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Empregada terá insalubridade por limpar banheiros usados por 60 pessoas

Empregada terá insalubridade por limpar banheiros usados por 60 pessoas

TRT-2 considerou que a exposição habitual a agentes nocivos configura violação à saúde da empregada.

Da Redação

O TRT-2 reconheceu o direito de uma trabalhadora ao adicional de insalubridade em grau máximo por entender que suas atividades de limpeza em banheiros coletivos a expunham de forma contínua a agentes biológicos. A 6ª turma manteve a condenação imposta em 1ª instância, que havia equiparado a situação à coleta de lixo urbano.

A trabalhadora atuava em um edifício corporativo e era responsável pela limpeza de seis banheiros localizados em andar com intensa circulação de funcionários e visitantes. A higienização era feita três vezes ao dia, o que, segundo o laudo técnico, implicava contato direto e constante com agentes nocivos à saúde.

Em 1ª instância, a sentença havia reconhecido o direito ao adicional de insalubridade em grau máximo, fixado em 40%, por equiparar a atividade de limpeza de banheiros de grande circulação à coleta de lixo urbano.

No recurso, a empresa alegou que o laudo pericial havia concluído pela inexistência de insalubridade, sustentando que os banheiros não eram de “alta rotatividade”, já que atendiam cerca de 64 pessoas por dia, número que, segundo a defesa, não seria suficiente para caracterizar grande circulação.

O relator, desembargador Wilson Fernandes, rejeitou os argumentos e observou que o próprio laudo técnico confirmou que a trabalhadora realizava a limpeza em locais utilizados por mais de 60 pessoas diariamente.

Com base nesse dado, aplicou a Súmula 448, II, do TST, que reconhece o direito ao adicional de insalubridade em grau máximo àqueles que fazem a higienização de sanitários de uso coletivo de grande circulação.

“O trabalhador que exerce a atividade de limpeza de local de grande circulação de pessoas equipara-se àquele empregado que executa atividade de coletor de lixo urbano, para efeitos de enquadramento da insalubridade em grau máximo.”

O magistrado acrescentou que “a utilização de equipamentos de proteção individual não afasta o direito ao adicional, uma vez que não neutralizam os agentes nocivos à saúde”.

Com esses fundamentos, a 6ª turma manteve a condenação da empresa ao pagamento do adicional de insalubridade em grau máximo.

O escritório Tadim Neves Advocacia atua pela empregada.

Processo: 1001472-19.2024.5.02.0027
Leia a decisão: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/10/E56C4E0F288011_Documento_dbc2e80.pdf

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/quentes/441622/mulher-tera-insalubridade-por-limpar-banheiros-usados-por-60-pessoas

Empregada terá insalubridade por limpar banheiros usados por 60 pessoas

TRT-4 mantém justa causa de empregado por debochar de foto de colega

A 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) validou a demissão por justa causa de um pintor automotivo que fez comentários depreciativos sobre a foto de uma colega de trabalho. A decisão confirmou a sentença do juiz Frederico Russomano, da 3ª Vara do Trabalho de Pelotas (RS).

Ao ver a foto da “funcionária do mês”, o empregado teria comentado que a pessoa da foto estava tão bonita que nem parecia a homenageada. Conforme algumas testemunhas, entre elas a vítima do comentário, o episódio se espalhou pela empresa, gerando deboches e repercussão entre os colegas.

Na ação que buscava reverter a dispensa motivada, o empregado sustentou que não houve falta grave, sendo a despedida excessiva e desproporcional, não podendo ser aplicada a um trabalhador com quase 40 anos de contrato. Alegou, também, que a empresa estava se aproveitando do incidente para despedir empregado antigo, como teria feito em outros casos.

Em contestação, a empresa afirmou que se tratava de reincidência, uma vez que o empregado já havia sido suspenso em 2023, por assédio sexual. A rescisão foi fundamentada no artigo 482,  b — incontinência de conduta ou mau procedimento e j — ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Comentário intolerável

No primeiro grau, o juiz considerou que “não se pode ter por inocente o comentário” do pintor.

“Hoje não se tolera mais esse tipo de comportamento no ambiente de trabalho, mesmo que seja brincadeira. Poderia considerar pesada a penalidade aplicada ao reclamante não fosse ele reincidente, pois, já havia sido suspenso do trabalho por comentários inconvenientes que implicam em assédio sexual”, salientou o magistrado.

Diferentes matérias foram objeto de recurso pelas partes, uma vez que a ação também abordou outros temas, como indenização por danos morais e estéticos. A relatora do acórdão, desembargadora Tânia Regina Silva Reckziegel, concluiu que não houve falta grave que justificasse a despedida motivada.

O desembargador Marçal Henri dos Santos Figueiredo, no entanto, entendeu que a penalidade correspondeu aos fatos comprovados. O voto divergente prevaleceu, sendo acompanhado pelo desembargador Gilberto Souza dos Santos.

“A carta de despedida por justa causa indica atos de mau procedimento e atos ofensivos à honra, além de ofensas morais contra colega de trabalho. Não vejo situação de desproporção entre a pena de justa causa e os fatos comprovadamente praticados pelo reclamante”, afirmou o desembargador Marçal.

O trabalhador recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho . Com informações da assessoria de imprensa do TRT-4.

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-out-12/trt-4-mantem-justa-causa-de-empregado-por-debochar-de-foto-de-colega/

Empregada terá insalubridade por limpar banheiros usados por 60 pessoas

Dispensa discriminatória após ação trabalhista: limites e cautelas

A relação de emprego possui um ciclo natural — admissão, vigência e, eventualmente, rescisão. Embora legítimo, o poder do empregador para romper o contrato não é absoluto, devendo observar limites constitucionais e legais. No entanto, o poder diretivo do empregador para decidir sobre o término do vínculo contratual não é irrestrito nem absoluto.

Isso porque, o exercício desse direito deve observar os limites impostos pela ordem jurídica, especialmente pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e do livre acesso à Justiça.

Nesse contexto, destaca-se uma situação que tem recebido crescente atenção da jurisprudência: a dispensa do empregado ocorrida em curto lapso temporal ao ajuizamento de ação trabalhista. A coincidência entre o exercício do direito de ação e o desligamento contratual tem sido interpretada, em muitos casos, como indício de retaliação ou de discriminação velada, com sérias repercussões jurídicas para a empresa.

Tal cenário impõe reflexão sobre os impactos humanos e jurídicos da ruptura do contrato. O trabalho, por sua natureza essencial, está intimamente ligado à dignidade da pessoa humana. A perda do emprego impacta não apenas a subsistência do trabalhador, mas também sua autoestima, seu reconhecimento social e seu equilíbrio emocional. Por essa razão, o ordenamento jurídico brasileiro impõe limites ao poder empregatício, vedando dispensas motivadas por preconceito, retaliação ou qualquer forma de discriminação.

A esse respeito, a Lei nº 9.029/1995 proíbe expressamente práticas discriminatórias para fins de acesso ou manutenção da relação de trabalho, incluindo a dispensa baseada em critérios como raça, sexo, estado civil, idade, deficiência, entre outros.

No mesmo sentido, a Súmula 443 do TST estabelece presunção relativa de dispensa discriminatória quando a rescisão contratual atinge empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito.

Justiça do Trabalho tem ampliado a interpretação

Embora a legislação não trate de modo expresso das ações judiciais trabalhistas como fator de proteção, bem como a súmula seja expressa a questões de doença, é comum que empregadores reajam de forma precipitada diante da iniciativa de seus empregados em recorrer ao Judiciário, promovendo a dispensa imediata sob o argumento de quebra de confiança ou de afronta institucional.

Tal conduta, contudo, vem sendo reconhecida pela jurisprudência como discriminatória, por violar princípios constitucionais fundamentais, bem como por interpretar de forma ampliativa o entendimento sumular, aplicando ao caso, deslocando o ônus de prova ao empregador, para que ele comprove a existência de motivo legítimo e alheio à iniciativa do trabalhador de buscar a tutela jurisdicional.

Em decisões recentes, verifica-se que nestes casos, a Justiça do Trabalho, inicialmente, analisa o lapso temporal entre o ajuizamento da demanda e a dispensa e, caso esse seja curto, não ultrapassando 50 dias, tem havido a incidência da Súmula 443 do TST, com a consequente inversão do ônus de prova.

Esse posicionamento ilustra que a Justiça do Trabalho tem ampliado a interpretação sobre o que configura dispensa discriminatória. Para as empresas, o risco vai além da reintegração: há possibilidade de condenação em indenizações por danos morais, repercussão negativa de imagem e maior exposição patrimonial.

Exemplo disso é o caso julgado pelo TST (Ag-RR: 0000637-08.2017.5.14.0141), no qual a dispensa ocorrida 40 dias após o ajuizamento da ação foi considerada discriminatória, resultando na reintegração do trabalhador, inclusive, salientando, “O TRT registra que o reclamante foi dispensado imotivadamente 40 dias após o ajuizamento de ação visando ao reconhecimento de direitos trabalhistas, assinalando que, nessa situação, recai sobre o empregador o ônus da prova de que a dispensa não teve caráter discriminatório”:

“AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.467/2017. REINTEGRAÇÃO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA EM RAZÃO DO AJUIZAMENTO DE RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. DIREITO DE REINTEGRAÇÃO. Não merece provimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual se deu provimento ao recurso de revista do reclamante, pois demonstrado nos autos que a dispensa do trabalhador, em razão do ajuizamento de ação trabalhista contra a reclamada, configurou abuso do direito potestativo e constituiu dispensa discriminatória, nos termos da lei. Agravo desprovido.” (TST – Ag-RR: 0000637-08.2017.5 .14.0141, Relator.: Jose Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 08/02/2023, 3ª Turma, Data de Publicação: 10/02/2023)

Outro exemplo recente é a decisão do TST (RR: 99800-98.2008.5.21.0005) publicada em maio deste ano que negou provimento ao Recurso de Revista Banco do Brasil S.A., mantendo a determinação de reintegração de três advogados da cidade de Natal/RN, ante ao reconhecimento da dispensa discriminatória, em razão do ingresso de demanda trabalhista em face da instituição financeira:

“3. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. REINTEGRAÇÃO. I. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no entendimento de que, nos moldes dos arts. 1º e 4º da Lei nº 9.029/1995, o rompimento do contrato de trabalho por ato discriminatório por parte do empregador enseja ao empregado a opção pela reintegração ao emprego. Adota-se, ainda, a orientação de que o rol previsto no art. 1º do referido diploma legal é exemplificativo, mormente diante do advento da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que alterou o aludido dispositivo para incluir a expressão ‘entre outros’, após a enumeração de alguns tipos de práticas discriminatórias. II. No caso em testilha, o Tribunal Regional entendera estar comprovado o cunho discriminatório da rescisão contratual dos reclamantes em razão de terem figurado no rol de substituídos em ação ajuizada contra o Banco reclamado. III. Sendo assim, a par da discussão acerca da necessidade de motivação da dispensa bem como da necessidade de procedimento administrativo prévio segundo a norma interna da reclamada, certo é que, no caso presente, a partir dos fatos descritos, a rescisão contratual se deu como forma de retaliação ao exercício regular de um direito, o que configurou abuso do direito potestativo do empregador e caracterizou a dispensa como discriminatória, nos termos da lei. Portanto, ao manter a reintegração do autor, o Tribunal Regional decidiu em conformidade com o art. 4º da Lei 9.029/95 e com a jurisprudência desta Corte Superior, razão pela qual incidem o art. 896, § 7º, da CLT e a Súmula nº 333 do TST, como óbices ao conhecimento do recurso de revista. IV. Mencione-se que, estando a controvérsia circunscrita ao caráter discriminatório da dispensa e suas consequências, o caso concreto não se amolda à hipótese tratada no Tema 1022 da Tabela de Repercussão Geral do STF. […]” (TST – RR: 99800-98.2008.5.21.0005, relator.: Evandro Valadão, data de julgamento: 23/4/2025, 7ª Turma, data de publicação: 6/5/2025).

Além da possibilidade de reintegração do empregado que poderá ser determinada, a jurisprudência aponta, inclusive, para consequências severas em casos de dispensa considerada discriminatória, como a condenação em indenização por dano moral, como na decisão do TRT-3 (RO: 0011704-11.2017.5.03.0097), a qual inclusive, salienta, É incontroverso que o autor propôs ação trabalhista nº 0010030-95.2017.5.03.0097, cuja audiência inicial ocorreu no dia 3/5/2017, sendo que a dispensa ocorreu em 09/05/2017, apenas seis dias após a audiência inicial:

“DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. RETALIAÇÃO POR PROPOSITURA DE AÇÃO TRABALHISTA. DIREITO A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. O empregador que dispensa injustamente o seu empregado, como punição e retaliação pelo ajuizamento de ação trabalhista contra a empresa, ultrapassa os limites de atuação do poder diretivo e atinge a dignidade do trabalhador. Trata-se de ato discriminatório contrário aos fundamentos da dignidade da pessoa humana de direito ao trabalho digno, com restrições ao exercício regular de direitos consagrados pela Constituição Federal, como o direito de ação e acesso ao Poder Judiciário.”

(TRT-3 – RO: 00117041120175030097 MG 0011704-11.2017.5 .03.0097, Relator.: Emerson Jose Alves Lage, Data de Julgamento: 21/07/2020, Primeira Turma, Data de Publicação: 22/07/2020.)

Por outro lado, quando o desligamento ocorre após um lapso temporal razoável — geralmente superior a 60 dias após o ajuizamento da ação — e existem elementos objetivos que justifiquem a decisão, a presunção de retaliação tende a ser afastada.

Nessas hipóteses, o Judiciário exige do trabalhador prova robusta de que a dispensa teve caráter discriminatório, nos termos do artigo 818 da CLT, afastando a incidência da Súmula 443 do TST e a consequente inversão do ônus da prova.

Esse entendimento tem sido reforçado por decisões recentes dos Tribunais Regionais e do próprio TST (processos nº 0000645-92.2022.5.10.0020 e 2168547-20.2017.5.04.0029), nas quais se afastou a presunção discriminatória após intervalo superior a três meses entre a ciência da ação e a rescisão.

Cenário exige cautela

Diante desse panorama, é essencial que as empresas adotem uma postura cautelosa e estrategicamente orientada na condução de situações que envolvam empregados litigantes.

Evitar decisões precipitadas logo após o ajuizamento da ação, registrar adequadamente os motivos da dispensa — como avaliações de desempenho, histórico funcional ou reestruturações organizacionais —, aguardar, sempre que possível, um intervalo razoável após a instauração ou o desfecho da demanda e consultar previamente a assessoria jurídica são medidas fundamentais, sobretudo quando o vínculo empregatício ainda estiver ativo durante a tramitação do processo.

Importa lembrar que o direito do empregador de romper o contrato de trabalho de forma imotivada — o chamado direito potestativo — não é absoluto. Tal prerrogativa encontra limites nos princípios constitucionais e deve ser exercida com responsabilidade, sob pena de ensejar consequências jurídicas relevantes, como o pagamento de indenização por dano moral, a nulidade da dispensa ou até mesmo a reintegração ao emprego.

Assim, ao lidar com empregados que ajuízam ações trabalhistas ainda durante a vigência do vínculo contratual, o caminho mais prudente é o da análise criteriosa, ancorada em fatos objetivos e respaldada juridicamente.

A dispensa de empregados litigantes demanda especial cautela. Decisões precipitadas podem gerar reintegrações onerosas, indenizações vultosas e danos reputacionais. A orientação preventiva, com registros documentais e apoio jurídico, é a estratégia mais segura para preservar a empresa de riscos que muitas vezes superam em muito o custo de manutenção do contrato por período adicional.

  • é advogada da área trabalhista contenciosa do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

  • é estagiária da área trabalhista consultiva do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-out-12/o-risco-da-dispensa-discriminatoria-apos-acao-trabalhista-limites-e-cautelas/

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Mulher levada do interior a Salvador é reconhecida como empregada, não filha

A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região reconheceu que uma mulher, levada ainda criança do interior para Salvador, não era “filha de criação” de um casal, mas atuava como empregada doméstica desde jovem. A menina não teve as mesmas oportunidades que os demais moradores da casa. Às vezes era apresentada como filha, outras como empregada. A Justiça determinou o pagamento de indenização de R$ 50 mil. Cabe recurso.

Em 2000, uma menina de seis anos, moradora de Lamarão, no interior da Bahia, foi levada para Salvador para morar com um casal. Inicialmente, foi para auxiliar o patrão, que havia sofrido um acidente. Com o tempo, passou a viver de forma definitiva na casa e, em 2003, o casal obteve sua guarda. A partir daí, ela passou a trabalhar para a família.

A menina realizava tarefas domésticas, sendo ensinada por empregadas que já trabalhavam no local. Precisava acordar às 4h para preparar o café da manhã da família antes de a patroa sair para o trabalho. Em alguns anos estudava pela manhã, em outros à tarde, e o período de aula era seu único momento de “descanso” entre os afazeres, que iam até a noite.

Aos 15 anos, quando nasceu o neto dos patrões, foi obrigada a deixar os estudos temporariamente para cuidar do bebê. Só aos 24 anos conseguiu concluir o ensino médio por meio de supletivo. Segundo ela, também era destratada. Em 2020, ao questionar sua situação, foi expulsa de casa.

Os patrões alegaram que conheciam a menina desde cedo, pois visitavam Lamarão com frequência, e que a mãe dela a entregou alegando que a família passava fome. Disseram que a receberam apenas com a roupa do corpo e uma sandália nos pés.

Segundo eles, a jovem era tratada como filha: não precisava acordar cedo para fazer café, frequentava a escola, brincava e chegou a fazer um curso técnico de enfermagem pago por eles. Disseram ainda que o comportamento dela mudou em 2018, quando começou a namorar um vizinho.

Perspectiva antidiscriminatória

Para a juíza Viviane Martins, da 12ª Vara do Trabalho de Salvador, é necessário analisar fatores socioeconômicos, históricos e culturais na aplicação do direito, em uma perspectiva antidiscriminatória.

Segundo ela, as testemunhas comprovaram que a mulher nunca foi tratada como filha ou irmã. Ela explica que de acordo com o que dito por uma testemunha a mulher passou a ser vista como um peso para a família pela sua presença sem a realização das atividades domésticas. O “irmão”, segundo seu próprio relato, “tomou as rédeas” e decidiu expulsá-la, sem se preocupar com seu destino. Outra testemunha, amiga da dona da casa há mais de 15 anos, nem se lembrava do nome da jovem.

Ela determinou que fosse reconhecido o vínculo de emprego, com anotação em carteira, pagamento de salários e indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil.

Prática escravista

Os patrões recorreram, e o caso foi julgado pela 1ª Turma do TRT-5. A relatora, juíza convocada Dilza Crispina, destacou que a prática de “adoção” de meninas do interior ou de periferias por famílias de centros urbanos, sob promessa de acesso à educação e mobilidade social, é comum no Brasil. “Essas crianças acabam submetidas a precárias relações de trabalho doméstico infantil que perpassam aspectos relacionados à herança colonialista/escravista”, destaca.

A relatora manteve o reconhecimento do vínculo de emprego, reforçando que a menina nunca foi integrada à família como filha ou irmã. Porém, considerou que o valor da indenização ultrapassava a capacidade econômica dos patrões e reduziu para R$ 50 mil. A decisão foi unânime quanto ao vínculo de emprego e por maioria quanto ao valor da indenização. Com informações da assessoria de imprensa do TRT-5.

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2025-out-12/mulher-levada-do-interior-a-capital-e-reconhecida-como-empregada-nao-filha/

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Itália ensina normas que vedam trabalho a céu aberto em horários quentes

O aquecimento global tornou as altas temperaturas cada vez mais comuns. Além disso, as ondas de calor são cada vez mais intensas e frequentes [1].

O ano de 2024 foi o mais quente da história, desde que a Organização Mundial de Meteorologia começou a fazer suas medições, em 1850 [2]. A lista com os dez anos mais quentes é composta apenas por períodos compreendidos entre 2014 e 2024 [3]. Ademais, a temperatura ficou 1,55º C acima dos níveis pré-industriais [4].

Nesse sentido, mostra-se urgente repensar as normas e os procedimentos referentes ao trabalho a céu aberto. Afinal, o trabalhador que labora nessas condições está muito mais exposto aos efeitos do aquecimento global.

São inúmeras as atividades laborais realizadas a céu aberto: na construção civil, na agropecuária, em pedreiras, garis, carteiros, entregadores de panfletos, motoboys, bikeboys, atletas profissionais, etc.

E a proteção da vida e da incolumidade física dessas pessoas precisa ser repensada diante da nova realidade que se impõe.

Segundo os pesquisadores Kauê Augusto Oliveira Nascimento, Niro Higuchi e Fabiano Emmert [5], o conforto térmico laboral se encontra entre os 20º C e os 24º C.

Ocorre que temperaturas superiores a 24º C são extremamente comuns nas atividades a céu aberto.

Calor metabólico

Para se analisar o efeito da temperatura ambiente no ser humano é ainda preciso lembrar que o ser humano é um animal homeotérmico, ou seja, cuja temperatura corporal é constante, independentemente da temperatura ambiente. Assim, para regular sua temperatura, o ser humano precisa que a equação calor metabólico mais calor ambiental menos a perda de calor seja igual a 36,5º C.

Quando o ser humano necessita laborar, seu calor metabólico aumenta se comparado ao repouso. E quanto mais intensa a atividade, maior o calor metabólico gerado.

Desse modo, quanto mais intensa a atividade, mais baixa é a temperatura ambiente máxima que o trabalhador pode suportar.

Não é por outra razão que no Brasil, conforme dispõe o Anexo III da NR 9, o limite de exposição ocupacional ao calor é de 33,7º C para os trabalhos mais leves. Ou seja, aqueles que são realizados em repouso, na posição sentado. Isso porque essa atividade tem uma taxa metabólica de apenas 100 watts.

Contudo, para as tarefas mais pesadas, o limite de exposição ocupacional é de 24,7º C. É o caso do trabalho pesado com o corpo, na posição em pé. Essa atividade tem taxa metabólica de 630 watts.

Estresse térmico

Assim, quando a perda de calor por meio da pele, do suor e da respiração não se mostra suficiente, alcança-se o cenário de estresse térmico [6].

Matthew Lindsley e Maureen Cadorette expõem que o estresse térmico pode interferir não apenas no rendimento da produção, mas expõe o trabalhador ao risco de acidentes, doenças ocupacionais e morte [7].

A OIT informa que no mundo cerca de 2,41 bilhões de trabalhadores estão expostos por ano ao risco do calor excessivo, sendo que existem cerca de 22,85 milhões de infortúnios ocupacionais ao ano relacionados ao tema e aproximadamente 18.970 mortes por ano [8].

Trabalho a céu aberto

Diante desse cenário, no qual existe comprovação científica de que o trabalho intenso a céu aberto em temperaturas elevadas pode causar mortes e que as ondas de calor são cada vez mais frequentes e intensas, o direito precisa se atualizar.

Em alguns países árabes, já faz mais de uma década que o trabalho a céu aberto é vedado, especialmente na construção civil, durante os horários de maiores temperaturas no verão. No Bahrein, por exemplo, em 2014 foi vedado trabalhar nessas condições entre as 12h e 16h durante o período de 1º de julho e 31 agosto, conforme o artigo 1º da Resolução Ministerial nº 3 de 2013 daquele país [9]. No Qatar, a partir de 2021 estabeleceu-se a vedação no trabalho a céu aberto entre as 10h e as 15h30 durante o período de 1º de junho a 15 de setembro [10].

Em 2023, a Espanha passou a adotar norma similar em decorrência de alteração do Real Decreto 486/1997 pelo Real Decreto-ley 4/2023.

Agora, em 2025, foi a Itália que começou a editar normas semelhantes.

Diversas regiões italianas editaram nos últimos meses normas vedando o trabalho a céu aberto durante o horário das 12h30 às 16h no verão nos dias em que a autoridade em matéria de trabalho apontava como de alto risco em decorrência do calor.

Uma dessas normas, por exemplo, é a Ordinanza del Presidente della Giunta Regionale 150 de 30/06/2025 da Região da Emilia-Romagna, onde fica Bolonha. Ela vedou o trabalho durante o horário das 12h30 às 16h nas atividades físicas intensas a céu aberto dos setores da construção civil, logística e agricultura (incluindo o cultivo de flores) no período compreendido entre 02/07/2025 e 15/09/2025 nos dias em que a autoridade de trabalho (Inail — Istituto Nazionale per l’Assicurazione contro gli Infortuni sul Lavoro) indicasse até as 12h do mesmo dia no site específico  como de alto risco. A norma prevê como exceções apenas as atividades de emergência e de utilidade pública.

Durante essas horas, os empregados não podem trabalhar, mas recebem seus salários normalmente, pois o risco do negócio deve ser suportado pelo empregador.

Situações climáticas no Brasil

Traçando paralelos com o Brasil, é preciso assinalar que já existem situações climáticas que interrompem o serviço e nas quais o salário do empregado é pago normalmente. Exemplificativamente, nos dias nos quais os ventos ultrapassam 72 km/h, o trabalho em gruas é proibido, conforme item 18.10.1.34 da NR 18. E não existe dúvida no Brasil de que o salário do operador de grua deve ser normalmente pago ainda que ele não labore em decorrência dessa condição climática.

Assim, se adotássemos norma semelhante à da Emilia-Romagna, resta evidente que o salário deveria ser normalmente pago nos dias em que o calor fosse tão intenso que impusesse a paralisação das atividades.

Aliás, resta interessante assinalar que o Brasil deixou de considerar, em 2019, o calor no trabalho a céu aberto como uma situação ensejadora de pagamento de adicional de insalubridade.

Em recente estudo [11], tivemos a oportunidade de externar nossa opinião sobre o tema. Acreditamos que o adicional não seja a melhor solução, pois o trabalho sequer deveria ser prestado nessas condições.

Assim, acreditamos muito mais salutar a edição de norma como a da Emilia-Romagna. Ora, não se deve laborar em situação de calor extremo, que pode causar a morte. Se a situação é tão insalubre, o trabalho deve ser evitado. Não se deve pagar um valor para colocar a vida de outrem em risco se isso não for extremamente necessário.

E o fato é que na esmagadora maioria das situações não existe a extrema necessidade. Essas atividades, via de regra, podem ser realizadas antes das 12h30 ou após as 16h. Poderá até haver em alguns casos atraso, mas, via de regra, não existe a extrema necessidade.

Obviamente, se ocorrer uma situação de extrema necessidade o trabalho poderá ser prestado, como a própria norma autoriza. Ex: existindo o risco de uma estrutura do prédio em construção cair sobre a casa vizinha, o trabalho poderá ser prestado.

Mas esses casos são excepcionais e não a regra.

País deficitário na proteção à vida

Assim, o modelo brasileiro que acabou com o adicional de insalubridade em decorrência do calor a céu aberto, mas não vedou expressamente o trabalho nessas condições, apresenta-se como deficitário na proteção da vida e da incolumidade física doa trabalhadores.

Por isso, mesmo que defendemos no referido estudo [12] que caso prestado o trabalho nessas condições seja paga uma indenização de valor não inferior ao do adicional de insalubridade.

Entregadores por aplicativo

Como se a matéria não fosse complexa dentro da relação de emprego, há de se pensar também em uma categoria muito específica, a dos motociclistas e ciclistas entregadores por aplicativo.

Inicialmente, cumpre assinalar que a condição térmica do ciclista entregador é muito mais grave do que a do motociclista. Afinal, o ato de pedalar gera um calor metabólico intenso.

Na Itália, assim como no Brasil, eles não são considerados, via de regra, como empregados. São pouquíssimos os entregadores registrados em ambos os países. Contudo, em algumas regiões, houve vedação ao trabalho em dias de calor inclusive a esses entregadores não empregados. É o caso do Piemonte, conforme Ordinanza del Presidente dela Giunta Regionale 2/2025. Na norma há previsão expressa de que no setor de logística no qual é vedado o trabalho estão abarcadas inclusive as atividades daqueles que entregam mercadorias por conta de outrem em áreas urbanas com o auxílio de bicicletas ou veículos motorizados de duas rodas.

Relativamente a essa situação, está havendo na Itália uma intensa discussão sobre a livre iniciativa, uma vez que esses entregadores seriam, em tese, autônomos. Outrossim, eles não recebem nas horas em que o trabalho é vedado.

Por isso mesmo, discute-se no parlamento italiano a possibilidade de se criar um fundo para financiar um benefício para os dias nos quais esses entregadores não pudessem trabalhar.

Seria algo semelhante ao seguro defeso brasileiro pago aos pescadores artesanais.

Exemplo na Itália

Já nas regiões onde o trabalho dos entregadores não foi proibido, gostaríamos de narrar um interessante caso. Uma das plataformas de entrega, a Glovo, passou a ofertar adicionais para os trabalhadores laborarem nos horários dos dias mais quentes. Isso porque, apesar de o trabalho não ser vedado nessas regiões, o fato é que a maioria dos entregadores prefere não trabalhar nesses horários em decorrência do próprio risco percebido na pele por esses trabalhadores. Ou seja, existe uma baixa quantidade de entregadores que se sujeita a trabalhar nos horários escaldantes durante o verão.

Assim, a Glovo ofertou um adicional de 2% quando a temperatura estivesse entre 32º C e 36º C, 4% quando estivesse acima de 36º C até 40º C, e 8% quando estivesse acima de 40ºC.

Contudo, essa oferta não foi muito bem recebida entre a opinião pública italiana. O “adicional do calor” foi logo rebatizado de “adicional da vergonha”. Dias depois, a companhia voltou atrás e cancelou o adicional.

Não é demais lembrar que o sindicalismo italiano da década de 1970 é o berço do movimento “a saúde não se vende” [13]. Assim, já está sedimentada por lá a ideia de que se a condição é extremamente prejudicial, o trabalho não deve ser prestado. Trata-se de algo moralmente reprovável oferecer mais dinheiro para alguém se submeter ao trabalho que de fato não deveria ser sequer prestado.

Embora a empresa tenha cancelado o adicional, o fato é que a questão já havia sido judicializada. Por tal razão, a Justiça de Milão, na região da Lombardia, declarou a ilegalidade do adicional e determinou que a plataforma fornecesse diversos itens aos trabalhadores para o enfrentamento da questão (chapéu com viseira, óculos de sol com filtro UV, protetor solar de alto fator, garrafa térmica para água e sais minerais hidrossolúveis). Por fim ordenou que a empresa iniciasse negociações com os entregadores para discutir a questão do calor levando em conta idade, sexo, estado de maternidade ou gravidez, origem geográfica e tipo de contrato [14].

Falta de proteção a trabalhadores

Diante do exposto, concordamos com aqueles [15] que pregam que os lobistas que conseguiram convencer o legislador brasileiro a acabar com o adicional de insalubridade em decorrência do calor no trabalho a céu aberto em 2019 se utilizaram do slogan “a saúde não se vende” de forma tendenciosa, pois o adicional foi extinto, mas nenhuma outra medida legislativa foi adotada para proteger os trabalhadores, tal como a vedação ao trabalho nos horários mais quentes [16].

Assim, a experiência italiana tem muito a nos ensinar sobre o risco do calor no trabalho a céu aberto.

Ademais, o aquecimento global impôs uma nova realidade de trabalho. Se há 10 anos apenas o Bahrein se preocupava com a situação, agora é a Europa que se volta ao tema.

Portanto, já está na hora de o Brasil enfrentar a questão.

Calor não é frescura. Aliás, é o seu oposto.

Paremos de tapar o sol com a peneira.


[1] KOVATS, R. Sari; HAJAT, Shakoor. Heat stress and public health: a critical review. Annual Review of Public Health, San Mateo, v. 29, n. 1, p. 41-55, 2008.

[2]. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. ONU confirma 2024 como o ano mais quente já registrado, com cerca de 1,55ºC acima dos níveis pré-industriais. Disponível aqui..

[3] Ibidem.

[4] Ibidem.

[5] NASCIMENTO, Kauê Augusto Oliveira; HIGUCHI, Niro; EMMERT, Fabiano. A exposição de trabalhadores florestais ao calor durante o fenômeno El Niño Godzilla na Amazônia. BIOFIX Scientific Journal, Curitiba, v. 3, n. 1, p. 84-90, 2018.

[6] JACKLITSCH, Brenda; WILLIAMS, Jon; MUSOLIN, Kristin; COCA, Aitor; KIM, Jung-Hyun; TURNER, Nina. Occupational exposure to heat and hot environments: revised criteria 2016. Cincinnati: National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH), 2016.

[7] LINDSLEY, Matthew; CADORETTE, Maureen. Preventing heat-related illness in the workplace. Workplace Health & Safety, Thousand Oaks, v. 63, n. 4, p. 192-192, 2015.

[8] INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION (ILO). Ensuring safety and health at work in a changing climate. Genebra: ILO, 2024.

[9] INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION (ILO). Regional Office for Arab States. Labour Inspection in Arab States: progress and challenges. Beirute: ILO, 2014, p. 9.

[10] QATAR. Ministry of Labour. Heat stress legislation in Qatar: a guide for employers. Doha: Ministry of Labour, 2023. Disponível aqui.

[11] WAKAHARA, Roberto. O risco do calor no trabalho a céu aberto em face do aquecimento global e o Programa de Gerenciamento de Riscos. In: MANNRICH, Nelson. Direito na fronteira das transições digital, demográfica e climática. Leme: Mizuno, 2025.

[12] WAKAHARA, Roberto. Op. cit.

[13] LIBERATO, Leo Vinícius. Poder operário na Itália. Disponível aqui.

[14] DALL’ASÉN, Massimiliano Jattoni. Glovo, il tribunale di Milano condanna il ‘bonus caldo’ per i rider (e imponi più rimborsi e protezioni). Disponível aqui.

[15] LIBERATO, Leo Vinícius. Op. cit.

[16] BELUTTO, Renan Martins Lopes. A insalubridade nas atividades a céu aberto e a invalidade da Portaria SEPT nº 1.359/2019. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, v. 25, n. 2, p. 86-95, 2021.

  • é doutor e mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Trabalho, Saúde e Ambiente pela Fundação Jorge Duprat e Figueiredo (Fundacentro) e auditor-Fiscal do Trabalho.

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2025-out-12/italia-ensina-normas-que-vedam-trabalho-a-ceu-aberto-em-horarios-quentes/