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Tema 55 do TST: assistência sindical para demissão de estáveis

Tema 55 do TST: assistência sindical para demissão de estáveis

O Tribunal Superior do Trabalho iniciou nova fase em sua missão, passando a adotar uma visão bastante pragmática do Direito para se transformar numa corte de precedentes.  Meu objetivo aqui não é debater a escolha em si, nem os riscos da postura, mas trabalhar as possíveis consequências da adoção dos precedentes vinculantes.

E para iniciar essa nova série, vou esmiuçar o Tema 55 da Tabela de Recursos de Revista Repetitivos, em que se fixou a seguinte tese:

“A validade do pedido de demissão da empregada gestante, detentora da garantia provisória de emprego prevista no artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), está condicionada à assistência do sindicato profissional ou da autoridade local competente, nos termos do artigo 500 da CLT.”

O citado artigo consolidado estabelece, por sua vez, que:

“O pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho.”

O primeiro passo é registrar que não concordo com a tese, pois o artigo 500 da CLT foi criado para um tipo específico de estabilidade, a antiga decenal. Sua construção se deu por conta de uma estabilidade absoluta e definitiva, bem diferente da garantia provisória de emprego da gestante.

Mas o sistema de precedentes é assim mesmo, o que importa o que eu penso?  Nada! Estabelecida a tese, vamos aplicar e compreender seu alcance e consequências.

De imediato surge uma conclusão óbvia.  Lendo o acórdão paradigma (IRR-243000-58.2013.5.13.0023) podemos identificar alguns argumentos para adoção do entendimento, sendo o principal deles, a meu ver, que o artigo 500 da CLT está em vigor e rege de forma genérica a validade da demissão de empregados estáveis (não apenas o antigo estável decenal).

Em consequência, preparem-se gestores de RH e empresários, não vai demorar para que todos os empregados estáveis (aí também incluídas as garantias de emprego conhecidas duvidosamente por “estabilidades provisórias”) postulem a mesma aplicação do Tema 55.  E por que não?

Ora, se o fundamento para gestante (mera garantia de emprego ou “estabilidade provisória”) é de que o artigo 500 da CLT está em vigor e deve ser aplicado pelo simples fato da gestante ser detentora da proteção, não há motivo lógico para não adotarmos idêntica aplicação a todos os tipos de estabilidades (definitivas ou provisórias).

E como a tese não fixou nenhum tipo de modulação, aí vai uma primeira consequência possível: todos os empregados estáveis que se demitiram nos últimos dois anos já possuiriam direito a receber indenização por não observada a necessária assistência sindical para validade do ato.

Criamos um passivo trabalhista pelo fato de empregado e empregador não adotarem uma conduta prevista em artigo de lei que, até aqui, ninguém cogitava ser aplicável genericamente a trabalhadores estáveis. Será? Penso que não.

Lógica é simples

Se o empregador não dispensou o empregado e a demissão deste não é válida, por uma conduta sua, de não buscar a assistência sindical, a consequência jurídica é reconhecermos que o ato que teria levado à extinção do contrato é nulo, nos termos do artigo 9º da CLT.

Caberia ao empregado, portanto, continuar seu labor, ficando configurada falta injustificada a partir do dia em que, invalidamente, se demitiu e cessou a prestação de serviço.  Vale lembrar, não foi o empregador que produziu o ato inválido, mas o próprio trabalhador, não sendo possível atribuir a outrem as consequências de suas próprias condutas, sob pena de alegação da própria torpeza.

Iniciada a sequência de faltas injustificadas, poderá o empregador, se assim desejar, aplicar justa causa por abandono de emprego, adotando todas as medidas para tal, com a necessária convocação para retorno do trabalhador, no exercício do poder disciplinar.

Caso opte por não aplicar a penalidade máxima, e estando o contrato em vigor, mas sem a prestação de serviço do empregado, outra conclusão não há se não reconhecer a suspensão do contrato de trabalho, que se dá exatamente em tais situações: ausência de trabalho e não pagamento de salários.

Note-se que a tese vinculante em nenhum momento fala que quando o empregado estável se demite sem assistência sindical o contrato de trabalho deve ser considerado extinto por dispensa imotivada, com o pagamento da consequente indenização.

A tese apenas pacifica que o ato demissional não será válido sem a assistência, o que obviamente leva à conclusão acima adotada: o contrato não se extingue, estando ainda em vigor. E por culpa do empregado, que não preencheu o requisito de validade que estava ao seu alcance.

E agora a parte mais interessante. O empregado estável demissionário, que não obtiver a assistência sindical estará sujeito a permanecer trabalhando contra sua vontade ou abandonar o emprego e ser punido com justa causa. De um lado lesão ao princípio fundamental da liberdade de trabalhar, de outro, lesão ao princípio da proteção.

Mas a tese é vinculante. Vamos aplicar. Inclusive tive oportunidade de relatar córdão que chegou a tal conclusão, fica abaixo para estudo e reflexão:

“DIREITO DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO. DEMISSÃO DE EMPREGADA GESTANTE. PEDIDO DE DEMISSÃO SEM ASSISTÊNCIA SINDICAL. RESCISÃO INDIRETA. ALTERAÇÃO DE LOCAL DE TRABALHO. RECURSO NÃO PROVIDO.

CASO EM EXAME
Recurso Ordinário interposto contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de declaração de nulidade do pedido de demissão, reconhecimento de rescisão indireta do contrato de trabalho e pagamento de indenização substitutiva referente à estabilidade gestante. A recorrente, empregada gestante, alegou que a transferência para uma unidade distante de sua residência, após reintegração em razão da gravidez, configurou mudança abusiva do local de trabalho e falta grave do empregador, ensejando a rescisão indireta. Argumentou, ainda, a nulidade do pedido de demissão por falta de assistência sindical e vício de consentimento, decorrente da coação da empregadora.

QUESTÃO EM DISCUSSÃO
Há três questões em discussão: (i) definir a validade do pedido de demissão da empregada gestante, sem assistência sindical; (ii) estabelecer se houve alteração abusiva do local de trabalho que configura falta grave do empregador, ensejando rescisão indireta do contrato; (iii) determinar se o pedido de demissão foi realizado mediante coação, configurando vício de vontade.

III. RAZÕES DE DECIDIR
O pedido de demissão de empregada gestante, amparada pela estabilidade provisória prevista no art. 10, II, “b”, do ADCT, somente é válido com a assistência do sindicato ou autoridade competente, conforme art. 500 da CLT. A jurisprudência do TST consolidada em precedente (RR-0000427-27.2024.5.12.0024) confirma essa exigência, tornando nulo o pedido de demissão sem tal assistência.

A alteração do local de trabalho, em regra, insere-se no poder diretivo do empregador. Entretanto, não se configura falta grave quando não comprovada a intenção de retaliar a empregada ou de criar situação insustentável para forçá-la à demissão. No caso concreto, a prova não demonstrou a intenção da empregadora em impor represálias, mas sim, a ausência de vaga na unidade original.

A alegação de coação para viciar a declaração de vontade do pedido de demissão exige comprovação de temor de dano iminente e considerável à pessoa, família ou bens, conforme art. 151 do Código Civil. O ônus da prova da coação incumbia à recorrente, e não restou demonstrado nos autos, sendo insuficiente para caracterizar vício de consentimento.

O fato da recorrente estar grávida não enseja, automaticamente, a conversão do pedido de demissão em dispensa sem justa causa ou em rescisão indireta, quando não configurada conduta ilícita pelo empregador.

DISPOSITIVO E TESE
Recurso não provido. Tese de julgamento:
O pedido de demissão de empregada gestante, protegida pela estabilidade provisória prevista no art. 10, II, “b”, do ADCT, é nulo se não houver assistência sindical, conforme art. 500 da CLT e jurisprudência consolidada do TST.
A alteração do local de trabalho, pelo empregador, não configura falta grave ensejadora de rescisão indireta se não comprovada a intenção de retaliação ou de criar condição insustentável.
A alegação de coação para viciar o pedido de demissão exige prova do temor de dano iminente e considerável, cabendo à parte autora o ônus de comprovação.
Não buscando a empregada, após orientação do empregador, a assistência sindical para dar continuidade ao pedido de demissão nos termos do art. 500 da CLT e nem havendo dispensa por justa causa em decorrência de abandono de emprego, o contrato de trabalho mantém-se suspenso.

Dispositivos relevantes citados: artigo 10, II, “b”, do ADCT; artigo 483, alínea “d”, da CLT; artigo 500 da CLT; artigo 151 do Código Civil; artigo 818 da CLT; artigo 373, I, do CPC. Jurisprudência relevante citada: RR-0000427-27.2024.5.12.0024 (TST).

Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (2ª Turma). Acórdão: 0100065-09.2024.5.01.0034. Relator(a): Otavio Torres Calvet. Data de julgamento: 14/05/2025. Juntado aos autos em 23/05/2025. Disponível aqui

  • é diretor da Escola da ABMT (Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho).

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2025-out-20/tema-55-do-tst-assistencia-sindical-para-demissao-de-estaveis/

Tema 55 do TST: assistência sindical para demissão de estáveis

Expectativa frustrada de contratação gera dano moral indenizável, decide TRT-15

Os atos preparatórios para assumir um emprego geram obrigações à empresa contratante. Sendo assim, a frustração da promessa de contratação gera o dever de pagar indenização por danos morais, no entendimento da 2ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (interior de São Paulo).

Empresa gerou expectativa de contratação em trabalhadora e desfez o processo sem justificativa

A decisão foi tomada no caso de uma mulher que se candidatou a uma vaga de cozinheira escolar. Ela cumpriu todas as etapas do processo seletivo, inclusive exames admissionais e entrega de documentos. Após dez dias sem ter resposta da empresa, foi informada de que não seria mais contratada, sem nenhuma justificativa.

Na ação trabalhista, a empresa se defendeu acusando a trabalhadora de ter mentido na entrevista de emprego. Ela, porém, não apresentou provas de sua alegação.

A desembargadora Susana Graciela Santiso, relatora da matéria, partiu do princípio da boa-fé objetiva, que deve ser observado na relação entre as partes durante a contratação, conforme diz o artigo 422 do Código Civil.

“Mesmo na fase pré-contratual das negociações preliminares da oferta de emprego, impõe-se a observância do preceito supra, devendo os contratantes agir com lealdade recíproca, fornecendo as informações necessárias, e de forma transparente, evitar criar expectativas que possam frustrar a parte contrária”.

Segundo a magistrada, é natural que, à medida em que o processo de contratação avança, as expectativas da trabalhadora cresçam. “Não é por outra razão que, nos termos do art. 427 do CC, os atos preparatórios ao contrato também geram obrigações, especialmente, com relação à empresa contratante, porquanto é ela que se propõe ao fornecimento do emprego.”

Para a relatora, “não resta dúvida de que a relação de emprego estava na iminência de ser concretizada. Portanto, havia mais do que mera expectativa de um direito, adentrando no campo da segurança do contrato futuro”. Ela votou por condenar a empresa a pagar indenização de R$ 5,5 mil, sendo seguida por unanimidade.

O advogado Miguel Carvalho Batista, do escritório Carvalho Batista Advocacia Especializada, representou a mulher no processo. Ele apontou que a decisão “é relevante para a jurisprudência trabalhista, pois reconhece que a expectativa legítima de contratação, quando frustrada de forma injustificada, gera dano moral indenizável”.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 0010961-86.2025.5.15.0064

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-out-19/expectativa-frustrada-de-contratacao-gera-dano-moral-indenizavel-decide-trt-15/

Tema 55 do TST: assistência sindical para demissão de estáveis

Por questão de saúde, TRT-15 autoriza prosseguimento de ação sobre pejotização

A Constituição Federal assegura o direito à saúde e, dessa forma, não seria razoável paralisar o andamento de uma ação de um trabalhador com doença grave por causa da suspensão dos julgamentos sobre a pejotização em todo o país, por determinação do Supremo Tribunal Federal.

Com essa fundamentação, o juiz convocado Alexandre Vieira dos Anjos, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (interior de São Paulo), deu provimento a um mandado de segurança para garantir o prosseguimento de uma ação trabalhista que havia sido suspensa por decisão da Vara do Trabalho de São José do Rio Pardo (SP).

O juízo de primeira instância suspendeu a ação em obediência a uma decisão do ministro Gilmar Mendes, decano do STF, no Tema 1.389 de repercussão geral, que discute a chamada pejotização. Gilmar determinou a suspensão de todas as ações do tipo no país, mas o trabalhador alegou que sofre de síndrome de burnout, doença categorizada como grave e potencialmente gerada pelo ambiente de trabalho. Assim, o magistrado do TRT-15 dividiu o caso em duas partes: a primeira trata do vínculo irregular de pejotização; e a segunda, da condição de saúde do autor da ação.

Alexandre dos Anjos concordou que a primeira parte do processo deve continuar suspensa, mas ele entendeu que a segunda deve ser julgada logo para não haver o risco de danos irreparáveis ao trabalhador.

“O direito à saúde também é assegurado pela Constituição Federal. Se, de um lado, a segurança jurídica é fundamental para o sistema jurídico, o bem estar do ser humano e a preservação de sua saúde são deveres do Estado e não podem ficar sem amparo”, sustentou ele.

Para o juiz convocado ao TRT-15, a questão de saúde é urgente e a suspensão do processo impede a produção de prova pericial essencial para a comprovação da doença ocupacional.

“Há pedido de rescisão indireta, pois, na visão do impetrante, o mal que o acomete (burnout) tem relação causal com o ambiente de trabalho, pelo que, na visão do trabalhador, seria um martírio permitir o prosseguimento da relação de emprego, quando ausente a possibilidade de desenvolver o seu trabalho em local isento de riscos para a sua saúde mental”, afirmou o magistrado. “Pode-se perfeitamente resolver as questões que não estão afetadas pelo Tema 1.389 e posteriormente, quando o STF decidir a respeito da matéria, dar prosseguimento ao julgamento do pedido de unicidade contratual.”

Clique aqui para ler a decisão
Processo 0021118-19.2025.5.15.0000

CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-out-18/por-questao-de-saude-trt-15-autoriza-prosseguimento-de-acao-sobre-pejotizacao/

Tema 55 do TST: assistência sindical para demissão de estáveis

Número de trabalhadores por app cresceu 25,4% em 2024, aponta IBGE

Entre 2022 e 2024, o trabalho mediado por aplicativos cresceu 25,4%, o que corresponde a 335 mil novas pessoas na categoria. O número de trabalhadores aumentou de 1,3 milhão para cerca de 1,7 milhão. Essa análise compõe a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A parcela de brasileiros ocupados com essa forma de trabalho também foi ampliada: eram 1,5% dos 85,6 milhões ocupados em 2022, hoje representam 1,9% da totalidade de 88,5 milhões. O dado utiliza, para comparativo, o número de pessoas com mais de 14 anos que trabalham.

Dominam as práticas de transporte de pessoas e de serviços de entrega, com soma de quase 88% dos trabalhadores plataformizados:

Os dados apontam ainda para uma migração de condutores de motocicletas para o trabalho plataformizado: em 2022 correspondiam a um quarto, que em 2024 se tornou um terço. Percentualmente, são 33,5% ou 351 mil dos 1,1 milhão de trabalhadores.

Quanto aos condutores de automóveis, o número de plataformizados corresponde a 43,8% ou 824 mil pessoas das 1,9 milhão que trabalha na área. Os outros 56,2% não utilizam aplicativos para o exercício do trabalho.

CONGRESSO EM FOCO

https://www.congressoemfoco.com.br/noticia/113055/numero-de-trabalhadores-por-app-cresceu-25-4-em-2024-aponta-ibge

Tema 55 do TST: assistência sindical para demissão de estáveis

A escala 6×1 sob a ótica da economia solidária. Artigo de Bruno Farias

A luta pela abolição da escala 6×1 transcende uma simples reivindicação trabalhista, representando um questionamento profundo a um modelo de desenvolvimento que sustenta sua competitividade na superexploração do tempo e da vida.

O artigo é de Bruno Farias, graduado em economia e graduando em matemática, publicado por A Terra é Redonda.

1.

O debate sobre a escala 6×1 não pode ser compreendido apenas como uma disputa em torno de condições imediatas de trabalho. Ele é expressão concreta de como o Brasil se insere no mercado internacional e de como essa inserção periférica molda o mundo do trabalho de maneira a perpetuar a precarização.

A exigência de seis dias de trabalho para apenas um de descanso é a materialização daquilo que Ruy Mauro Marini denominou “superexploração da força de trabalho”, característica estrutural das economias dependentes, que mantêm sua competitividade não por meio da soberania tecnológica, mas pela intensificação da exploração laboral.

Essa lógica se manifesta porque a economia brasileira, ao importar tecnologias, não as internaliza de modo autônomo; ao contrário, essas tecnologias chegam subordinadas à lógica das grandes corporações internacionais, impondo ganhos de produtividade que não se traduzem em melhores condições de vida, mas em novas formas de pressão sobre os trabalhadores, seja pela intensificação da jornada, seja pelo desemprego estrutural.

Sob essa ótica, a escala 6×1 não é apenas um dispositivo jurídico ou uma herança trabalhista ultrapassada: ela é parte que constitui um modelo de desenvolvimento dependente, que se reproduz a partir da precarização e da desvalorização da força de trabalho.

O Brasil, ao se manter como elo subordinado nas cadeias globais de valor, precisa sustentar custos baixos para oferecer produtos competitivos, minando a capacidade de criação de empregos de maior qualidade, e isso se traduz no prolongamento das jornadas, na informalidade e na fragilidade sindical. Nesse sentido, o fim da escala 6×1 deve ser compreendido não como uma pauta isolada, mas como parte de uma discussão maior sobre como romper com esse padrão de desenvolvimento.

2.

É justamente aqui que a Economia solidária oferece uma chave crítica e propositiva. Ao invés de aceitar a competitividade internacional como medida única de desenvolvimento, a Economia solidária redefine a própria noção de economia, colocando no centro a vida, a cooperação e a soberania social.

Paul Singer insistia que a economia solidária não busca competir segundo a lógica do capital, mas criar alternativas de inclusão e democratização. Nesse sentido, discutir o fim da escala 6×1 significa questionar não apenas o tempo de trabalho, mas o sentido do trabalho na sociedade. O que está em jogo é se o tempo social deve ser apropriado para a reprodução do capital ou para a realização da vida comunitária e fortalecimento da democracia.

Autores como Coraggio lembram que a dependência tecnológica não é um destino inevitável, mas uma escolha política de desenvolvimento. A economia solidária, ao propor a apropriação social das tecnologias, rompe com a lógica da importação subordinada: não se trata de adotar máquinas e sistemas que aumentem apenas a taxa de exploração, mas de desenvolver inovações que reduzam a penosidade do trabalho e que possam ser apropriadas coletivamente.

Experiências de cooperativas solidárias demonstram que a tecnologia pode ser usada para diminuir a carga de trabalho e ampliar o tempo livre, desde que sua lógica de gestão não esteja voltada ao lucro privado, mas ao bem comum.

É nesse ponto que as reflexões de Renato Dagnino se tornam fundamentais. Renato Dagnino denuncia que a tecnociência capitalista é concebida e organizada sob a lógica da acumulação de capital, de modo que suas prioridades não emergem das necessidades sociais, mas das demandas de um mercado mundial hierarquizado. Isso significa que, quando o Brasil importa tecnologia, não traz consigo apenas máquinas e processos, mas também a lógica que os concebeu: uma lógica de intensificação da exploração e de reprodução das desigualdades.

O resultado é que os avanços tecnológicos, longe de libertarem os trabalhadores da escala 6×1, reforçam sua subordinação, pois o aumento da produtividade raramente é revertido em redução da jornada ou em melhoria das condições de vida; ao contrário, é apropriado pelas empresas na forma de lucros crescentes.

Para Renato Dagnino, a alternativa está na tecnociência solidária: um modo de produzir ciência e tecnologia orientado pelas demandas reais da sociedade, especialmente dos trabalhadores e das organizações populares. Nessa perspectiva, a tecnologia não é neutra nem universal, mas resultado de escolhas políticas e sociais. Portanto, desenvolver uma tecnociência solidária significa decidir coletivamente que tipo de inovação se quer, com quais objetivos e para benefício de quem.

Ao articular essa visão com a Economia Solidária, torna-se evidente que o fim da escala 6×1 só pode ser sustentável se estiver ancorado em um modelo tecnológico distinto, em que a produção do conhecimento esteja vinculada à emancipação e não à reprodução da dependência.

Essa crítica de Renato Dagnino à tecnociência capitalista aprofunda o sentido da luta contra a superexploração: ela revela que não basta lutar por leis trabalhistas mais protetoras se a base produtiva continua estruturada em torno de tecnologias desenhadas para maximizar o lucro privado.

Enquanto a ciência e a técnica forem instrumentos da acumulação, o tempo de trabalho continuará subordinado às exigências do mercado mundial. A tecnociência solidária, ao contrário, abre espaço para que a organização do trabalho seja repensada em termos de redução da jornada, valorização da vida comunitária e fortalecimento da democracia.

3.

Ao trazer esse olhar, a economia solidária transforma a pauta do fim da escala 6×1 em uma crítica radical ao modelo de desenvolvimento dependente. Não basta lutar por mais um dia de descanso; é preciso lutar por uma reorganização do tempo de trabalho que permita às pessoas exercerem a cidadania, participarem da vida comunitária, produzirem cultura e conhecimento. O tempo livre não pode ser apenas um respiro para recuperar forças e voltar à exploração; ele precisa ser espaço de criação de novas formas de vida coletiva.

A Economia solidária mostra que isso é possível quando a gestão da produção é feita democraticamente, quando as necessidades são definidas pelos próprios trabalhadores e quando o desenvolvimento é medido não pelo PIB ou pelas exportações, mas pela qualidade da vida social.

Assim, o fim da escala 6×1 se conecta diretamente à necessidade de um novo modelo de desenvolvimento, que rompa com a dependência e que construa soberania produtiva a partir da cooperação e solidariedade. Em vez de manter o país preso à lógica de ser exportador barato de trabalho intensivo, a economia solidária propõe redes produtivas autogestionárias, capazes de criar mercados internos fortes e de valorizar o tempo humano.

Isso implica repensar as próprias bases do crescimento: não se trata de crescer para atender à demanda externa, mas de produzir para atender às necessidades da sociedade, reduzindo a jornada e ampliando a vida comunitária.

O debate sobre a escala 6×1, portanto, é o ponto de partida para questionar o modo como o Brasil se desenvolve e para afirmar que outro desenvolvimento é possível. Um desenvolvimento no qual a tecnologia não precariza, mas liberta; no qual o trabalho não é um sacrifício interminável, mas uma atividade compartilhada e digna; no qual o tempo livre é condição de cidadania e não sobra ocasional de uma semana extenuante.

A economia solidária nos mostra que a luta pelo fim da escala 6×1 é, na verdade, a luta pela libertação do tempo social, e por um projeto de desenvolvimento que faça da solidariedade a base de uma nova economia. A crítica de Renato Dagnino reforça essa visão ao demonstrar que a própria ciência e a própria tecnologia precisam ser transformadas: se quisermos superar a lógica da superexploração, precisamos construir uma tecnociência solidária que esteja a serviço da vida e da democracia, e não da acumulação e da dependência.

IHU – UNISINOS

https://www.ihu.unisinos.br/658524-a-escala-6-1-sob-a-otica-da-economia-solidaria-artigo-de-bruno-farias