sistema eletrônico. O parlamento atuou modificando a ideia inicial do administrador”, explicou.
O desembargador citou violação da competência legislativa privativa da União fixada no artigo 22, incisos I e XVI da Constituição Federal, bem como afronta aos artigos 5º, 47, incisos II, XIV e XVIII, e 144 da Constituição Estadual. Ele modulou os efeitos da decisão para 120 dias a partir da publicação do acórdão.
Clique aqui para ler o acórdão 2114819-81.2021.8.26.0000
Pelo risco ao andamento de obras e à prestação de serviços públicos, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, autorizou nesta segunda-feira (6/12) a continuidade da execução das chamadas emendas do relator no Congresso Nacional.
Em decisão liminar proferida em 5 de novembro, a ministra havia suspendido o pagamento dessa verbas. A liminar foi posteriormente referendada pelo Plenário do STF.
A decisão desta segunda foi tomada após manifestação do Congresso Nacional, que alegou “risco de grave lesão ao interesse público em razão da interrupção das políticas públicas contempladas pela execução orçamentária do indicador RP 9, indicadas pelo relator-geral, confirmadas pelo Poder Executivo e identificadas pelos documentos já juntados aos autos”.
Rosa Weber também ampliou de 30 para 90 dias o prazo para que o Congresso informe o nome de todos os deputados e senadores beneficiados em 2020 e 2021 por essas verbas, segundo o jornal Folha de S.Paulo. O dinheiro é usado como moeda de negociação política do governo Jair Bolsonaro.
De acordo com a ministra, as medidas adotadas pelo Congresso “mostram-se suficientes” para “justificar o afastamento dos efeitos da suspensão determinada” pelo Supremo. Dessa maneira, o governo e o Legislativo poderão executar os cerca de R$ 9 bilhões de emendas de relator que estavam parados por ordem do STF.
A ministra apontou, conforme a Folha, que é preciso liberar as verbas para não afetar o andamento de obras. Conforme Rosa, a suspensão dos valores prejudica a prestação de serviços públicos essenciais à população.
Para fundamentar seu argumento, a ministra mencionou trecho da nota técnica das consultorias da Câmara e do Senado que afirma que os municípios e regiões mais pobres são os mais atingidos pela suspensão das emendas.
No entanto, a ministra disse que ainda não tem como avaliar se as medidas do Congresso para dar publicidade à destinação das verbas de 2020 e 2021 são suficientes para cumprir a ordem do STF.
A decisão da ministra deve ser referendada pelo Plenário do STF. Para tanto, ela solicitou ao presidente da Corte, ministro Luiz Fux, a inclusão da ação em sessão virtual extraordinária.
Segundo o Focus, para 2022, também foram feitas 24 atualizações nos últimos cinco dias, com a estimativa caindo de 0,64% para 0,39%
A redução na previsão mediana para Produto Interno Bruto (PIB) de 2021 foi de 4,80% para 4,78%, mostrando uma nova deterioração no cenário de crescimento econômico do Brasil. Os dados são do Relatório de Mercado Focus do Banco Central (BC), divulgado nesta segunda-feira (29/11).
Na publicação, a estimativa de expansão do PIB recuou de 0,70% para 0,58%. Há quatro semanas, a expectativa de alta do PIB estava em 4,94%. Para 2022, a projeção segue em queda. Foram feitas 24 atualizações nos últimos cinco dias, com a estimativa caindo de 0,64% para 0,39%. No fim de 2021, a estimativa para o PIB passou de 4,78% para 4,69%.
Uma das causas que têm puxado o PIB para baixo é a queda nos índices de confiança.Mesmo com a ligeira recuperação em outubro, os indicadores voltaram a cair em novembro, sinalizando uma situação de incerteza crescente. Parte disso vem com a nova variante da covid-19, ômicron, que fez o mercado desabar na última sexta-feira (26).
Levantamento realizado pela consultoria IDados mostra que 38% dos brasileiros que têm algum trabalho, mas desejam atuar mais horas na semana, se formaram no ensino médio; 14% concluíram o ensino superior.
Por Luiz Guilherme Gerbelli, g1
O contingente de trabalhadores subocupados no Brasil está cada vez mais escolarizado. Hoje, mais da metade dos brasileiros pertencentes a esse grupo têm ensino médio completo ou concluíram o curso superior.
Um levantamento realizado pela consultoria IDados mostra que 38% dos subocupados no país se formaram no ensino médio e 14% no superior. Quem se encontra na condição de subocupado tem algum tipo de trabalho, mas gostaria de trabalhar mais horas na semana.
Os números apurados pelo IDados foram obtidos com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do segundo trimestre.
Historicamente, a liderança entre os subocupados pertencia aos trabalhadores menos qualificados, com ensino fundamental incompleto, mas os brasileiros com mais anos de escolaridade passaram a ocupar esse espaço ao longo dos anos.
No segundo trimestre de 2016, por exemplo, a soma da população subocupada entre os trabalhadores que completaram o ensino médio e superior era de 42%.
E o que pode explicar esse movimento?
Os trabalhadores qualificados conseguiram se manter ocupados nas últimas crises econômicas, mas podem ter tido a jornada reduzida; e
A volta ao mercado de trabalho tem ocorrido em ocupações de carga horária mais baixa.
“Esse movimento pode ter acontecido por dois fatores. Primeiro, quem se manteve no mercado teve a carga horária de trabalho reduzida. Então, o empregador ou até a pessoa que atua como conta própria diminuiu o número de horas trabalhadas”, afirma Mariana Leite, pesquisadora do IDados.
“Ou pode ser que os trabalhadores que estão reentrando no mercado estejam em ocupações de carga horária mais baixa”, acrescenta.
Na prática, o crescimento da condição de subocupado entre os mais escolarizados revela que o país tem sido incapaz de se beneficiar da qualidade da mão de obra de sua população. “Isso é muito ruim do ponto de vista de produtividade”, diz Mariana. “São vários trabalhadores que não estão conseguindo desenvolver o seu maior potencial.”
Recorde de subocupados
O Brasil tem hoje um número recorde de trabalhadores subocupados. São 7,5 milhões nessa condição.
O mercado de trabalho do Brasil tem sido duramente afetado pelas sucessivas crises econômicas. O emprego ainda não tinha se recuperado do estrago causado pela recessão enfrentada entre 2014 e 2016 e levou um novo golpe com a crise provocada pela pandemia de coronavírus.
No primeiro trimestre deste ano, a taxa de desemprego chegou 14,7% no primeiro trimestre. Os números mais recentes até apontam para uma melhora, mas ela tem sido bastante tímida. No segundo trimestre, por exemplo, a desocupação recuou a 14,1%. No dado mais recente de, de agosto, foi a 13,2%.
“Estamos num momento de recuperação no mercado de trabalho, com aumento do número de ocupadas. São pessoas conseguindo algum tipo de recolocação nesse momento de regularização da crise sanitária”, afirma Cosmo Donato, economista da consultoria LCA. “Mas muita gente se recoloca e aceita ganhar menos.”
Mestre com jornada de 20 horas
Com mestrado concluído em 2019, o geólogo Fabio Luiz Vieira de Oliveira, de 42 anos, engrossa a fila dos subocupados no país. Hoje, ele dá aulas numa faculdade e só trabalha 20 horas por semana.
“Desde de 2013, eu não trabalho como CLT. Cheguei a abrir a minha empresa, mas as coisas não saíram como deveriam”, conta Fábio. “Atualmente, trabalho como professor e só dou aulas no período noturno. Não encontro um trabalho para fazer durante o dia.”
Com uma jornada de trabalho tão reduzida, o salário também é menor.
“Nesse momento, estou queimando a minha reserva (de emergência). O que eu ganho como professor não cobre as minhas despesas”, diz.
Fabio mora com a esposa e uma casal de filhos numa casa financiada por 30 anos – 10 anos já estão quitados – em São Paulo.
O orçamento doméstico mais enxuto fez com que o filho de sete anos passasse a estudar numa escola pública – a filha mais nova, de cinco anos, já iniciou a alfabetização na rede municipal. A família também não tem mais plano de saúde.
“Pelo menos, a gente consegue ter o mínimo de conforto. Temos casa, carro. Ainda conseguimos comprar o que a gente precisa”, diz. “Mas uma parte da vida acaba negligenciada. Não consigo mais viajar ou aproveitar a questão cultural.”
E o que esperar do futuro?
Num contexto de lenta retomada da atividade econômica do Brasil, os analistas não têm muita expectativa com a melhora do mercado de trabalho, o que poderia levar a uma queda no contingente de trabalhadores subocupados.
Nas projeções da consultoria LCA, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deve crescer 4,5% este ano e apenas 1% em 2022. Nesse biênio, a previsão para a taxa média de desemprego é de 13,2% e 11,7%, respectivamente.
“O Brasil vai crescer pouco (no próximo ano) e esse contingente que conseguiu se colocar no mercado de trabalho depende de uma recuperação mais efetiva para ter uma melhora na renda”, afirma Donato. “A subocupação pode se tornar um movimento mais persistente.”
Válido até o final de 2022, o novo benefício do governo Bolsonaro tem caráter eleitoreiro e exclui milhões de brasileiros. Deputados reiteram importância de um programa consolidado, como o Bolsa Família, diante de notícias sobre aumento da fome entre a população.
por Christiane Peres
Pessoas desmaiando em postos de saúde por falta de comida, revirando caminhões de lixo atrás do alimento de cada dia, pedindo ajuda nos sinais e nas ruas, explicitando a fome, o desemprego, e a falência da política adotada pelo governo Bolsonaro. Esse é o quadro de uma gestão que ignora as mazelas do povo, mesmo quando propõe a criação de um novo benefício assistencial. É o caso do Auxílio Brasil, programa que substitui o consolidado Bolsa Família, e terá fim em 2022, após as eleições.
Votado na última semana na Câmara, o Auxílio Brasil tem sido criticado por ser uma medida eleitoreira, incapaz de conter, por exemplo, o avanço da fome no país. As manchetes dos principais veículos destacavam na manhã desta segunda-feira (29) o desespero de brasileiros que têm ido aos postos de saúde pedir comida ou desmaiado nas filas para atendimento, reforçando o aumento de uma situação que havia sido abrandada no país desde a instituição de programas como o Bolsa Família e o Fome Zero.
“Quando um governo tem como escolha a política da fome, manchetes como estas se repetem. É muito triste saber que Bolsonaro acabou com o Bolsa Família, que era uma política consolidada, e criou o programa Auxílio Brasil, que deixou de fora 29 milhões de pessoas”, destacou a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).
O líder da legenda na Câmara, deputado Renildo Calheiros (PE), lamenta que o novo benefício não atenda toda a população necessitada. “O povo precisa de ajuda urgente para garantir comida na mesa e sobreviver diante de tanta inflação e carestia. Quem ficou de fora do novo auxílio como irá comer?”, questiona Renildo.
Isso porque, além de substituir o Bolsa Família, o Auxílio Brasil foi a solução bolsonarista também para o fim do auxílio emergencial. No entanto, o novo programa não conseguirá atender a soma dos beneficiados nos dois benefícios, deixando milhões de brasileiros à mercê da própria sorte.
Dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional apontam que 19,1 milhões passaram fome em um universo de 116,8 milhões que não tiveram acesso pleno e permanente à comida no final de 2020. À época, os famintos eram 9% da população, a maior taxa desde 2004.
Segundo o conselheiro consultivo da Rede, Mauro Del Grossi, 43,4 milhões de brasileiros não tinham quantidade suficiente de alimentos.
“É um quadro gravíssimo. Talvez o Haiti, quando teve um terremoto, teve uma situação parecida com essa. É um quadro dramático. 116, quase 117 milhões de pessoas vivendo em algum nível de insegurança militar, ou seja, 55% da população”, afirmou Del Grossi em audiência na Câmara na última semana.
Desse total, ainda segundo Del Grossi, 24 milhões, ou 11,5% viviam em insegurança moderada, onde os adultos comem menos do que precisam, ou do que desejam. “E outros 19 milhões de pessoas comem menos, inclusive as crianças comem menos do que precisam e do que têm necessidade”, observou.
Em entrevista ao Portal UOL, José Graziano, ex-ministro de Lula, ex-diretor geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e atual diretor do Instituto Fome Zero, afirmou que “não há uma política de combate à fome hoje no Brasil” e que o desmonte das políticas sociais está condenando o futuro de milhões de brasileiros.