por master | 12/08/21 | Ultimas Notícias
Maykon Fagundes Machado, João Batista da Cunha Ocampo Moré e Thaísa Nara Victor Francisco
Na atualidade, os avanços da Tecnologia e da Ciência têm sido pauta de grandes debates sobre o potencial impacto dos seus consequentes inventos, haja vista que afetarão exponencialmente as Relações Humanas.
Necessária a preocupação, sobretudo no que se refere à tutela da Dignidade da Pessoa Humana, pois note-se que nem sempre os consideráveis progressos científicos estão vinculados ao Bem Comum da Coletividade, mas podem surgir com a finalidade de beneficiar pequenos grupos econômicos, o que se verifica estar em dissonância com o predito na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Ulrick Beck 1 já advertiu acerca desses acontecimentos, quando enfatiza que:
[.] os riscos e ameaças atuais diferenciam-se, portanto, de seus equivalentes medievais, com frequência semelhantes fundamentalmente por conta da globalidade de seu alcance (ser humano, fauna, flora) e de suas causas modernas. São riscos da modernização. São um produto de série do maquinário industrial do progresso, sendo sistematicamente agravados com seu desenvolvimento ulterior.
Note-se que a preocupação com o Desenvolvimento Sustentável – sobretudo nas relações de trabalho, abrangido pela Dimensão Social da Sustentabilidade é anterior à própria CRFB/88, e tem claro respaldo e receptividade pela nossa Carta Maior, logo, as inovações futurísticas e inventos desse tempo não podem sufragar de forma alguma Direitos e Garantias Fundamentais.
Fala-se isso observando-se a realidade dos trabalhos formulados – esses oriundos de uma Sociedade de Informação sofisticada que acaba desprivilegiando a Dignidade da Pessoa Humana, vejamos.
Recentemente teve-se a notícia de que o aplicativo de entregas Loggi está obrigado a reconhecer vínculo trabalhista com os motoboys que utilizam a plataforma, decisão da 8ª Vara do Trabalho de São Paulo em Ação Civil Pública 2.
Discute-se certamente a manutenção do postulado da livre iniciativa em confronto com princípios de cunho social – inclusive o abalo na Economia, mas há de se salientar que a não regulação mínima de semelhantes inventos tecnológicos pode configurar em médio e longo prazos um seríssimo impulsionador de injustiças sociais.
Ora, raciocinemos, se o utilizador do Uber Eats por exemplo não possui nenhuma vinculação com a empresa que indica o serviço a ser realizado, nem ao menos com o destinatário – em um eventual acidente estão todos eximidos de Responsabilidade, a empresa com o serviço talvez realizado, e o destinatário satisfeito, já o trabalhador prejudicado, isso não se verifica razoável em um Estado Democrático de Direito.
Não se entende certamente plausível uma tutela estatal dos avanços de forma a causar prejuízo demasiado aos empreendedores que possuem certamente uma nobre intenção de trazer significativos auxílios tecnológicos para a Sociedade, entretanto uma mínima regulação nos moldes da CRFB/88 verifica-se necessária a fazer valer as conquistadas Garantias e Direitos Fundamentais – principalmente a Dignidade da Pessoa Humana.
Imperioso dizer inclusive que essa abordagem não possui caráter ideológico, nem político-partidário, mas científico – de forma a contribuir com a Ciência Jurídica no que tange a temática: Direito e Tecnologia.
Com efeito, a busca pela justiça social é uma constante evolução na história do homem, valendo-se do direito como ciência para a sua realização, de modo que o progresso tecnológico deve caminhar pari passu com a proteção dos direitos fundamentais de trabalhadores e jamais se sobrepor a valores tão caros como a dignidade da pessoa humana constitucionalizada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
É inegável que o desenvolvimento tecnológico avançado é uma realidade palpável da contemporaneidade, caminhando-se quiçá para um “Admirável Mundo Novo” de Huxley, numa visão de uma sociedade tecnológica e distópica, que é ao mesmo controlada pelo sistema político e econômico num contexto racional que não considera a vontade individual e prioriza o progresso científico em detrimento da liberdade e do humanismo.
Há que se levar em conta que os direitos sociais são fundamentais, tendo previsão expressa no art. 6º da Constituição Federal Brasileira de 1988, entre os quais se insere o direito ao trabalho, gozando o trabalhador de uma série de garantias (art. 7º) visando à melhoria da sua condição social, o que implica dizer que nenhuma relação de trabalho deve estar à margem da tutela estatal, tampouco deve existir qualquer forma de degradação da pessoa humana que não assegurem condições dignas de trabalho.
Essa aquisição constitucional decorre de um processo histórico de lutas na relação entre capital e trabalho, em que a classe proletária sempre foi vitimada pela exploração do capital, na medida em que não havia ainda uma ordem jurídica voltada para a proteção do trabalhador, o que ocorreu ao longo do tempo com a implementação de legislações de cunho social até a constitucionalização na categoria de direito fundamental estendido de forma universal à população. 3
Dessa forma, observa-se que entre a teoria e a realidade brasileira há ainda muito que fazer para que se tenha uma proximidade razoável, mormente com o advento da pós-modernidade e as consequentes mudanças operadas na sociedade, entre estas o surgimento de novas formas de trabalho que não contemplam uma proteção jurídica regulamentada, o que inevitavelmente fragilizará as relações entre capital e trabalho, no sentido de que o trabalhador se tornará vulnerável pela ausência de critérios normativos para a tutela estatal.
O mundo pós-moderno operou verdadeira quebra de conceitos pré-estabelecidos, uma virada de valores e uma fluidez de paradigmas jamais experimentada, tornando tarefa difícil uma produção legislativa que acompanhe o ritmo veloz com que tais mudanças ocorrem, o que favorece por sua vez uma menor proteção aos hipossuficientes, entre estes os trabalhadores que servirão de mão-de-obra para as novas demandas que vicejam na pós-modernidade, havendo por outro lado uma progressiva defasagem e eliminação de trabalhos e profissões que não mais se enquadram na realidade social, muito embora sejam regulamentadas por lei e gozem de uma proteção do Estado.
Nessas condições, deve-se buscar o realismo jurídico de modo a tornar a lei mais responsiva às necessidades sociais. O direito responsivo consiste em encontrar uma resposta para os problemas de modo substantivo e não pela mera formalidade legal, de modo a se tornar adaptável seletivamente, e conservar “a capacidade de compreender o que é essencial à sua integridade e ao mesmo tempo levar em consideração as novas forças do ambiente social.” 4
Na esteira de Bobbio, “a efetivação de uma maior proteção dos direitos do homem está ligada ao desenvolvimento global da civilização humana” 5, desenvolvimento este não meramente tecnológico, mas que esteja revestido por uma ética humanística que diminua a desigualdade social e dignifique o trabalhador na sua condição de pessoa humana dotada de garantias fundamentais, devendo-se buscar para tanto um direito realista responsivo que possa concretizar a justiça substantiva.
Na era da internet e, por consequência, do mundo virtual, o que se observa cada vez mais é a perda da identidade física das pessoas, em que relações negociais e de trabalho são estabelecidas à distância, juntamente com a tomada de decisões, sem que haja um contato presencial mais próximo entre patrão e empregado, o que de certa forma torna mais ágil o processo e mais econômico, na medida em que as informações são digitalizadas de modo instantâneo com menor custo operacional e maior produtividade, mas que por outro lado quebra a possibilidade de um diálogo interativo voltado para o consenso e ponderação quanto aos direitos trabalhistas dessa nova era.
Referido quadro se tornou mais evidente quando entrou em cena a Covid-19, no começo de 2020, e o mundo passou por uma transformação social sem precedentes em toda a sua história, em que por força da letalidade viral foi determinado o distanciamento social juntamente com o fechamento de fábricas e de estabelecimentos comerciais (lockdown), e por consequência a virtualização da prestação de serviços não mais no local de trabalho mas sim a partir de ambientes isolados (home office), o que evidentemente trouxe pesadas perdas à economia e, mormente, ao trabalhador, seja pelo desemprego ocasionado, seja pela não adaptação à nova realidade.
É certo que vivemos em um sociedade pós-moderna de risco, em que “a produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos” 6; é certo também que cabe ao direito regular esta questão, assegurando a todos a segurança jurídica necessária em conformidade com os direitos constitucionais. Contudo, diante da inesperada pandemia, ocorreu um enorme vácuo legislativo para regular situações inéditas, fragilizando ainda mais a relação capital trabalho em detrimento do trabalhador assalariado ou autônomo.
Diante do cenário agravado e acelerado pelo caos pandêmico, é imprescindível que a sociedade aberta se mobilize rapidamente para que por meio do debate político e democrático se encontrem as soluções jurídicas viáveis para resguardar o status quo do trabalhador que se encontra alijado dos seus direitos fundamentais, evitando assim a precarização do seu ofício e da sua própria dignidade que se vê privada do mínimo existencial em clara contradição com o espírito da mens legis constitucional.
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BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Tradução Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
NONET, Phillipe; SELZNICK, Philip. Direito e Sociedade: a transição ao sistema jurídico responsivo. Tradução Vera Pereira. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2010.
REDAÇÃO. Motoboys têm vínculo de emprego com a Loggi, define Vara de São Paulo. Revista Consultor Jurídico – CONJUR. Disponível aqui.
SIMÕES, Carlos. Teoria & Crítica dos Direitos Sociais: O Estado Social e o Estado Democrático de Direito. São Paulo: Cortez Editora, 2013.
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1 BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 26.
2 REDAÇÃO. Motoboys têm vínculo de emprego com a Loggi, define Vara de São Paulo. Revista Consultor Jurídico – CONJUR. Acesso em: 05 ago. 2021.
3 SIMÕES, Carlos. Teoria & Crítica dos Direitos Sociais: O Estado Social e o Estado Democrático de Direito. São Paulo: Cortez Editora, 2013, p. 189.
4 NONET, Phillipe; SELZNICK, Philip. Direito e Sociedade: a transição ao sistema jurídico responsivo. Tradução Vera Pereira. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2010, pp. 121-125.
5 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Tradução Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 44.
6 BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 23.
Maykon Fagundes Machado
Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI – SC. Bolsista FAPESC-UNIVALI. Pós-Graduando em Jurisdição Federal pela Escola da Magistratura Federal do Estado de Santa Catarina – ESMAFESC. Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, com o título Mérito Estudantil. Advogado. E-mail: adv.maykonfagundes@gmail.com.
João Batista da Cunha Ocampo Moré
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e em Administração de Empresas pela UDESC-ESAG. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí e a Universidade de Perugia-IT. Juiz de Direito do Estado de Santa Catarina.
Thaísa Nara Victor Francisco
Acadêmica do curso de Direito da Universidade do Vale de Itajaí – UNIVALI. Estudante integrante do grupo de pesquisa “Direito Ambiental, Transnacionalidade e sustentabilidade”.
Migalhas
https://www.migalhas.com.br/depeso/349894/a-precarizacao-do-trabalho-sob-a-otica-do-direito-4-0
por master | 11/08/21 | Ultimas Notícias
A Conclat de agosto de 1981 inseriu os trabalhadores no debate sobre a volta da democracia
Ricardo Patah, Adílson Araújo e Miguel Torres
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 06 de Agosto de 2021 às 15:55
Um novo ânimo no movimento sindical, como ocorreu há 40 anos, na 1ª Conferência da Classe Trabalhadora, a Conclat, é fundamental para avançarmos.
A Conclat de agosto de 1981 inseriu os trabalhadores no debate sobre a volta da democracia, além de discutir a estrutura sindical e de lançar as bases para as centrais contemporâneas.
Por isso foi um marco que influenciou o movimento nestas quatro décadas. A estrutura sindical, todavia, não mudou. Ela permaneceu a mesma criada durante o governo de Getúlio Vargas. Prevaleceu a universalização da representação – a organização sindical por categoria, e a proposta de pluralidade, ou mais de um sindicato por categoria no município, não avançou.
As centrais sindicais surgiram sob esta base, que garantiu condições para grandes greves e movimentos que mobilizaram o conjunto das categorias, evitando a fragmentação e a dispersão da luta.
Em um esforço de fazer avançar ideias que foram levantadas na Conclat, mas que vinham desde muito antes, das Greves de 1978 e 1979, do CGT de 1962, da Greve de 1953, até antes, as centrais sindicais consagraram a participação dos trabalhadores na política. Desta forma, ultrapassaram uma fronteira, uma vez que, em um país em que os principais processos de emancipação foram feitos através de acordos e interesses das classes dominantes, organizações de trabalhadores em âmbito nacional e com influência política são inesperadas e indesejadas pela elite que se formou desde as capitanias hereditárias.
Esta elite sempre tentou acabar com o movimento sindical que, por sua vez, sempre se mostrou altamente resiliente. Sempre tentou nos diminuir no plano subjetivo, vendendo a falsa ideia de que o sindicalismo é coisa velha e fora de moda. E no plano objetivo, tramando leis que escancaradamente ferem a Constituição de 1988.
As duas formas, subjetiva e objetiva, são complementares. O establishment dissemina no senso comum uma ideologia (falsa) que condena os sindicatos, enquanto empresários, ruralistas, banqueiros e rentistas, articulados com seus representantes no parlamento, sentem-se seguros para liquidar as leis que dispõe sobre a vida do trabalhador.
Foi em um cenário como este que os sindicatos, especialmente as centrais sindicais, foram covardemente atacados em 2017, na maior retirada de direitos da história.
O site Consultor Jurídico informou, em novembro de 2020, que desde 2017, foram ajuizadas perante o STF 34 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que questionam pontos da reforma trabalhista. Na matéria, o professor de Direito do Trabalho, Ricardo Calcini, afirmou que “Essa grande judicialização que chegou ao STF comprova que entidades de classe, sindicatos, magistrados, professores, enfim, a sociedade civil como um todo deixou de ser ouvida e de participar do processo de aprovação da lei da reforma trabalhista” e que “a reforma foi aprovada de forma relâmpago, sem prévio debate, para cumprir um objetivo do governo federal à época”. Além disso, desde o advento da reforma, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem denunciado a violação de uma série de convenções internacionais das quais o Brasil é signatário.
Isso mostra como tratou-se de um verdadeiro golpe político, uma ação arbitrária que resulta também em opressão da liberdade e dos direitos, a exemplo do que aconteceu em 1964 e 1968. Esta é uma forma de destruir a democracia.
Por tudo isso hoje, após 40 anos da Conclat, um amplo debate sobre o sindicalismo se impõe novamente. Pelo fortalecimento da ação política das centrais sindicais e também pela democracia, já que nos deparamos com uma crise que resgata nuances do passado sombrio da ditadura militar.
Como princípio da discussão, reiteramos que o plano ideológico deve estar claro e bem assimilado. Para manter uma situação desfavorável aos trabalhadores sob os pilares da democracia eleitoral, o fetiche do individualismo liberal é disseminado por aqueles que se beneficiam da injustiça social. E, infelizmente, às vezes de forma até ingênua, é reproduzido pelo lado mais frágil da desigualdade. Há aí uma ambiguidade perigosa: o individualismo liberal vende a ideia de que cada um deve ter a liberdade de ser o que quer e se diferenciar dos demais. Mas, no mundo capitalista, um trabalhador sozinho é apenas mais uma peça substituível, enquanto um trabalhador em sua organização é o sujeito ativo da dinâmica social, capaz de contrabalancear a injustiça intrínseca a tal modo de produção.
Desconstruindo o fetiche do individualismo liberal entendemos que o sindicalismo é, na verdade, uma das forças mais modernas e civilizatórias da sociedade. O trabalhador consciente e organizado se distancia do servo subserviente e ganha em altivez e identidade própria porque cresce na ação coletiva, conhecendo-se, desenvolvendo novas habilidades e reforçando sua individualidade e personalidade.
Essa ideia precisa ser reforçada a cada dia. Reforçada em um processo de superação da fase de retrocessos que vivemos desde 2016 e de retomada do desenvolvimento do país.
O momento é de resistência e de luta para a recuperação de direitos, não de propor mudanças estruturais. Não sob as bases da reforma trabalhista e do governo Bolsonaro. Só em uma situação de normalidade política e que assegure a liberdade de organização sindical, que reconheça os sindicatos como representantes legítimos e soberanos dos trabalhadores, que respeite as negociações e as convenções coletivas, indicando inclusive as formas de custeio para que os trabalhadores sejam representados de forma equilibrada, é seguro debater sobre a evolução da nossa estrutura e buscar avançar em todos os níveis, para o bem dos trabalhadores.
Desta forma afirmamos que o debate sobre o sindicalismo deve se situar no contexto nacional e não se limitar à uma lógica interna. A situação do trabalhador e das relações de trabalho deve ser considerada sob uma ideologia progressista e, como há 40 anos, quando o Brasil atravessava um período de abertura e redemocratização, sendo a Conclat parte importante daquele processo, hoje a realidade que nos cerca exige que nos posicionemos para que este seja também um momento de travessia e superação. Para que estejamos de fato em um caminho de retomada de uma situação de prosperidade, esperança, paz e justiça social.
*Miguel Torres é presidente da Força Sindical.
**Ricardo Patah é presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT).
***Adílson Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
****Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo
por master | 11/08/21 | Ultimas Notícias
Na crise hídrica no Brasil, os reservatórios nacionais estão apenas 40% de água armazenada.
José Josivaldo*
Brasil de Fato | Fortaleza (CE) | 08 de Agosto de 2021 às 13:38
Com o discurso de seca na região sudeste se camufla a realidade para justificar aumentos abusivos nas contas de luz de povo brasileiro, permitindo aos empresários lucrar muito mesmo em período de pandemia do covid-19 e com a crise hídrica.
O governo Bolsonaro e os agentes empresariais que controlam o setor elétrico nacional afirmam que há uma crise de escassez hídrica que levou ao esvaziamento dos reservatórios das usinas hidrelétricas. Segundo seus argumentos, a região sudeste passa pela pior seca dos últimos 91 anos.
Para lidar com essa realidade, o governo Bolsonaro publicou a MP 1.055, de 28 de junho de 2021, que prevê ações emergenciais e regras excepcionais para o uso dos recursos hidro energéticos. Na mesma lei, autorizou que os custos serão ressarcidos por meio da conta de luz da população. Ou seja, o povo vai pagar a conta. Para evitar desgastes políticos, aterrorizam a população brasileira com campanhas publicitárias cuja mensagem é que estamos sendo castigados pela falta de chuva. Se não formos “educados” o bastante para um suposto “consumo racional”, seremos castigados com racionamentos de energia elétrica e aumentos na conta de luz, esse foi o pronunciamento nacional do ministro de minas e energia, Bento Albuquerque, em 28 de junho de 2021.
Os reservatórios nacionais estão apenas 40% de água armazenada, a segunda pior situação desde a privatização do setor na década de 1990. Aqui residem as mentiras e ocultamentos, como mostraremos a seguir. Os dados do Operador Nacional do Sistema (ONS), revelam que o volume de água que entrou nos reservatórios das hidrelétricas no último ano é o quarto melhor da última década, equivalente a 51.550 MW médios. No entanto, o volume de energia produzida por hidrelétricas ficou em 47.300 MW médios, ou seja, 4.250 MW médios abaixo da quantidade de água que entrou nos reservatórios no mesmo período, o equivalente a uma usina de Belo Monte.
Para se ter uma ideia, enquanto dezenas de hidrelétricas estatais vendem energia a R$ 65,00/MWh, dezenas de usinas térmicas estão sendo autorizadas a funcionar cobrando acima de mil reais pela mesma quantidade de energia. A exemplo, a usina térmica William Arjona (MS), foi autorizada pela ANEEL a cobrar R$ 1.520,87/MWh. Isso beneficia os empresários e vai para a conta de luz do povo.
Estes empresários estão recebendo dinheiro cobrado nas contas de luz via bandeiras tarifárias. Após fala do ministro de Minas e Energia, a Aneel autorizou aumento de 52% na bandeira vermelha, patamar 2. A cobrança passou de R$ 6,24 para R$ 9,49 a cada 100 kWh. Isto representa 17% na conta de luz dos consumidores residenciais, sendo que o povo vai pagar R$ 2,5 bilhões por mês.
A culpa não é do povo nem do clima
A farsa da crise hídrica revela que, em plena pandemia, prevalece a especulação financeira e o parasitismo privado no controle das usinas hidrelétricas e termelétricas. Essa é a consequência mais brutal da privatização e destruição da soberania energética, que agora se aprofunda com a privatização da Eletrobrás. Por outro lado, o governo e as instituições de Estado que comandam a política energética, estão capturados pela burguesia financeira e grupos empresariais do setor elétrico. Agem como serviçais para entregar a Eletrobrás praticamente de graça o mais rápido possível.
Prevendo aumentos abusivos nas contas de luz, o governo Bolsonaro tenta construir uma narrativa que joga a culpa no clima e no povo.
O responsável pela situação atual é o governo Bolsonaro, o sistema financeiro e empresas transnacionais que tomaram conta do sistema elétrico nacional.
O povo brasileiro e classe que trabalha, não pode aceitar tamanha agressão. É necessário um amplo processo de debate com toda a sociedade brasileira, no qual se esclareçam os verdadeiros fatos e os reais interesses por trás dessa farsa. Ao mesmo tempo, precisamos organizar as massas do povo e lutar para derrotar até o fim e a fundo a política energética em curso, liderada por um governo entreguista com características neofacistas. É necessário construir uma nova política para o setor energético nacional, com soberania, distribuição da riqueza e controle popular.
*Militante da coordenação do MAB Brasil
Fonte: BdF Ceará
Edição: Monyse Ravena
por master | 11/08/21 | Ultimas Notícias
Dentre as diversas opressões exercidas sobre o continente, movimentos suscitam plataforma de uma cidadania universal
Marcelo Barros
Brasil de Fato | São Paulo | 09 de Agosto de 2021 às 14:51
Entre as propostas mais desafiadoras que vivemos na América Latina e Caribe, está a retomada do sonho de profetas da libertação como Simon Bolívar na Venezuela, José Martí em Cuba e tantos outros e outras que nos propõem fazer da América Latina e Caribe uma pátria grande ou Nuestra América. Entre os grupos e iniciativas da sociedade civil internacional, os núcleos já formados em diversos países do coletivo que se denomina “Ágora dos/das Habitantes da Terra” têm suscitado como plataforma básica de ação a consciência de uma cidadania universal.
Como concretização desse programa urgente, o grupo da Ágora Brasil se sente convocado pelo apelo latino-americano, relançado nesses dias por um grupo de ministros de países latino-americanos no México para reforçar os organismos de integração da pátria grande.
Este mês de julho de 2021 foi marcado por novas agressões que o bloqueio do Império dos Estados Unidos e a guerra midiática que ele patrocina perpetraram contra o povo e o governo de Cuba e da Venezuela. As respostas de grande parte da sociedade civil e dos movimentos sociais organizados nos dois países foram de solidariedade e de resistência e unidade. Mesmo em meio a realidade difícil, a maior parte das pessoas tem consciência de que as situações realmente lastimáveis são provocadas pelo Império que quer dominar o continente e o mundo.
Na direção contrária a isso, temos de recorrer a uma ampliação e democratização do conceito de cidadania. Onde há discriminação econômica, nunca se realizará verdadeira democracia social e política. Apesar de que, em quase todo o mundo, homens e mulheres, das mais diferentes raças e cores, conquistaram, ao menos juridicamente, a igualdade perante a lei e o reconhecimento de sua dignidade e direitos humanos, na atual forma como o mundo está organizado, a vida de alguém branco e com documentos de identidade da Europa Ocidental ou dos Estados Unidos, vale mais do que a vida de cem africanos ou latino-americanos.
Além disso, em quase toda a América Latina, os povos originários ainda são socialmente marginalizados. É urgente libertar muitos trabalhadores e trabalhadoras, urbanas/os e rurais, ainda mantidos em regimes equivalentes à escravidão. Em quase todos os países, ser negro significa também ser pobre. Além disso, a mulher, por ser mulher, ainda sofre discriminações.
Transformar essa realidade só é possível através de lutas em várias instâncias, desde as políticas de base até o apoio à autonomia dos países e o direito de cada povo escolher o governo que quiser.
O desafio ecológico e a sustentabilidade do planeta exigem mudanças civilizatórias e isso está sendo assumido e discutido pelos grupos de base, movimentos sociais e setores conscientes da sociedade civil.
Muitas pessoas e grupos ligam estes processos sociais transformadores à busca de uma espiritualidade que contempla no universo e em cada ser humano a presença divina do Espírito que é Amor e fonte de amor. Para quem busca viver a mensagem profética vinda da tradição judaica e cristã, fortalecer núcleos locais ou regionais da Ágora dos/das Habitantes da Terra é um modo atual e laical de atualizar o primeiro movimento do profeta Jesus e contaminar o mundo de pequenos núcleos de amorosidade e justiça transformadoras, testemunhas do projeto divino de paz, justiça e libertação para a humanidade e todos os seres vivos.
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal
Edição: Arturo Hartmann
por master | 11/08/21 | Ultimas Notícias
A história desse episódio começou no dia 25 de agosto, quando Jânio Quadros surpreendeu e renunciou à Presidência
Marco Aurélio dos Santos
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 11 de Agosto de 2021 às 08:40
Brizola montou nos porões do Palácio do Piratini, sede do governo gaúcho, a Rede da Legalidade, onde convocou os batalhões do exército e o povo às ruas para barrar o golpe – Reprodução
Entre o final de agosto e início de setembro de 1961, Leonel Brizola liderou a campanha da Legalidade. A história desse importante episódio começou no dia 25 de agosto, quando Jânio Quadros surpreendeu o país e renunciou à Presidência. A renúncia estimulou os setores golpistas a atuarem para impedir a posse do então vice-presidente da República, João Goulart.
Jango estava realizando uma viagem para diversos países do “bloco comunista”, num contexto de Guerra Fria e polarização ideológica. A comitiva deixou o Brasil no final de julho e no dia da renúncia de Jânio Quadros a missão comercial ainda estava na China.
A crise que se seguiu foi tão grande que o Brasil quase entrou em guerra civil. Tropas contrárias à posse de Jango, visto erroneamente como esquerdista/comunista, foram mobilizadas e as forças do trabalhismo, com Brizola à frente, reagiram. Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, mobilizou a população, montou um verdadeiro bunker no Palácio Piratini e criou, com a ajuda de muitos partidários, um canal de comunicação chamado “Rede da Legalidade”. Armas foram distribuídas para a população, que se aglomerou em Porto Alegre, em frente à sede do governo riograndense. A luta que se travou era pelo respeito à Constituição e pela defesa da ordem democrática e isso significava que João Goulart deveria assumir a presidência.
No dia 30 de agosto, Brizola teria proferido um discurso histórico, dizendo, entre outras palavras de ordem, que “o primeiro tiro a ser disparado não será nosso. No segundo, porém, não erraremos o alvo, pois somos bons atiradores”. A histórica frase é um exemplo claro que demonstra que, em vários momentos da história do Brasil, a democracia esteve ameaçada e teve de ser defendida com o povo nas ruas.
A Legalidade venceu e João Goulart assumiu a presidência no dia 7 de setembro, tendo de governar com poderes restritos após a aprovação da emenda parlamentarista. Aqui, então, iniciava-se outra História que iria desembocar no retorno ao presidencialismo em janeiro de 1963 e no fatídico 31 de março de 1964.
*Marco Aurélio dos Santos é historiador.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.