por NCSTPR | 26/03/25 | Ultimas Notícias
Vitor Pontes
A regulamentação das apostas no Brasil, especialmente em esportes, e a proibição de jogos de azar revelam desafios trabalhistas, como a difícil detecção de vícios, como o jogo patológico.
Introdução
Como ponto de partida, é importante esclarecer que a abordagem proposta não inclui as “apostas esportivas”, uma vez que o Governo Federal, por meio da lei 14.790/23, regulamentou as lotéricas conhecidas como “apostas de quota fixa”, estabelecendo normas específicas para apostas em eventos esportivos. Essa legislação exige autorização prévia do Ministério da Fazenda para a operação de casas de apostas.
No entanto, outras modalidades de jogos, como jogos de azar, bingos, cassinos e caça-níqueis, continuam sendo consideradas ilícitas no território nacional. Isso inclui o popular “Jogo do Tigrinho” (Fortune Tiger), explorado ilegalmente por plataformas sediadas no exterior, sem qualquer autorização ou regulamentação no Brasil. A legislação atual mantém a proibição dessas práticas, reforçando a necessidade de fiscalização e combate a operações irregulares.
Assim, ao longo desta explanação, o termo “jogos de azar” refere-se exclusivamente às atividades não regulamentadas pela legislação brasileira.
Prática de jogos de azar e embriaguez habitual: Paralelo
No âmbito trabalhista, a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho prevê, em seu art. 482, alínea “l”, que a “prática constante de jogos de azar” constitui motivo para a aplicação de justa causa pelo empregador. Referida disposição legal permite a rescisão do contrato de trabalho em casos de comportamento reiterado do empregado em atividades de jogo.
O mesmo art. 482 da CLT, em sua alínea “f”, prevê a “embriaguez habitual ou em serviço” como outra conduta passível de punição por justa causa. No entanto, a embriaguez habitual, antes tratada como uma mera questão disciplinar, hoje é compreendida como um problema de saúde pública, classificada como síndrome de dependência do álcool (CID F10.2) pela OMS – Organização Mundial da Saúde.
Neste sentido, o TST tem entendimento consolidado de que a embriaguez habitual não justifica mais a ruptura do contrato de trabalho, devendo o empregado ser encaminhado para tratamento médico e apoio adequado.
Seguindo essa linha de raciocínio, é importante destacar que o vício em jogos de azar também é classificado como doença pela Organização Mundial da Saúde. No CID-10, ele é identificado como jogo patológico (F63.0) ou mania de jogo e apostas (Z72.6). Já no CID-11, o vício em jogos eletrônicos é classificado como “Distúrbio de games”, também conhecido como ludopatia, caracterizado pelo “desejo incontrolável de continuar jogando”1.
Os impactos sociais da disseminação dos jogos de azar por aplicativos telefônicos são amplamente conhecidos, incluindo dilapidação patrimonial, perda das economias familiares e, em casos extremos, a própria abdicação intencional da vida. Esses efeitos negativos têm sido amplificados pela proliferação de aplicativos de jogos de azar, que facilitam o acesso e aumentam o risco de dependência2.
Desafios nas relações de emprego
No contexto trabalhista, a questão se torna especialmente desafiadora. O acesso a jogos de azar por meio de celulares dificulta a detecção pelo empregador, ao contrário de situações como a embriaguez em serviço, que pode ser identificada por sinais físicos, como redução de reflexos, sonolência ou odor de álcool.
Além disso, é complexo mensurar o tempo que um empregado dedica a jogos de azar durante o horário de trabalho, bem como determinar se o uso excessivo do celular está relacionado a jogos ou a outras atividades. Essa falta de clareza torna difícil a aplicação do conceito de “prática constante”, previsto no art. 482 da CLT.
Jurisprudência e tendências futuras
Pesquisa jurisprudencial no site do TST revela poucos julgados sobre dispensa por justa causa relacionada a jogos de azar, sendo a maioria deles antigos. É muito mais comum, por exemplo, encontrar processos envolvendo pedido de reconhecimento de vínculo de emprego com estabelecimentos de jogos de azar do que a aplicação de justa causa pela prática de jogos.
Nos TRTs também são raros os julgados recentes sobre o tema. No entanto, é certo que, com a popularização dos aplicativos de jogos de azar e a facilidade de acesso, as discussões sobre o assunto tenderão a se tornar mais frequentes nos tribunais trabalhistas.
Conclusão e desafios
O principal desafio para os empregadores será a correta aferição da conduta do empregado, tanto no que diz respeito à detecção do acesso a jogos de azar quanto à quantificação da habitualidade dessa prática. A falta de parâmetros objetivos e a dificuldade de monitoramento tornam a aplicação da justa causa um tema complexo e delicado.
Além disso, é fundamental que as empresas adotem políticas claras sobre o uso de celulares e promovam campanhas de conscientização sobre os riscos dos jogos de azar, equilibrando a proteção ao emprego com a necessidade de manter um ambiente de trabalho produtivo e saudável.
Pontos relevantes para reflexão
Regulamentação: A falta de uma legislação específica para jogos de azar cria um vácuo que dificulta a fiscalização e o combate a práticas ilegais.
Saúde pública: Tanto a embriaguez quanto a ludopatia devem ser tratadas como questões de saúde, com foco em prevenção e tratamento.
Responsabilidade do empregador: As empresas precisam adotar medidas para monitorar e orientar os empregados, garantindo que o uso de celulares não comprometa a produtividade e o ambiente de trabalho.
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1 https://g1.globo.com/saude/saude-mental/noticia/2024/07/16/ludopatia-entenda-o-que-e-a-doenc.ghtml
2 https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2024/09/01/angustia-dividas-e-compulsao-como-e-a-vida-de-viciados-em-jogos-do-tipo-tigrinho.ghtml
Vitor Pontes
Advogado especialista da área trabalhista – Gameiro Advogados
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/426988/jogos-de-azar-no-brasil-com-foco-nas-implicacoes-trabalhistas
por NCSTPR | 26/03/25 | Ultimas Notícias
A 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (interior de São Paulo) condenou duas empresas do ramo de fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos a proporcionarem a “mais ampla cobertura à saúde” a um empregado que comprovou ser portador de doenças decorrentes da exposição à contaminação química no ambiente de trabalho.
Entre as obrigações elencadas, as empresas deverão fornecer plano de saúde, sem coparticipação ou carência, em todo o território nacional, abrangendo exames, consultas, tratamentos médicos.
A decisão também obriga as empresas a fornecer medicamentos, acesso a psicólogos ou psiquiatras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricionistas, assim como internações hospitalares, sem período de carência, sob pena de multa diária de R$ 500.
As empresas já tinham sido condenadas em ação civil pública (ACP) de 2008, julgada na 1ª Vara do Trabalho de Paulínia (SP), mas discordaram da sentença e apresentaram recursos que foram providos em parte, inclusive com a concessão de efeito suspensivo ao recurso de revista das empresas.
Para o relator do acórdão, desembargador José Carlos Abile, mesmo considerando o recebimento do recurso de revista no efeito suspensivo, não restam dúvidas de que as empresas devem proporcionar a mais ampla cobertura à saúde aos trabalhadores que se encontram enfermos e que prestam ou prestaram serviços na unidade industrial.
Contaminação química
O colegiado ressaltou também que “parte das queixas apresentadas pelo autor nestes autos já foram analisadas em reclamação trabalhista por ele ajuizada” em 2005, em face da mesma empresa, “antes mesmo da propositura da ACP que deu origem à presente execução”.
Naquela ocasião, o empregado informou que havia trabalhado de 23/2/1988 a 16/2/1995, período em que teria sofrido contaminação por produtos químicos, e por isso pediu o custeio de medicações e do plano de saúde, além de indenizações por danos morais e materiais. A reclamação, porém, foi julgada improcedente.
As doenças informadas pelo empregado naquela ação foram minuciosamente analisadas por uma perita judicial, que concluiu pela “inexistência de nexo causal entre as patologias então enumeradas pelo autor e a contaminação da planta industrial”. A sentença que julgou improcedente a ação transitou em julgado em dezembro de 2013, o que embasou a defesa das empresas quanto à prescrição.
O colegiado salientou, no entanto, que “as demais doenças não contempladas naquele laudo pericial, que surgiram após a ruptura contratual, não estão submetidas à coisa julgada e tampouco à prescrição”.
Segundo o acórdão, “patologias decorrentes de contaminação química apresentam tempo de latência com duração variável, ‘geralmente longa, de 20 a 40 anos para tumores sólidos, ou curta, de quatro a cinco anos para neoplasias hematológicas’ e podem se manifestar décadas depois da exposição ao ambiente contaminado, como esclareceu a perita nomeada nestes autos”.
Por isso, o colegiado rejeitou a alegação de prescrição, acolhendo “apenas parcialmente a alegação de coisa julgada para extinguir a execução em relação às patologias já analisadas na reclamação trabalhista” de 2005.
Problemas de saúde
O trabalhador relatou que, quando atuava na fábrica, “sentia irritação na garganta, tosse seca, cefaleia e até mesmo tontura, que associava à presença de muita poeira e odor forte de produtos químicos na área fabril da reclamada, e que também nesta época passou a apresentar insônia e irritabilidade, além de impotência sexual”. Ele também apresentou quadro de hipotireoidismo e intolerância à glicose.
A nova perícia concluiu que, entre as doenças elencadas pelo trabalhador, “apenas o hipotireoidismo, a intolerância à glicose e os problemas cardiovasculares são supervenientes ao primeiro laudo pericial”, sendo que as demais queixas “já foram objeto de laudo pericial acolhido por sentença transitada em julgado”.
Os problemas cardiovasculares, diz o laudo, “não estão relacionados ao ambiente contaminado”. Já com relação ao hipotireoidismo e intolerância à glicose, a situação é outra.
De acordo com a perícia, as doenças “podem estar associadas à exposição a produtos químicos desreguladores endócrinos presentes na área fabril”. “Tal afirmação está apoiada em várias referências, como a de uma revisão sistemática da Sociedade Americana de Endocrinologia, que demonstrou o potencial de vários agrotóxicos (organoclorados, organofosforados, atrazina, trifluralina entre outros) e outros contaminantes ambientais e produtos químicos industriais (tolueno, estireno, clorobenzeno, cloreto de vinila, mercúrio, arsênio, chumbo, PCBs, percloratos, ftalatos, dioxinas e bisfenol) em provocar desregulação endócrina em humanos”, diz o acórdão.
O colegiado destacou que “a dificuldade da apuração precisa do nexo causal pelo decurso do tempo (mais de 20 anos do encerramento do contrato de trabalho) não pode favorecer as agravadas, pois já condenadas em ação civil pública pela contaminação da planta industrial”.
Afinal, “se o ambiente onde o agravante trabalhou por 7 anos estava contaminado com produtos químicos classificados como desreguladores endócrinos e se ele desenvolveu doença do sistema endócrino (hipotireoidismo) e metabólico (intolerância à glicose), cabia às agravantes produzir prova cabal de que tais doenças não estão relacionadas ao ambiente de trabalho”, concluiu. Com informações da assessoria de imprensa do TRT-15.
Processo 0010887-16.2020.5.15.0126
CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-mar-26/fabricantes-de-remedios-sao-obrigadas-a-fornecer-plano-para-empregado/
por NCSTPR | 26/03/25 | Ultimas Notícias
Argumentos em favor de políticas como redução de horas de trabalho e renda básica universal geralmente se baseiam em sua capacidade de aumentar a produtividade. Entretanto, maximizar a produção não é o que o planeta e seus habitantes precisam. Como podemos mudar esse discurso?
O artigo é de Natalie Bennett, membro do Partido Verde na Câmara dos Lordes do Reino Unido, publicado por El Salto Diario, 21-03-2025.
A ideia de normalizar a semana de trabalho de quatro dias sem cortes salariais (e sem jornadas mais longas) está ganhando popularidade e está começando a ser implementada na Europa e em outros lugares. Estudos mostram (como esperado) que a semana de trabalho de quatro dias melhora a saúde e o bem-estar dos funcionários, facilita o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, permite a socialização e a participação em atividades comunitárias e aumenta a retenção de funcionários. Esses resultados foram confirmados pelo maior projeto piloto de semana de trabalho de quatro dias do mundo até o momento, um teste realizado no Reino Unido em 2022.
Em certo sentido, um dos sinais do fracasso da política e da economia do fim do século XX foi a cessação do esforço de longa data para redistribuir o tempo, cujo propósito não era outro senão afastar-se dos intermináveis e exaustivos dias de trabalho do século XIX e aproximar-se da proposta de John Maynard Keynes de uma semana de trabalho de 15 horas (ou semana de trabalho de 21 horas, conforme proposto há mais de uma década pela New Economics Foundation). Essa suspensão foi prejudicial às pessoas e ao planeta, beneficiando apenas alguns. De fato, a “Grande Equalização” de riqueza que ocorreu no final do século XX, durante a era de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, também viu um aumento significativo no tempo da família gasto em trabalho remunerado, à medida que muitas mulheres entraram no mercado de trabalho. Hoje, em muitas partes do mundo, é essencial que as famílias tenham duas rendas para viver com uma certa qualidade de vida.
Não foi isso que eu quis dizer
Embora os benefícios de jornadas de trabalho mais curtas sejam óbvios, há uma coisa que devemos considerar cuidadosamente sobre o que exatamente estamos tentando alcançar. Um artigo do Fórum Econômico Mundial afirma que a semana de quatro dias na verdade aumenta a produtividade. E ele acrescenta: “Trabalhar de forma mais inteligente, não mais difícil, tem sido o mantra dos consultores de gestão por décadas”.
Essa visão associa a redução da jornada de trabalho a um modelo onde a mente está sempre conectada ao trabalho, em vez de a um ambiente mais agradável, tranquilo e descontraído, de amizades e apoio social. Além disso, a campanha global por uma semana de trabalho de quatro dias, que lançou vários projetos-piloto ao redor do mundo, registrou o modelo “100:80:100” (100% de pagamento, 80% de tempo, 100% de produtividade). Segundo eles, “manter o desempenho é essencial para implementar com sucesso a semana de trabalho de quatro dias” [1].
Continuamos a sofrer do problema cultural que a antropóloga ambiental Marie-Monique Franssen identificou: “Nós glorificamos aqueles que são ultraprodutivos e ultra-ativos”. E, como ela ressalta, isso não só é prejudicial à nossa saúde, mas também contribui para destruir o planeta.
De uma perspectiva pós-crescimento, podemos responder a esta versão produtivista da semana de trabalho de quatro dias com as palavras de J. Alfred Prufrock de T.S. Eliot: “Não foi isso que eu quis dizer”. Jason Hickel, um dos principais expoentes do movimento de decrescimento, explica em Less Is More: How Degrowth Will Save the World (Capitán Swing, 2023) que “quando se trata de capital, o motivo para aumentar a produção não é principalmente satisfazer necessidades humanas específicas ou melhorar indicadores sociais. Em vez disso, é extrair e acumular um volume cada vez maior de lucros. Esse é o objetivo final… Cada indústria, cada setor, cada economia do mundo deve crescer, constantemente, sem um horizonte final definido”. A intensidade de carbono (e outros danos ambientais) do crescimento pode ser reduzida, mas não é possível separar os dois fatores, como Tim Jackson demonstrou em Prosperidade sem crescimento (Icaria, 2011). Portanto, pode-se dizer que o aumento da produtividade é algo que o planeta não pode sustentar. Ou, para citar Hickel novamente: “O crescimento verde é uma quimera”.
Chegou a hora do RBU
No entanto, isso significa que o pós-crescimento e a semana de trabalho de quatro ou três dias não podem andar de mãos dadas? Claro que não. A semana de 40 horas é coisa do passado, como evidenciado no Reino Unido, onde longas jornadas de trabalho (e tempos de deslocamento) estão associados a problemas de saúde e bem-estar público.
A redução da jornada de trabalho é um objetivo público e, portanto, político. Ninguém está em seu leito de morte e lamenta: “Gostaria de ter passado mais tempo no escritório”. Na verdade, venho dizendo há muito tempo que essa é uma troca que nós, políticos, temos a oferecer em um mundo pós-crescimento: viver com menos coisas, mas com mais vida. Por que não considerar reduzir a jornada de trabalho em vez de lutar pelo crescimento do PIB?
Talvez devêssemos abordar essa questão pelo outro lado, analisando onde está o poder, quem decide em que consiste o trabalho remunerado, quem participa dele e por quanto tempo. A população dos países do Norte Global está envelhecendo, resultando em uma redução no número de pessoas em idade ativa. É o horizonte para o qual caminhamos ou que já contemplamos, independentemente de quanto tempo levemos para alcançá-lo.
E se houvesse uma alternativa? E se houvesse uma renda básica universal (RBU), um pagamento, um direito garantido ao ser aceito na sociedade, que fosse suficiente para atender às necessidades básicas? Ninguém poderia então lhe dizer “consiga um emprego, qualquer emprego”, sem medo de cair na pobreza se você se recusasse a obedecer.
Isso não significa, e aqui vem a clássica resposta da direita, que muitas pessoas vão preferir ficar sentadas no sofá. Esse não foi o resultado do primeiro grande teste de RBU em Manitoba, Canadá, na década de 1970, onde o emprego permaneceu estável apesar de mais jovens continuarem seus estudos. Para dar um exemplo mais recente, o estudo finlandês sobre a RBU forneceu novos dados confirmando que as pessoas que atualmente estão excluídas do mercado de trabalho devido à pobreza ou doença têm mais probabilidade de encontrar emprego ou trabalhar mais horas se tiverem a oportunidade de investir dinheiro, energia e tempo na “preparação para o trabalho”.
Poetas medíocres, cidadãos livres
Mais uma vez, alguém pode se perguntar como isso se encaixa no conceito de pós-crescimento.
Os benefícios do RBU estão atualmente sendo avaliados em um mundo de semana de cinco dias, um mundo onde os testes de renda básica são limitados no tempo (sua principal desvantagem quando se trata de entender todos os benefícios potenciais) e onde o “trabalho em tempo integral” é exaltado. Isso não significa que haja dúvidas sobre o efeito positivo do trabalho remunerado além do aspecto econômico. No entanto, o trabalho remunerado não precisa ser excessivo. Um estudo fascinante e relevante descobriu que a “dose” mínima de trabalho necessária para atingir os benefícios máximos de saúde e bem-estar era de oito horas por semana.
Quando me perguntam sobre as desvantagens de uma sociedade com renda básica básica, minha resposta é que muita poesia ruim seria escrita. Isso nos leva a outra questão que precisa ser abordada, mesmo em uma sociedade que implementou o RBU e uma semana de trabalho de três dias: a crença profundamente arraigada de que o tempo deve ser usado produtivamente, mesmo quando dinheiro não está envolvido. Aprenda um idioma, leia um livro que o ajude a melhorar ou consiga um segundo emprego (quando falo com as pessoas sobre a semana de três dias, elas geralmente mencionam este tópico: ter vários empregos é tão importante para a subsistência delas hoje em dia que é difícil imaginar a vida sem eles). Em um mundo onde competir dia e noite é considerado necessário para progredir, muitas crianças crescem com essa mentalidade desde muito cedo. O indivíduo é um produto que deve ser constantemente melhorado para que, em última análise, possa trabalhar por um salário (de preferência um salário decente).
Tudo isso é um artefato da ética de trabalho pós-industrial do século XXI, nas palavras de James A. Chamberlain. Entretanto, já em 1930, Keynes pensava que um dos problemas com a semana de trabalho de 15 horas seria que as pessoas não saberiam o que fazer com todo esse tempo “livre”. No entanto, é de se admirar que a parentalidade, a educação, a assistência médica, os sistemas de bem-estar social e os sistemas de justiça criminal “eficazes” sejam julgados por se seus produtos estão “prontos para o trabalho”? Como Kathi Weeks aponta em The Trouble with Work: Feminism, Marxism, Anti-Work Politics, and Imaginaries Beyond Work (Traficantes de Sueños, 2020), o trabalho remunerado “não é apenas o mecanismo primário de distribuição de renda, mas também o instrumento básico de alocação de status e é frequentemente a forma mais importante, se não a única, de sociabilidade para milhões de pessoas”.
Entretanto, durante a maior parte da história humana, a realidade da vida tem sido muito diferente. Aparentemente, as sociedades de caçadores-coletores trabalhavam em média três horas por dia, e os camponeses europeus medievais desfrutavam de quatro ou cinco meses de férias por ano, o que mais do que compensava as semanas de seis dias (cujas horas não eram maiores que as de hoje). Foi o capitalismo, aliado à ética de trabalho protestante, que despojou os trabalhadores, homens e mulheres, de seu tempo, energia e outras manifestações de sua identidade.
Portanto, se considerarmos o tempo e o pós-crescimento juntos, é vital libertar nossos corpos das exigências daqueles que estão no poder e nossas mentes da ética de trabalho desenfreada.
Notas
[1] Meu primeiro chefe, o falecido e encantador Barry Clarke, do jornal Cootamundra Herald, na Austrália, costumava insistir que todos parassem o que estivessem fazendo e tomassem uma xícara de chá juntos pela manhã, e que nenhum trabalho deveria ser discutido naquele momento. Esse costume ajudou o local de trabalho a se tornar uma comunidade para um grupo diversificado de funcionários, que incluía trabalhadores de escritório, impressores e jornalistas. Se isso ainda fosse feito hoje, estaria em conformidade com o modelo 100:80:100?
[2] Quando falamos em pós-crescimento, estamos obviamente nos referindo ao Norte Global, onde os países consomem coletivamente entre cinco (EUA) e três vezes (Reino Unido e Europa) sua parcela dos recursos do planeta a cada ano. No Sul Global, os benefícios do RBU, como o aumento da produtividade (conforme demonstrado em um grande estudo no Quênia), podem contribuir positivamente para atender às necessidades da sociedade.
IHU – UNISINOS
https://www.ihu.unisinos.br/649822-trabalhe-menos-mas-nao-de-forma-mais-inteligente-artigo-de-natalie-bennett
por NCSTPR | 24/03/25 | Ultimas Notícias
Os indicadores relativos ao nível de endividamento das famílias brasileiras seguem bastante elevados. A pesquisa realizada pela CNC (Confederação Nacional do Comércio) costuma apresentar os percentuais das unidades familiares que possuem dívidas e, também, a participação dos vencimentos em atraso.
Paulo Kliass
Os números relativos ao mês de fevereiro de 2025 apresentam ligeira queda em relação aos levantamentos anteriores, mas o patamar se mantém em níveis preocupantes.
De acordo com a pesquisa, 76,4% das famílias apresentam algum grau de endividamento, sendo que 28,6% dessas estão inadimplentes. Além deste índice significativo das famílias que estão em atraso no cumprimento das obrigações financeiras, 12,4% reconhecem que não terão condições de honrar tais compromissos.
Fator que torna ainda mais dramática e regressiva tal dependência da maioria da população, em relação ao sistema financeiro salta aos olhos quando se estratificam as famílias endividadas de acordo com nível de renda mensal.
As famílias da faixa de rendimento entre 0 e 3 salários mínimos apresentam os maiores níveis de endividamento, bem como as mais elevadas taxas de inadimplência e reconhecem com maior frequência a incapacidade de pagar tais débitos. Na comparação com os estratos de renda acima de 10 SM, a disparidade é enorme.
O total de famílias endividadas é de quase 80% para as famílias mais pobres e cai para 65% no outro extremo. No que se refere à inadimplência, os índices, respectivamente, são de 37% e 15%. Quando a pergunta se refere à incapacidade de honrar os compromissos, os percentuais são de 18% e 5%.
No quesito modalidade de endividamento, a utilização do formato cartão de crédito se revela como sendo o responsável por 84% do total de casos. Na sequência, surgem as modalidades dos carnês, com 17%, e do crédito pessoal, com 10% de todos as formas de utilização. Ora, se considerarmos que os juros cobrados no cartão de crédito se situam no topo das maiores taxas praticadas pelas instituições financeiras, pode-se perceber o grau de espoliação a questão submetidas as famílias brasileiras.
Esse modelo estimulado pela equipe econômica é o resultado direto de sistema que privilegia o acesso ao consumo de forma irresponsável, comprometendo, sobremaneira, a capacidade de pagamento por parte da maioria da sociedade.
Só que, ao contrário do que ocorre nos sistemáticos momentos de favorecimento às dívidas das grandes empresas e dos conglomerados econômicos, o governo não apresenta nenhuma solução efetiva para os setores da base de nossa pirâmide da desigualdade.
Nada de alongamento dos perfis de endividamento, como faz com os modelos de refis (refinanciamento de dívidas tributárias), quando as obrigações do grande capital são reduzidas e renegociadas em até 180 meses sem juros.
Dívidas e mais dívidas
A proposta do governo é liberar a utilização dos recursos do FGTS para quitar dívidas financeiras. Ou seja, implementa-se completa deturpação do propósito do sistema que deveria ter como norte o financiamento habitacional e ajudar os trabalhadores cotistas no momento da demissão ou da perda do emprego.
Pelo contrário, de acordo com a proposta atual, os recursos saem das contas que os assalariados mantêm no sistema financeiro – por intermédio da Caixa Econômica Federal -, e se dirigem para os cofres das demais empresas do financismo – bancos e demais credores das dívidas das famílias e indivíduos. Esse foi o estratagema apresentado pela Medida Provisória 1.290, de 28 de fevereiro passado.
Outra proposta encaminhada pela equipe do Ministério da Fazenda refere-se à criação de nova modalidade de crédito consignado, inspirado nos modelos já existentes dos servidores públicos e de aposentados e pensionistas do INSS.
Trata-se de categorias que não correm quase o risco de inadimplência, vez que as parcelas de quitação das dívidas já saem diretamente dos contracheques para o caixa das instituições financeiras credoras. No entanto, apesar de toda esta segurança jurídica e financeira que é implícita a tal modalidade, os spreads praticados pelos bancos nas operações deste tipo de empréstimo ainda são bastante elevados.
A ampliação deste tipo de empréstimo para os trabalhadores formais do setor privado tornou-se possível por meio da autorização de novo modelo de crédito consignado para assalariados da CLT e situações “assemelhadas”, como os MEI (microempreendedores individuais).
Os bancos podem acessar os recursos das contas do FGTS dos indivíduos que optarem pela modalidade para montarem a garantia contra eventual inadimplência. Apesar do baixo risco de tais operações, não será estabelecido nenhum tipo de limite para as taxas de juros a serem aplicadas em tais empréstimos.
Um dos argumentos utilizados pelo governo em favor da medida é que as taxas de juros na nova modalidade serão mais baixas do que aquelas cobradas anteriormente. Ora, sob tais condições, quem seria contra novo contrato com menos encargos financeiros sobre o estoque da dívida das famílias? O ponto é que não se pode reduzir as opções de política pública à escolha entre o péssimo e o muito ruim.
A estratégia do governo não apresenta nenhuma solução para romper o círculo vicioso da espiral de dependência da maioria da sociedade em relação ao financismo. Injeta-se dinheiro novo no circuito econômico para manter o recurso no âmbito do próprio sistema financeiro.
Romper a lógica do financismo
Assim, o caminho para superar essa verdadeira bola de neve do parasitismo passa por programa robusto de equacionamento de tais níveis de endividamento das famílias. Isso implica que o Tesouro Nacional assuma a responsabilidade pelo saneamento de tais obrigações financeiras e libere a dinâmica econômica das famílias para que dirijam seus rendimentos para o consumo de bens e serviços.
Esse é o modelo adotado nas inúmeras versões dos refis. Não basta que as famílias troquem uma dívida por outra, vez que o excessivo grau de endividamento opera como verdadeiro obstáculo para que os recursos “novos” entrem de fato na esfera da economia produtiva real.
O problema é que a obsessão da equipe econômica em cumprir as regras da ortodoxia e da austeridade presentes no Novo Arcabouço Fiscal impede a busca de soluções fora do cardápio oferecido pelo manual do neoliberalismo.
O governo deveria flexibilizar a armadura férrea da política fiscal cega e burra. Não faz sentido negar todo e qualquer caminho que implique aumento de despesas primárias orçamentárias, sendo que os gastos financeiros com pagamento de juros da dívida pública se aproximam perigosamente do patamar de R$ 1 trilhão anuais.
Já se percebeu que a solução do grave endividamento das famílias não será alcançada apenas pela livre ação das forças de mercado. É fundamental que o Estado entre na equação, liberando os recursos necessários e regulamentando os excessos praticados de forma impune pelo oligopólio bancário. Caso contrário, seguiremos no modelito de troca de dívida velha por dívida nova, em que as famílias seguem sendo presas fáceis nas mãos das hienas sedentas do financismo.
Aos bancos não interessa que as famílias estejam livres dessas dívidas. Afinal, tais obrigações, quase sempre manipuladas a juros altíssimos, são das principais fontes de lucros do sistema.
(*) Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. Imagem: endividamento das famílias | Fonte: CNC
DIAP
https://diap.org.br/index.php/noticias/artigos/92197-endividamento-e-credito-consignado
por NCSTPR | 24/03/25 | Ultimas Notícias
O Parlamento e o Conselho Europeu aprovaram, em novembro de 2024, a Diretiva UE 2024/28311, em vigor desde 2 de dezembro, com regras para a regulação do trabalho mediado por plataformas digitais. Todos os 27 países terão 2 anos, ou seja, até dezembro de 2026, para implementar padrão normativo básico de proteção do trabalho mediado por aplicativos e plataformas.
Clemente Ganz Lúcio
Esse regramento está assentado em diretrizes gerais que orientam todas as iniciativas de regulação das condições e relações de trabalho mediadas por plataformas nos países-membros da UE (União Europeia). Em seus fundamentos, a Diretiva considera que há persistente classificação incorreta do estatuto profissional em certos tipos de plataformas digitais, o que tem acarretado decisões judiciais que reclassificam os alegados trabalhadores por conta própria como trabalhadores das plataformas.
Para construir a Diretiva, a governança da UE realizou consulta com os parceiros sociais para realizar negociações sobre as questões enunciadas. No entanto, não obteve o sucesso esperado. Também realizou intercâmbio com as partes interessadas, com peritos da academia, dos Estados-membros, das organizações internacionais e representantes da sociedade civil.
A Diretiva define que o trabalho em plataformas digitais (ou aplicativos) é efetuado por pessoas por meio da infraestrutura digital das plataformas de trabalho digitais, que prestam serviços aos clientes. Há enorme variedade de domínios nos quais se realizam os trabalhos digitais, grande heterogeneidade de tipos de plataformas de trabalho, de setores abrangidos e de atividades realizadas. Estima-se que há 28 milhões de trabalhadores em cerca de 500 plataformas no continente europeu.
Por meio dos algoritmos, as plataformas monitoram, organizam e tomam decisões com base em estratégia de negócio, cumprindo, por meio das máquinas e equipamentos, funções de gestão humana, como a atribuição e a execução do trabalho, mensuração e fixação da remuneração de cada tarefa, determinação do horário de trabalho, comunicação de instruções, avaliação do trabalho realizado, concessão de incentivos ou aplicação de penalidades, entre outros. Os trabalhadores, seus representantes sindicais, os serviços de inspeção do trabalho e outras autoridades competentes dificilmente têm acesso a essas informações.
A Diretiva considera que plataforma de trabalho digital ou aplicativo está materializada em pessoa física, pessoa jurídica ou entidades comerciais internacionais presentes em muitos países. O serviço é realizado por pessoa com base em relação de trabalho contratual com a plataforma de trabalho digital, sendo que esta pode, inclusive, utilizar ou apoiar-se em intermediário, sob a responsabilidade da empresa plataforma, independentemente de poder existir relação contratual entre a pessoa que trabalha mediada pela plataforma e o destinatário do serviço.
O trabalho mediado por plataformas digitais está em rápida evolução, criando ou alterando modelos de negócio e formas de emprego, dimensões que muitas vezes não estão abrangidas pelos sistemas de regulação e proteção.
As plataformas digitais, segundo a Diretiva, por facilitarem o acesso ao mercado de trabalho, além de oferecerem ocupação em tempo integral, também permitem rendimentos adicionais por meio de atividade secundária, favorecendo algum tipo de flexibilidade na organização da jornada de trabalho.
Por outro lado, também remuneram mal, apresentam hiperflexibilidade, excesso de jornada de trabalho e carência de proteções básicas, entre outros problemas. Esses elementos dificultam a caracterização da relação de trabalho, seja como assalariamento clássico ou trabalho autônomo, e as atribuições de responsabilidades.
Por isso, elemento essencial é a classificação correta do estatuto profissional — vínculo assalariado ou trabalhador autônomo —, favorecendo direitos e proteções equivalentes a todas as formas de relação de trabalho, coibindo concorrências desleais entre as empresas e garantindo equivalência nas bases tributárias e nas responsabilidades acessórias.
A Diretiva 2024/2831 reconhece que os atos jurídicos existentes no âmbito da União Europeia não são suficientes para responder aos desafios suscitados pelo trabalho em plataformas digitais, o que exige medidas adicionais e específicas, entre as quais se destacam:
• presunção de que os trabalhadores da plataforma são empregados se as condições indicarem subordinação, exclusividade, direção e controle como jornada de trabalho ou remuneração, entre outros aspectos. Cabe, portanto, à plataforma o ônus da prova para demonstrar a condição de trabalho autônomo/independente do trabalhador;
• garantia de supervisão humana para as decisões algorítmicas, particularmente àquelas que envolvem atribuições de tarefas ou avaliações de desempenho. Decisões críticas que afetam os trabalhadores, como suspensões ou rescisões de contratos, devem ser tomadas por humanos, justificadas por escrito e abertas à revisão, garantindo a responsabilidade em processos automatizados de tomada de decisão;
• obrigatoriedade de informar os trabalhadores e os representantes sobre como funcionam os algoritmos no monitoramento e avaliação, garantindo e fornecendo canais acessíveis para comunicação entre os trabalhadores, e entre os trabalhadores e os representantes;
• cooperação entre as autoridades nacionais para fazer cumprir os direitos dos trabalhadores em todos os países, criando abordagem unificada dos direitos trabalhistas dentro da UE;
• portabilidade dos dados de desempenho e avaliação, entre outras informações, que garantam a mobilidade e a transparência para o trabalhador; e
• penalização de violações das regras com multas ou outras sanções.
Os Estados-membros da UE deverão adaptar-se às normas trabalhistas existentes, atualizá-las sempre que necessário, ou criá-las para responder às características dos processos produtivos da economia digital.
(*) Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República – Conselhão, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do Dieese (2004-2020).
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1 Diretiva do Parlamento Europeu e Conselho 2024/2831, aprovada em 23 de outubro de 2024, disponível em https://data.consilium.europa.eu/doc/document/PE-89-2024-INIT/pt/pdf
DIAP
https://diap.org.br/index.php/noticias/artigos/92196-o-trabalho-em-plataformas-digitais-exige-regulacao