O senador americano Lindsey Graham fez uma ameaça sobre a possibilidade de os Estados Unidos aplicarem tarifa adicional a países que continuarem comprando petróleo da Rússia, citando a possibilidade de impor uma alíquota de 100%. O Brasil seria um dos potenciais alvos.
“Se vocês continuarem comprando petróleo barato da Rússia para permitir que essa guerra continue, nós vamos colocar um inferno de tarifas, esmagando a sua economia”, disse o parlamentar da Carolina do Sul em entrevista à Fox News nesta segunda-feira, 21.
“China, Índia e Brasil. Esses três países compram 80% do petróleo russo barato e é assim que a máquina de guerra de Putin continua funcionando”, disse. “Se isso continuar, vamos impor 100% de tarifa para esses países. Punindo-os por ajudar a Rússia”, afirmou.
“Putin pode sobreviver às sanções, sem dar relevância a elas, e tem soldados. Mas a China, Índia e o Brasil vão ter de fazer uma escolha entre a economia americana e a ajuda a Putin”.
“O jogo mudou em relação a você, presidente Putin”, declarou, citando ainda que os EUA continuarão mandando armas para que a Ucrânia possa revidar aos ataques russos.
Winter viveu durante 10 anos na América Latina em países como o Brasil, Argentina e México. Ele é editor-chefe da revista Americas Quarterly, vinculada ao centro de pesquisa e debate Conselho das Américas, sediado nos Estados Unidos.
Em entrevista à BBC News Brasil, Winter afirma que não há sinais de que Donald Trump possa recuar das medidas adotadas até agora e ele diz esperar que, nos próximos dias, mais sanções contra o país ou autoridades sejam anunciadas.
Para Winter, dois motivos ajudam a explicar a suposta persistência de Trump em atingir o Brasil. O primeiro seria o baixo custo de um embate com o Brasil.
“Minha impressão é que esta Casa Branca vê o Brasil como um alvo perfeito de baixo custo. Eles veem pouco ou nenhum prejuízo para o presidente Trump nesse confronto”, diz o brasilianista.
O segundo motivo é que, na avaliação de Winter, Trump levou o caso brasileiro para o lado pessoal. Para o analista, Trump enxerga o caso de Bolsonaro como um espelho da sua própria situação nos Estados Unidos.
“O presidente Trump realmente parece ver essa luta em termos pessoais. Ele acredita que há paralelos quase perfeitos entre o que ele viu como uma perseguição criminal contra ele e o caso que o presidente Bolsonaro está enfrentando.”
Winter alerta que o confronto entre os dois países pode se intensificar caso Bolsonaro seja preso.
“Se isso acontecer, acho que o presidente Trump usará todas as ferramentas à sua disposição.”
Sobre as críticas de Trump ao sistema político brasileiro, Winter reconhece que há pontos a serem discutidos, mas rejeita a tese de que o Brasil vive um regime autoritário.
“Não, eu não descreveria o Brasil como um regime autoritário. Eu o descreveria como uma democracia onde a liberdade de expressão foi restringida nos últimos anos de formas que, como americano, me causam desconforto.”
Para o analista, o cenário atual seria agravado pela suposta ausência de diálogo entre os governos Lula e Trump. “O Brasil tem uma embaixadora muito competente em Washington, mas, nos níveis mais altos, entendo que não houve muita comunicação entre os dois governos.”
Aparentando certo pessimismo, Winter diz não vislumbrar possibilidades de normalização das relações entre os dois países no curto prazo. Se nos Estados UnidosDonald Trump não veria motivos para recuar, no Brasil, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a oposição liderada por Bolsonaro parecem, na avaliação de Winter, engajadas em manter o conflito em altas temperaturas.
“De todos os lados eu ouço um certo entusiasmo por uma escalada do conflito. Ou, pelo menos, uma resignação de que ela é inevitável”.
Confira os principais trechos da entrevista abaixo:
BBC News Brasil – O Brasil corre o risco de ter seus produtos tarifados em 50% pelos Estados Unidos, ministros do STF estão sob sanção e o presidente dos EUA não descarta novas medidas. O Brasil está sob ataque?
Brian Winter – Eu não vejo condições para um cessar-fogo agora. Na verdade, acho que vai piorar antes de melhorar. Devemos ver mais sanções vindas do governo Trump nesta semana e temos uma crise clara no horizonte de médio prazo, que é a possibilidade de Jair Bolsonaro ser preso ou colocado em prisão domiciliar.
Estive em Brasília em junho e a expectativa quase unânime era de que isso aconteceria antes do final do ano, talvez já em agosto. O presidente Trump às vezes age quase como um pêndulo. E o pêndulo agora está balançando de volta para as tarifas, não apenas para o Brasil, mas para países do mundo todo. Ele está em modo de combate.
E minha impressão é que esta Casa Branca vê o Brasil como um alvo perfeito de baixo custo. Eles veem pouco ou nenhum prejuízo para o presidente Trump nesse confronto.
Por outro lado, parece que a família Bolsonaro vê esse confronto como um caminho para a liberdade e talvez até para retomar o poder nas eleições de 2026, mesmo que o país acabe prejudicado no curto e médio prazo. E acho que o presidente Lula claramente também vê possíveis ganhos com esse confronto. De todos os lados eu ouço um certo entusiasmo por uma escalada do conflito. Ou, pelo menos, uma resignação de que ela é inevitável.
BBC News Brasil – Você acredita que Trump tomará mais medidas contra o Brasil se Bolsonaro for preso?
Winter – Sem dúvida. Se isso acontecer, acho que o presidente Trump usará todas as ferramentas à sua disposição. E, para listar quais podem ser essas ferramentas, é importante lembrar as ameaças que ele fez contra a Colômbia e seu presidente, Gustavo Petro, em janeiro, quando Petro se recusou a receber voos de deportação dos Estados Unidos […] As ameaças de Trump incluíam não apenas tarifas, mas o fim do processamento de vistos para colombianos e também sanções do Tesouro e do OFAC (sigla em inglês para Agência de Controle de Ativos Estrangeiros), que provavelmente destruiriam a economia colombiana.
Minha preocupação é que essas opções ainda estejam na mesa no caso do Brasil, porque o presidente Trump realmente parece ver essa luta em termos pessoais. Ele acredita que há paralelos quase perfeitos entre o que ele viu como uma perseguição criminal contra ele e o caso que o [ex] presidente Bolsonaro está enfrentando. E por isso, não sei se há limites para o que Trump e seus assessores estão dispostos a fazer para garantir não apenas a liberdade, mas também os direitos políticos da família Bolsonaro.
BBC News Brasil – Você mencionou que o Brasil seria, para o governo Trump, um inimigo de baixo custo. Mas o que Trump tem a ganhar sobre o Brasil?
Winter – Vejo alguma divergência entre os objetivos do presidente Trump e suas táticas. Seu objetivo é claramente fazer com que as acusações criminais contra Bolsonaro sejam retiradas, usando o poder econômico dos Estados Unidos.
Tenho sérias dúvidas se sanções, tarifas e outras medidas alcançarão isso. Na verdade, pode piorar a situação, pois até agora isso mobilizou não apenas Lula e seus apoiadores, mas também figuras muito poderosas na política brasileira, como os presidentes das duas Casas do Congresso (Hugo Motta, na Câmara dos Deputados e Davi Alcolumbre, no Senado) a se manifestarem em defesa, senão do governo, mas pelo menos em torno da ideia de soberania nacional e de que o sistema judiciário brasileiro não deve ser submetido a pressões externas.
Essas táticas correm o risco de prejudicar ainda mais a família Bolsonaro, mas não tenho certeza de que a Casa Branca veja dessa forma.
BBC News Brasil – Trump e seus aliados afirmam que o Brasil vive hoje sob um regime autoritário marcado pela censura. Quão precisa é essa descrição, na sua opinião?
Winter – Mesmo em tempos bons, é difícil para os americanos entenderem o Brasil. O país não é como outros países da América Latina, já que o Brasil faz parte de forma muito menos intensa da órbita dos Estados Unidos.
Por um lado, acho que as instituições brasileiras foram testadas nos últimos 10 anos e, às vezes, funcionaram bem. Mas também é difícil argumentar que o STF e seus integrantes sempre atuaram de forma perfeita e apolítica.
Acho que há questões reais sobre algumas decisões tomadas por Alexandre de Moraes. E não falo apenas de críticas da direita global. Pessoas razoáveis, preocupadas com excessos, também levantaram dúvidas sobre algumas decisões dos últimos anos.
Isso também faz parte de um debate global sobre liberdade de expressão no ambiente digital, nas redes sociais e em outros espaços e sobre o que deve ser permitido.
Não é só o Brasil que toma decisões assim. A Alemanha e a Inglaterra também o fazem. Dizem que o Brasil não é para principiantes e este é um exemplo claro disso.
BBC News Brasil – Mas você descreveria o Brasil como um regime autoritário?
Winter – Não, eu não descreveria o Brasil como um regime autoritário. Eu o descreveria como uma democracia onde a liberdade de expressão foi restringida nos últimos anos de formas que, como americano, me causam desconforto.
Cada um tem sua opinião sobre isso. Sou um americano que começou a carreira como jornalista. Preferiria ver os governos restringirem o discurso o mínimo possível.
Mas também reconheço que o sistema e a história do Brasil são diferentes, com sensibilidades específicas por conta do passado recente de ditadura e do risco de retorno a esse modelo.
Lula e Trump vêm protagonizando, segundo especialistas, o pior momento das relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos — Foto: Getty Images via BBC
BBC News Brasil – Você disse que não é apenas o Brasil que tem tomado medidas relacionadas à regulação das redes sociais e da liberdade de expressão. Considerando o que aconteceu com o Brasil, você acredita que ele foi afetado de forma desproporcional pela retórica e pelas ações de Trump em comparação a outros países?
Winter – Sem dúvida. Atualmente, Trump tem uma política mais dura contra o Brasil do que contra a Venezuela ou a Nicarágua. Se você olhar para as sanções e tarifas prestes a serem implementadas, como explicar isso?
A explicação é: porque é pessoal. Essa é uma briga que Trump e seus aliados estão ansiosos para travar. Politicamente, é uma narrativa que é, ao menos superficialmente, fácil de entender: “Bolsonaro está sendo perseguido da mesma forma que eu fui”.
Também é importante notar que, em seus confrontos com outros países da América Latina até agora, Trump geralmente venceu: com a Colômbia sobre deportações; com o México sobre segurança nas fronteiras, e com o Panamá sobre a presença chinesa perto do canal.
As ameaças de Trump foram seguidas por delegações governamentais voando para Washington com urgência para negociar. E isso, até onde sei, não aconteceu com o Brasil.
BBC News Brasil – Qual tem sido o papel de Eduardo Bolsonaro na formação desse cenário e na construção dessa ideia de que se trata de uma questão pessoal?
Winter – Acho que Eduardo Bolsonaro tem feito um trabalho muito eficaz, com ajuda de outros brasileiros que vivem nos Estados Unidos, na promoção de uma certa narrativa em Washington.
Ele conseguiu acesso aos centros de poder nos Estados Unidos, tanto na Casa Branca quanto no Departamento de Estado e no Congresso. Ele é um comunicador eficaz. Mas também não acho que devamos superestimar o papel dele.
Há outros integrantes do universo Trump que tiveram experiências negativas com o Brasil, especialmente com o ministro Alexandre de Moraes.
BBC News Brasil – Você escreveu no início do ano que o principal fator de desestabilização na América Latina estaria em Mar-a-Lago, condomínio onde Trump vive na Flórida. Até que ponto, se é que em algum, o governo do presidente Lula contribuiu para o cenário atual?
Winter – Em certos aspectos, é difícil (dizer isso), porque eu entendo que, em um país como o Brasil, o presidente Lula não pode, com um telefonema, encerrar acusações criminais contra o presidente Bolsonaro, sua família e seus aliados. O sistema brasileiro não funciona assim […]
Dito isso, eu me pergunto se não deveria ter havido mais questionamentos sobre algumas das decisões tomadas por membros do STF nos últimos anos.
Foram decisões que testaram os limites do que é legal. Vi muitas dúvidas sobre decisões específicas, como por exemplo, a que restringiu o uso das redes sociais por Bolsonaro ou sua comunicação com o filho (Eduardo Bolsonaro, por estar sob investigação), após a decisão da sexta-feira passada (18/07). São decisões difíceis de entender nos Estados Unidos.
Há também um desafio adicional, que é a falta de contato entre o governo Lula e o governo Trump. O Brasil tem uma embaixadora muito competente em Washington, mas, nos níveis mais altos, entendo que não houve muita comunicação entre os dois governos. E se, como eu, o governo acreditava que um confronto era inevitável, talvez fosse o caso tentar cultivar esses contatos. Mas isso já passou.
Agora, a conversa precisa se voltar a formas de conter os danos e, eventualmente, encontrar uma saída para esse confronto.
BBC News Brasil – Você vê caminhos para a normalização das relações entre Brasil e Estados Unidos, considerando essa falta de canais de comunicação que você acaba de descrever?
Winter – Não acho que o clima atual seja de pacificação. Recentemente, assisti a um filme chamado 13 Dias que abalaram o mundo, sobre a crise dos mísseis em Cuba, e naquele caso encontraram uma saída para o confronto. Mas dependia de ambos os lados quererem evitar a guerra. E acho que, agora, todos os lados no Brasil, pelo menos por enquanto, parecem querer continuar escalando o conflito. Não acho que o presidente Trump esteja interessado em desescalar agora.
Talvez Trump pudesse dizer que as sanções estão suspensas, mas só um pedido da família Bolsonaro, e acho que especificamente do ex-presidente Jair Bolsonaro, poderia convencer, teoricamente, Trump a fazer isso.
Mas parece que a família Bolsonaro não quer fazer isso neste momento, porque ainda têm esperanças de que esse confronto traga o que eles querem: liberdade e talvez o retorno ao poder em 2026 […]
O presidente Trump costuma conseguir o que quer. Ele é persistente e usará todas as ferramentas disponíveis para atingir seus objetivos.
No curto prazo, o foco precisa ser conter os danos. Empresas do setor privado nos dois países estão atuando nos bastidores para, ao menos, limitar o número de ferramentas que serão usadas. Veremos se isso será eficaz.
BBC News Brasil – Trump vinculou as tarifas ao julgamento de Bolsonaro no STF e à forma como a Corte lida com as redes sociais. O governo brasileiro tem algo com o que negociar neste momento?
Winter – Acho que é importante conversar, não importa o que aconteça nessas situações, e já vimos outros países fazerem isso.
Eu apontaria para o governo de Claudia Sheinbaum, no México, como um exemplo de governo que acertou o tom e o conteúdo das negociações com a administração Trump e, por sinal, em situações em que os riscos eram maiores do que os enfrentados atualmente pelo Brasil.
O México estava prestes a perder o acesso a um mercado para o qual envia 80% de suas exportações, sendo um país muito mais dependente do comércio do que o Brasil.
Sheinbaum conseguiu evitar uma linguagem confrontacional com Trump. Ela conseguiu adaptar parte da retórica de Trump a um contexto mexicano de maneira que soava sincera.
Acho que, dentro desse modelo, existe um caminho para que o Brasil possa iniciar conversas, considerando que os dois países têm grandes mercados, uma longa história de cooperação e estão em busca de melhores condições para suas classes trabalhadoras. Mas também não quero parecer ingênuo.
Está claro, como já disse, que o principal ponto aqui para Trump é o julgamento de Bolsonaro. E é verdade: essa é uma área sobre a qual, no momento, não vejo nada que o governo Lula possa discutir, porque o Brasil simplesmente não funciona dessa forma.
BBC News Brasil – Você mencionou que, neste momento, no Brasil, todos os lados parecem interessados em escalar o conflito. Quando você diz “todos os lados”, está incluindo o governo brasileiro, o presidente Lula. Qual o interesse do presidente Lula em aumentar a tensão com os Estados Unidos?
Winter – Não quero exagerar esse ponto. Acho que teria sido melhor para Lula se nada disso tivesse acontecido. Não acho que tenha sido uma briga que o presidente Lula buscou ativamente, como os outros lados dessa disputa fizeram. Mas agora que ela está posta, o governo parece ver algumas vantagens políticas.
Trata-se de um governo que viu sua popularidade cair no último ano, que enfrenta uma economia incerta e que pode ter enxergado paralelos com o que ocorreu no Canadá, por exemplo, onde Trump interveio buscando um resultado, mas acabou provocando exatamente o contrário. O partido de esquerda canadense conseguiu vencer uma eleição que estava fadado a perder antes da interferência de Trump.
Não sei se o caso brasileiro se desenrolará como o canadense. Se a eleição fosse em outubro de 2025, acho que isso seria mais provável. Mas a eleição é só em outubro de 2026.
Se essa briga continuar escalando ou caso se mantenha neste nível, isso será doloroso para a economia brasileira. Eu não duvidaria da capacidade da máquina de redes sociais da direita brasileira de colocar a culpa em Lula e em seus supostos aliados no STF.
BBC News Brasil – Você mencionou que a resposta de Lula foi bastante diferente da dada, por exemplo, por Claudia Sheinbaum. Há analistas aqui no Brasil que dizem que, especialmente durante a Cúpula dos Brics, o presidente Lula teria provocado Trump. Como você descreveria o comportamento de Lula em relação a Trump? Ele cometeu algum erro, na sua visão? Poderia ter agido de maneira diferente?
Winter – Acho que o Brasil deve tomar suas próprias decisões soberanas sobre quais alianças quer no mundo e como quer conduzir o comércio. Mas essas decisões terão consequências.
Trump foi muito claro sobre sua posição em relação à busca por alternativas ao dólar. E isso, talvez, não seja a causa raiz do confronto, mas parece ter sido o gatilho.
A Cúpula dos Brics e algumas das declarações feitas por Lula recolocaram o Brasil no radar dele. Se essas iniciativas e essa reunião foram do interesse nacional brasileiro, acho que é uma pergunta para os brasileiros.
Posso dizer que países por toda a América Latina e, na verdade, em todo o mundo, estão tentando responder a essa mesma pergunta agora: como calibrar seu alinhamento entre Pequim e Washington? Ainda é possível trabalhar com os dois? Fazer comércio com os dois? Atrair investimentos de ambos? E não são apenas países da esquerda ideológica que enfrentam essa questão. Esta dúvida está presente também entre os governos de centro e de direita. Lula e o Brasil não estão sozinhos nesse dilema.
Mas acho que parte da linguagem e o próprio fórum dos Brics foram bastante provocativos. E essa é uma das razões pelas quais estamos enfrentando esse confronto agora.
BBC News Brasil – Como toda essa crise afeta a relação do Brasil com a China?
Winter – Ainda estamos nos primeiros dias, e como já disse, acredito que veremos mais escaladas. Mas a duração e a gravidade desse confronto determinarão como o Brasil vai se realinhar nesse contexto global em transformação.
A China claramente deseja expandir sua influência no hemisfério Ocidental. Mas o país tem limitações econômicas e demográficas.
Ainda assim, parece que um dos mercados da região que Pequim decidiu tratar como estratégico é o Brasil. Até que ponto Lula pretende aprofundar essa relação com a China nos próximos 15 meses, até a eleição, não está claro. Todo conflito traz consequências não intencionais.
Ainda estamos no início dessa crise, mas é teoricamente possível que ela tenha uma resolução de curto prazo, pouco transformadora. Mas também é possível que façamos parte de uma história mais longa de realinhamento do Brasil e de outros aliados dos EUA dentro da economia global.
A Justiça do Trabalho reconheceu que a morte de um trabalhador rural de 23 anos foi consequência direta da exposição a agrotóxicos durante suas atividades na lavoura de tomate de uma fazenda em Itapeva, no interior de São Paulo. A decisão de segunda instância, proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), condenou o proprietário da fazenda e a empresa Trebeschi Tomates Minas Ltda ao pagamento de R$ 100 mil por danos materiais, além de pensão mensal de um salário mínimo ao filho da vítima até que ele complete 18 anos de idade.
A sentença estabelece um precedente importante ao reconhecer a relação entre o uso de substâncias químicas e a morte de trabalhadores do campo, frequentemente submetidos a condições insalubres sem a devida proteção. A decisão, de 16 de maio de 2025, também criticou a ausência de medidas básicas de segurança por parte do empregador, como o fornecimento de equipamentos adequados e sua substituição periódica.
Segundo o laudo pericial, o trabalhador, identificado como Vitor Manoel dos Santos Silva, exercia atividades de cultivo e colheita de tomates, em ambiente com pulverização constante de agrotóxicos. Foram identificados 64 agrotóxicos diferentes utilizados na produção, incluindo substâncias como Malathion e Klorpan, ambas do grupo dos organofosforados, conhecidos por seus efeitos nocivos sobre o sistema nervoso central.
Vitor Manoel dos Santos Silva, de 23 anos, morreu em dezembro de 2023. Para a Justiça, a morte foi abrupta e os sintomas apresentados eram compatíveis com intoxicação por organofosforados. Na decisão, o relator João Batista Martins César destacou que, em casos de óbito, a perícia médica é dispensável e que o nexo causal pode ser reconhecido com base em documentos técnicos, como laudos periciais, registros hospitalares e atestados de óbito.
A Justiça também mencionou que o falecimento precoce do trabalhador impacta diretamente o desenvolvimento de seu filho, então com apenas um ano de idade. O acórdão cita dispositivos constitucionais e internacionais voltados à proteção da infância para justificar a necessidade de reparação.
O que diz a defesa
A empresa argumenta que o trabalhador não participava diretamente da aplicação dos produtos químicos, atividade atribuída exclusivamente a tratoristas. Alegou também que todos os funcionários utilizavam equipamentos de proteção individual, como jaleco, máscara e luvas, e que não havia risco de contaminação direta.
Nos autos, a defesa também sustentou que a morte de Vitor se deu por causas naturais e sem relação com as atividades exercidas na fazenda. A empresa anexou ao processo certidão de óbito e registros médicos que não mencionam diretamente intoxicação por agrotóxicos, além de afirmar que o trabalhador era fumante, o que, segundo a defesa, poderia ter contribuído para seu estado de saúde.
Além disso, a empresa questionou a legitimidade da companheira da vítima para representá-lo judicialmente e alegou tentativa de “enriquecimento ilícito” por parte dos familiares. Os argumentos foram rejeitados pela Justiça, que considerou válidas as provas apresentadas pela família do trabalhador. O empregador recorreu da decisão ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Exposição sem proteção e uso constante de agrotóxico
O laudo técnico, produzido por engenheiro de segurança do trabalho, aponta que o ambiente laboral apresentava risco à saúde, e que os equipamentos fornecidos eram insuficientes para proteger os trabalhadores do contato com agrotóxicos. A análise foi feita na área de cultivo da fazenda no bairro dos Lemes, em Itapeva (SP).
A relação de agrotóxicos inclui princípios ativos como Imidacloprido, Glifosato, Deltametrina, Fipronil e Tebuconazol – muitos deles associados a efeitos tóxicos severos ao sistema nervoso, hepático e renal. A perícia ainda destacou que, embora a empresa sustentasse o uso de EPIs, não havia registro adequado de substituição periódica dos equipamentos, o que comprometeria sua eficácia.
Funcionários ouvidos pela perícia relataram que a pulverização era feita com trator, enquanto os demais trabalhadores permaneciam nas proximidades, muitas vezes a menos de 10 metros da aplicação de venenos.
O cenário narrado está longe de significar um caso isolado. O Brasil lidera o consumo global de venenos agrícolas, tanto em volume total quanto por hectare cultivado. Segundo levantamento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o Brasil aplicou mais de 720 mil toneladas de agrotóxicos em lavouras em 2021. A quantidade é superior a utilizada conjuntamente por China e Estados Unidos naquele mesmo ano.
Justiça reconhece negligência e nexo com a morte
A decisão reformou sentença de primeira instância que havia afastado o nexo entre o trabalho e a morte do jovem. Para o TRT-15, o conjunto de provas – incluindo o laudo pericial e a rotina de trabalho exposta nos autos – comprova a responsabilidade da empresa. O acórdão afirma que “a exposição habitual do trabalhador rural a agentes químicos nocivos à saúde, sem a proteção adequada, caracteriza negligência patronal e descumprimento das obrigações previstas na CLT e na NR-31”.
O tribunal também reforçou o papel do empregador na prevenção de riscos à saúde, citando o artigo 7º da Constituição Federal. “O empregador tem o dever constitucional de reduzir os riscos inerentes ao trabalho por meio da adoção de normas de saúde, higiene e segurança”, afirmou o relator.
A paisagem do trabalho nas sociedades contemporâneas está marcada por um traço inquietante: o adoecimento progressivo dos trabalhadores. Entre as manifestações mais alarmantes desse fenômeno está a síndrome de burnout, uma condição que extrapola o campo médico para revelar o esgotamento físico e psíquico provocado pelas atuais configurações do sistema produtivo.
A chamada “sociedade do adoecimento” vai além de uma crise de saúde individual. Ela escancara os efeitos estruturais do capitalismo sobre a subjetividade humana. Trata-se de um processo historicamente enraizado na divisão entre classes sociais, especialmente entre o proletariado e a burguesia, relação já denunciada por Friedrich Engels no século XIX. Para ele, o trabalhador era privado de tudo, dependente da burguesia até para sobreviver, num sistema de escravidão moderna legitimada pelo poder do Estado.
Engels descrevia uma classe operária submetida a jornadas extenuantes, precarização e ambientes insalubres, especialmente na Inglaterra industrial. O “assassinato social”, como denominava, era cotidiano: as máquinas aumentavam a produção e, ao mesmo tempo, ampliavam o desemprego, a miséria e o sofrimento físico e mental. O trabalho perdia seu sentido artesanal e se tornava uma atividade alienada, mecânica, desprovida de criatividade e autonomia.
Esses mesmos elementos, embora sob novas roupagens, persistem. A mecanização e, mais recentemente, a automação reconfiguraram o mercado de trabalho de forma brutal. O que se observa hoje é uma crescente flexibilização e precarização dos vínculos empregatícios, processo intensificado desde a década de 1980 com o avanço do neoliberalismo.
Esse novo regime de trabalho, embora prometa liberdade, impõe uma carga ainda mais pesada aos trabalhadores. As jornadas se tornaram mais longas, as exigências mais complexas e a insegurança mais presente. A socióloga Leny Sato destaca que a perda de controle sobre o processo de trabalho é um fator crítico no adoecimento dos trabalhadores, gerando desde doenças físicas até transtornos mentais e emocionais.
A Nova Divisão Internacional do Trabalho acentuou desigualdades entre países e setores produtivos. Trabalhadores inseridos em ambientes tecnologicamente mais avançados enfrentam pressões intensificadas por resultados, enquanto outros lidam com rotinas precárias e jornadas extensas. A lógica é clara: mais produtividade com menos garantias, menos direitos e mais exigências.
A introdução de sistemas informatizados e a valorização do desempenho intelectual, em detrimento da força física, tornaram o trabalho não apenas mais técnico, mas também emocionalmente desgastante. Em grandes corporações, a gestão da produção mediada por algoritmos e inteligência artificial criou um ambiente de monitoramento constante, onde o trabalhador é pressionado a atingir metas, reinventar-se e manter uma atitude positiva ininterruptamente.
Nesse ponto, o pensamento do filósofo Byung-Chul Han, especialmente em sua obra Sociedade do cansaço, é crucial para compreender o que está em jogo. Han argumenta que vivemos numa época em que a dominação deixou de ser imposta de fora para ser incorporada de dentro. O trabalhador acredita ser autônomo, mas tornou-se o seu próprio opressor. Explora a si mesmo em busca de performance, produtividade e superação permanente.
“O cansaço de esgotamento não é um cansaço da potência positiva. Ele nos incapacita de fazer qualquer coisa”, escreve Han. É um esgotamento que nasce do excesso de possibilidades, de estímulos, de metas. A liberdade vira armadilha e o trabalhador, consumido pelas próprias ambições, se vê paralisado. Não por falta de oportunidades, mas por ter sido engolido por elas.
Essas doenças não podem ser tratadas como problemas individuais. São sintomas sociais, coletivos e estruturais. São expressão de um modo de organização do trabalho que precisa ser urgentemente revisto. Como aponta a pesquisadora Vanessa Queiróz, a intensificação do modo de trabalho tem provocado danos significativos à saúde dos trabalhadores, ampliando a vulnerabilidade social e acentuando o sofrimento psíquico.
Discutir a síndrome de burnout, portanto, é discutir as bases do próprio modelo econômico que rege nossa sociedade. Não basta tratar os sintomas. É preciso repensar profundamente as condições de trabalho, as políticas de proteção social e a ideologia da produtividade a qualquer custo.
O adoecimento do trabalhador não é um desvio. É consequência direta de um sistema que valoriza mais os resultados do que as pessoas. Enquanto essa lógica prevalecer, seguiremos vivendo e morrendo sob o peso do desempenho.
Aline da Silva Prado é bacharela em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Pesquisa as relações entre trabalho, subjetividade e adoecimento psíquico, com foco na Síndrome de Burnout e nas transformações do mundo do trabalho contemporâneo. Atua na área jurídica com interesse em direitos sociais e justiça do trabalho.
Em um país marcado por extrema desigualdade, como é o caso do Brasil, o salário mínimo cumpre um papel crucial, tanto do ponto de vista econômico quanto social. De acordo com o IBGE, cerca de 60% da população brasileira, incluindo aposentados, pensionistas e trabalhadores de baixa renda, depende diretamente dele.
Dada sua importância, nos últimos anos, o governo havia retomado a política de valorização real do mínimo, conectando seu reajuste ao crescimento do PIB. Contudo, em abril deste ano, o Congresso Nacional, sob pressão do setor financeiro privado, que é apoiado por uma coalizão parlamentar fiscalista, retirou do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias a previsão de aumento real, restringindo o reajuste à reposição da inflação.
Mas qual a justificativa dos parlamentares para essa mudança? Contenção de gastos públicos. Em sua justificativa, os parlamentares partem da estimativa de que a cada R$ 1 de aumento no salário mínimo existirá um impacto recíproco sobre os benefícios previdenciários e assistenciais. No entanto, essa lógica desconsidera que o salário mínimo também é um dos principais indutores de crescimento econômico via consumo, além de funcionar como mecanismo redistributivo direto em uma sociedade marcada por extrema desigualdade e pobreza, como é a brasileira.
Na contramão do rigor aplicado ao salário mínimo, o Congresso preservou as desonerações fiscais, que de acordo com as projeções da Receita Federal, podem chegar a R$ 544,5 bilhões (4,8% do PIB) em 2025, ainda que algumas estimativas, como as do jornal Valor Econômico, indiquem que esse valor pode atingir R$ 800 bilhões.
A título de exemplo, o valor de R$ 544,5 bilhões corresponde a aproximadamente 2,2 vezes o orçamento da saúde (R$ 245 bilhões) e a 2,4 vezes o orçamento da educação (R$ 226 bilhões), ambos de 2025. Além de injustos do ponto de vista tributário e social, esses incentivos são pouco transparentes, beneficiam grandes empresas e setores que não geram contrapartidas econômicas claras, como geração de empregos ou inovação tecnológica.
Soma-se a isso o fato de que nenhuma apuração dos efeitos dos incentivos na economia nacional é realizada, nem pelo Estado nem pelos órgãos de controle, impossibilitando a verificação de sua efetividade no desenvolvimento da economia e perpetuando benefícios improdutivos à empresas ineficientes.
Apesar de alertas do Tribunal de Contas da União (TCU), que destaca a ineficiência de boa parte desses benefícios, há forte resistência política no Congresso Nacional para revê-los. A força dos lobbies empresariais e o oportunismo de setores que defendem a “manutenção da competitividade” se sobrepõem ao debate sobre justiça tributária.
O resultado é um orçamento que penaliza os mais pobres com contenção salarial, mas preserva privilégios fiscais para setores que, apesar de defenderem a eficiência econômica, se mostram pouco eficientes sem os referidos benefícios.
Para além dos valores exorbitantes das desonerações, a política monetária, comandada por um Banco Central independente, adiciona outra camada de restrição ao orçamento público. A taxa Selic, que atualmente está em 15%, impõe um altíssimo custo à dívida pública brasileira, que já ultrapassa R$ 7 trilhões. Estima-se que para cada ponto percentual da Selic, o Tesouro Nacional destine centenas de bilhões de reais ao pagamento de juros — recursos que deixam de ser aplicados em saúde, educação, infraestrutura ou redistribuição de renda.
De acordo com dados do Banco Central, em 2024, o governo pagou R$ 950,4 bilhões (8% do PIB) em juros nominais sobre a dívida pública consolidada (abrangendo União, estados, municípios e estatais). Se tomarmos como referência o déficit primário do governo em 2025, o gasto com juros foi aproximadamente 1,5 vez maior que o déficit primário, que foi de R$ 47,6 bilhões (0,4% do PIB).
Essa política monetária beneficia diretamente os detentores de títulos da dívida (em sua maioria bancos e grandes investidores), enquanto reprime o crescimento e o investimento público. A alta taxa de juros desincentiva o crédito, reduz o consumo e limita o crescimento do PIB, o que paradoxalmente também freia a arrecadação de tributos.
A combinação dessas três decisões — contenção do salário mínimo, preservação de desonerações e manutenção de juros altos — resulta em uma política fiscal regressiva. O ônus do ajuste recai sobre os que dependem de políticas públicas, enquanto as rendas do capital e os setores economicamente organizados mantêm seus privilégios.
No Brasil, de acordo com o relatório “Global Wealth Report 2023” do Credit Suisse, em 2022 o 1% mais rico da população concentrava quase 30% da riqueza nacional, enquanto, segundo o relatório “Desigualdade Mundial 2022”, elaborado pelo World Inequality Lab, os 50% mais pobres concentram apenas 10% da riqueza nacional.
É nesse contexto que a política fiscal deveria atuar para corrigir distorções, não ampliá-las. Adicionalmente, o sistema tributário brasileiro é um dos mais injustos do mundo. Mais de 50% da arrecadação total vem de tributos indiretos — que incidem sobre o consumo, penalizando, proporcionalmente, os mais pobres. Em contrapartida, a tributação sobre a renda e o patrimônio continua tímida e cheia de brechas, respondendo por aproximadamente 20% e 5% da arrecadação total, respectivamente.
Decisões sobre política fiscal não são apenas decisões técnicas — apesar de os políticos e os interessados utilizarem com frequência esse argumento para legitimarem as decisões que perpetuam seus privilégios — são escolhas políticas. A justificativa da austeridade seletiva, aplicada com rigor às despesas sociais e a tolerância às renúncias fiscais e ao rentismo, revela o pacto conservador que ainda sustenta as bases do orçamento público no Brasil.
Comparado a outros países, o Brasil lidera em desonerações fiscais, superando nações como Estados Unidos, Alemanha e Japão. Em 2023, enquanto a média global girava em torno de 2% do PIB, o Brasil gastava mais que o dobro desse percentual. Essa política reduz drasticamente a capacidade do Estado de investir em áreas essenciais.
Desonerações fiscais em países selecionados
País
Desonerações (% do PIB)
Fonte
Brasil
4,8%
Ministério da Fazenda (2024)
Estados Unidos
2,5%
OECD Tax Expenditures (2023)
França
2,9% (estimado)
IMF Government Finance Statistics (2023)
Alemanha
2,5%
OECD Tax Expenditures (2023)
Índia
1,5%
IMF Government Finance Statistics (2023)
China
1%
IMF Government Finance Statistics (2023)
Canadá
2,2%
OECD Tax Expenditures (2023)
Japão
1,8%
OECD Tax Expenditures (2023)
México
1,7%
IMF Government Finance Statistics (2023)
Reino Unido
2%
OECD Tax Expenditures (2023)
Itália
2% (estimado)
OECD Tax Expenditures (2023)
Reverter esse quadro exige coragem política e comprometimento com a justiça social. Isso inclui retomar o aumento real do salário mínimo, revisar as desonerações e implementar uma política monetária mais equilibrada.
Mais do que discursos de austeridade seletiva, é hora de reposicionar o orçamento público como ferramenta de combate às desigualdades e promoção de um futuro mais justo para todos.
Antônio Sérgio Araújo Fernandes é professor do Núcleo de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal da Bahia (NPGA/UFBA)
Robson Zuccolotto é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGCON-UFES)