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STF convoca audiência pública para discutir “pejotização” em contratos de trabalho

STF convoca audiência pública para discutir “pejotização” em contratos de trabalho

Ministro Gilmar Mendes afirmou que medida contribuirá para o debate sobre limites e balizas para contratação de autônomos ou pessoas jurídicas para prestação de serviços

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), convocou audiência pública para discutir a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, a chamada “pejotização”. O despacho foi proferido nesta quinta-feira (3) no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1532603, que teve repercussão geral reconhecida (Tema 1.389) neste ano.

Em sua exposição, o ministro Gilmar Mendes afirma que a discussão sobre a “pejotização” tem inegável relevância econômica e social, além de ter se tornado prática recorrente entre empresas de todos os portes e segmentos. Neste sentido, é imprescindível a definição de critérios claros e objetivos para a caracterização de eventual fraude, de forma a garantir transparência e proteção a empregadores e trabalhadores.

“A coleta de dados e argumentos tecnicamente qualificados e especializados permitirá que esta Corte se debruce com maior segurança sobre os fatos. A reflexão em torno da liberdade da organização produtiva dos cidadãos e da proteção ao trabalhador, especialmente no que se refere aos hipossuficientes, impõe esclarecimentos técnicos acerca do impacto dessa forma de contratação na economia nacional, envolvendo não apenas as empresas contratantes, mas também a União, tendo em vista reflexos diretos em sua arrecadação”, afirmou o ministro.

A audiência pública deverá ser realizada na data provável de 10 de setembro. Entidades e interessados em participar do evento devem se inscrever até o dia 10 de agosto pelo formulário eletrônico neste link, preenchendo informações como nome completo, CPF ou CNPJ, telefone, e-mail, currículo, instituição de vinculação, tipo de participação e tema da exposição.

A relação de inscritos habilitados será disponibilizada no site do Supremo Tribunal Federal no dia 15 de agosto.

Leia a íntegra do despacho.

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/noticias/92308-stf-convoca-audiencia-publica-para-discutir-pejotizacao-em-contratos-de-trabalho

STF convoca audiência pública para discutir “pejotização” em contratos de trabalho

Tempos de empreendedores sem capital

Arecente onda de repúdio à CLT costuma encontrar duas explicações principais. De um lado, argumenta-se que esses ataques são mera reprodução de uma ideologia neoliberal e que os detratores apenas repetem um discurso imposto pela burguesia.  Do outro, afirma-se que os indivíduos querem liberdade e autonomia e que esses elementos só podem ser encontrados no empreendedorismo. Para este grupo, carteira assinada é sinônimo de fracasso e empreendedorismo é equivalente a liberdade.

Embora o componente ideológico explique parte do problema, ele não abarca uma série de nuances presentes no cotidiano dos trabalhadores que, eventualmente, fazem críticas à CLT. O pano de fundo dessa discussão poderia ser o seguinte: qual o tipo de emprego de carteira assinada que está disponível para a maioria da população brasileira? De acordo com o IBGE, a cada 10 trabalhadores com carteira assinada, 7 ganham até dois salários-mínimos. Ademais, 90% dos empregos formais criados em fevereiro de 2025 são em vagas que pagam até 2 salários[1]. A esses dados, acrescentamos o fato de que o assédio moral, o controle e a extensão da jornada de trabalho e as longas horas de deslocamento no transporte público compõem a experiência cotidiana desses trabalhadores.

Isso nos levaria a reelaborar a afirmação inicial. Os trabalhadores não repudiam o conjunto de direitos conferidos pela CLT, mas sim, os empregos com carteira assinada que estão realmente disponíveis no mercado: baixos rendimentos, assédio moral e, por vezes, em escala 6 x 1. Aqui, o componente ideológico, enquanto prática e discurso, entra em cena. Essa precariedade poderia ser atribuída a uma série de motivos, como a ânsia dos patrões em rebaixar os salários para aumentar a taxa de lucro, os políticos que defenderam uma reforma trabalhista que rebaixou, ainda mais, as condições laborais de milhões de brasileiros, entre outros. Entretanto, a carteira de trabalho, por si só, aparece como causa do problema. Em síntese, parte-se de uma insatisfação real e concreta vivenciada por milhões de pessoas para apresentar um engodo como solução.

Por trás dessa nova onda de ataques às legislações protetoras do trabalho está diretamente o avanço das empresas-plataforma e, consequentemente, a expansão do trabalho digital — seja aquele baseado em uma localidade, como o realizado por entregadores, motoristas e cuidadores, ou os micro e macrotrabalhos remotos desempenhados por treinadores de IA, moderadores de redes sociais, freelancers, entre tantos outros. Em sua grande maioria, subsidiadas pelo capital financeiro, empresas como Uber, Deliveroo, Workana e Amazon Mechanical Turk, são extremamente dependentes dos dados, por elas apropriados, de seus consumidores e trabalhadores. Dados que os investidores apostam poder produzir vantagens competitivas através de eficiências de custos na produção e na circulação de mercadorias (Antunes, Gonsales, van der Laan, 2025).

A captura de dados em escala está estruturalmente vinculada à necessidade de as empresas plataforma consolidarem suas forças de trabalho às margens de qualquer legislação protetora do trabalho e “justifica” o enorme montante de capital e trabalho por elas despendidos nessa tarefa, seja fazendo lobby, influenciando legislações ou propagando o empreendedorismo de si mesmo.

Com a obrigatoriedade de vínculos formais, as plataformas seriam forçadas a reduzir o número de trabalhadores disponíveis, o que impactaria diretamente sua capacidade de atuação em múltiplos mercados, encarecendo os serviços, limitando o acesso, reduzindo receitas e restringindo a coleta massiva de dados. Dessa forma, a regulamentação comprometeria a lógica de dupla geração de valor dessas empresas — baseada tanto na exploração do trabalho quanto na especulação com dados de trabalhadores e consumidores.

A proteção social na periferia do capitalismo

Apesar da contradição das legislações protetoras do trabalho entre a atenuação de danos e a legitimação do trabalho-mercadoria, a CLT representa um conjunto de direitos que possuem, como objetivo, impor alguns limites à exploração desenfreada do capital sobre o trabalho. A garantia de férias remuneradas, o 13º salário, o FGTS, o auxílio maternidade, o descanso semanal remunerado são direitos conquistados pela luta dos trabalhadores e trabalhadoras e buscam garantir algum nível de dignidade aos indivíduos nas relações laborais.

Pois bem, em um país da periferia do capitalismo como o Brasil, com um modelo de desenvolvimento agroexportador, atravessado por décadas de desindustrialização, a grande massa de empregos oferecidos à população são ocupações precárias, com baixa remuneração. Dito de outro modo, a qualidade dos empregos criados por um país está diretamente relacionada ao modelo de desenvolvimento econômico construído nessa formação social[2]. Assim, a particularidade do modelo de acumulação capitalista brasileiro é caracterizada pela articulação entre o informal e formal, por um desenvolvimento desigual e combinado capaz de elevar a riqueza social[3] sem, no entanto, gerar empregos de qualidade e com bons rendimentos – haja vista a crescente expansão de um protelariado de serviços[4].

Essa contradição no desenvolvimento capitalista brasileiro se atualiza com a expansão do MEI e da pejotização: se por um lado permite ao Estado incluir juridicamente os trabalhadores informais e desprotegidos na formalização – aumentando a arrecadação tributária -, por outro, institui categorias econômicas deslocadas da lógica de proteção social e trabalhista prevista na CLT por meio do discurso da autonomia e empreendedorismo. Além disso, a aprovação da reforma trabalhista, a possibilidade de terceirização de atividades fins e a ampliação da pejotização, entre outros ataques, foram capazes de intensificar a precarização em um mercado de trabalho historicamente precário.

Se parte do problema é visualizado pela baixa qualidade dos empregos formais, a outra parte é representada pelo fato de que metade da população brasileira está, historicamente, na informalidade e às margens da proteção social. Mais do que categorias de análises apartadas e estanques – formal e informal – a trajetória de vida de milhões de brasileiros é marcada pela viração, ou seja, pelo trânsito entre formalidade e informalidade, ou mesmo pela ocupação em ambas: emprego CLT no meio da semana e realização de bicos no final de semana, como forma de complementar a renda. Diante desse contexto, a pejotização e o MEI aprofundam essa viração, prometendo autonomia e entregando ausência de direitos.

Ideologia e aparelhos de hegemonia

Reconhecer o papel da ideologia é compreender que os indivíduos não vivem isolados na sua rotina e não possuem total liberdade para a ação, mas que há uma relação recíproca entre sujeito e estrutura social capaz de forjar subjetividades. Ao mesmo tempo os sujeitos forjam, coletivamente e em conjunturas específicas, as estruturas sociais. Os aparelhos de hegemonia como escola, igreja, família, redes sociais, filmes e jornais são os locais de primazia para a formação dessas subjetividades. Segundo Gramsci: “As ideias e as opiniões não ‘nascem’ espontaneamente no cérebro de cada indivíduo: tiveram um centro de formação, de irradiação, de difusão, de persuasão[5]”. As redes sociais, atualmente, possuem um papel central para essa prática ideológica e os discursos de influencers ajudam a explicar a avalanche de críticas contra a CLT.

Embora a vontade de abrir seu próprio negócio e as críticas às condições de trabalho não sejam algo novo no Brasil, a recente onda de ataques à CLT, sobretudo entre jovens, possui relação direta com a atividade de centenas de influenciadores e coaches que se aproveitam da precariedade da maioria dos empregos formais no país para angariarem curtidas, alavancarem seus perfis e venderem seus cursos como caminhos possíveis de empreendedorismo e independência financeira.[6] Em síntese, os influenciadores se valem de um problema real – a má qualidade dos empregos formais no Brasil – e apresentam um caminho ilusório como solução: o empreendedorismo sem capital.

A campanha contra direitos trabalhistas, entretanto, é uma prática antiga e recorrente dos grandes meios de comunicação do país. Basta lembrarmos dos editoriais de O Globo contra a criação do 13º salário ou, na última década, da campanha deste e de outros jornalões – Folha de São Paulo e Estadão –  a favor da reforma trabalhista e previdenciária. A série “Viração: Novos Empreendedores”, lançada neste mês na Globoplay, evidencia as afinidades eletivas entre o discurso coach e a indústria cultural brasileira – principalmente quando o assunto é trabalho e proteção social.

Essa estratégia de enfrentar problemas sociais de forma individual, investindo em um hiperindividualismo precário, encontra eco no discurso e nas práticas reproduzidas por uma série de aparelhos de hegemonia burguesa. A teologia da prosperidade, as disciplinas de empreendedorismo do novo ensino médio, a indústria cultural, enfim, por todos os lados haverá discursos e práticas na sociedade que darão legitimidade para essa estratégia empreendedora.  Assim, encontramos a explicação desse problema olhando menos para a subjetividade dos trabalhadores e mais para a dimensão objetiva das instituições com as quais eles e elas se relacionam.

Uma questão relevante é que boa parte da população brasileira está acostumada a “se virar” para fechar as contas no fim do mês. Os influenciadores, ao chamarem a viração de empreendedorismo, garantem um verniz de dignidade a uma prática sem proteção social que está presente há muito tempo na vida de milhões de brasileiros. “Você não é um trabalhador precário, você é um empreendedor”.

A estratégia de transformar a viração em virtude mascara a ausência de direitos com uma roupagem de liberdade, consolidando uma forma de consentimento em que vigora a precariedade. Ora, se podemos dizer que a experiência da precariedade produz ressentimento, não seria menos verdade que também produz o desejo de reconhecimento. Desse modo, a crítica à CLT não é, necessariamente, um repúdio total aos direitos sociais, mas deve ser interpretada, também, como uma tentativa de superação subjetiva do assédio moral e das condições precárias de trabalho. Nesse sentido, o desafio que se coloca é assegurar e reconstruir a proteção social para além do emprego formal, enfrentando as formas sociais de dominação que asseguram a constituição de um capitalismo selvagem e desigual na sociedade brasileira.


Referências:

ABÍLIO, Ludmila Costhek. Empreendedorismo, autogerenciamento ou viração?: Uberização, o trabalhador just-in-time e o despotismo algorítmico na periferia. Contemporânea-Revista de Sociologia da UFSCar, v. 11, n. 3, 2021.

ANTUNES, R. O Privilégio da Servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.

ANTUNES, Ricardo; GONSALES DE OLIVEIRA, Marco Antonio; VAN DER LAAN, Murillo. “Platform Capitalism”. Inequalities, 2, 9-32, 2025.

EXAME. Mais de 90% dos empregos criados em fevereiro são de até dois salários mínimos. Disponível em: https://exame.com/economia/mais-de-90-dos-empregos-criados-em-fevereiro-sao-com-salarios-de-ate-r-2-824/

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Maquiavel. Notas sobre o Estado e a Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

Ministério do Trabalho. CAGED, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2025/marco/novo-caged-pais-gerou-431-995-empregos-formais-em-fevereiro.

OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista/O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2013

SOUZA, Jéssica Matheus de. “O CLT não tem um dia de paz” A memeificação do trabalho formal no Brasil e o descontentamento viral de uma geração. DeepLab, 2025.

SOUZA, Pedro H. G. Ferreira de. Uma história da desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. São Paulo, Hucitec, Anpocs, 2018.


Notas:

[1] CAGED. Ministério do Trabalho. https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2025/marco/novo-caged-pais-gerou-431-995-empregos-formais-em-fevereiro.

EXAME. Mais de 90% dos empregos criados em fevereiro são de até dois salários mínimos. Disponível em: https://exame.com/economia/mais-de-90-dos-empregos-criados-em-fevereiro-sao-com-salarios-de-ate-r-2-824/

[2] Isso não significa que o trabalho informal seja um elemento paralelo e resquício do atraso do país. Como já demonstrou Chico de Oliveira, em Crítica à razão dualista, a informalidade é funcional para o desenvolvimento desigual existente no Brasil e para a diminuição do custo de reprodução da força de trabalho.

[3] SOUZA, Pedro H. G. Ferreira de. Uma história da desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. São Paulo, Hucitec, Anpocs, 2018.

[4] ANTUNES, R. O Privilégio da Servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.

[5] GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Maquiavel. Notas sobre o Estado e a Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

[6] SOUZA, Jéssica Matheus de. “O CLT não tem um dia de paz” A memeificação do trabalho formal no Brasil e o descontentamento viral de uma geração. DeepLab, 2025.

Matheus Silveira de Souza é doutorando em Sociologia pelo IFCH-Unicamp.

Marco Gonsales é pesquisador convidado do IFCH-Unicamp

Ederson Duda é doutorando em Ciências Sociais pela Unifesp

Lucas Zinet é doutorando em Direito pela USP

DM TEM DEBATE

https://www.dmtemdebate.com.br/tempos-de-empreendedores-sem-capital/

STF convoca audiência pública para discutir “pejotização” em contratos de trabalho

Um sistema econômico que precisa excluir os idosos é fracassado e imoral

Desde a Constituição de 1988, a Previdência Social brasileira sofreu sete reformas. Reformas que propõem, de um lado, a limitação dos benefícios e, de outro, uma idade cada vez maior para o trabalhador poder usufruir da aposentadoria..

Tibor Rabóczkay

Para os aposentados, Auschwitz? Este era o título do artigo que publiquei em nosso Jornal da USP em fevereiro de 2003. Considerações suscitadas por uma publicação do Financial Times, cujo autor pondera que, com 90% dos custos de saúde para o indivíduo médio nos países industrializados se dando nos últimos seis meses de vida, o debate sobre a eutanásia adquire uma dimensão econômica crescente e terrível.

Na nossa sociedade, afirma ele, o suicídio poderá parecer um caminho lógico para as pessoas protegerem seus dependentes (não gastando suas economias). Corro o risco de ser repetitivo, pois os ataques à aposentadoria continuam – e continuam com as mesmas alegações no decorrer de décadas. Recentemente, em diário de grande circulação, dois empresários de “sucesso” expressaram seus receios de um aumento real no salário mínimo com consequente aumento das aposentadorias e pensões. Outra autoridade de brilhante passado em governo liberal lançou ideia de, simplesmente, congelar as aposentadorias por alguns anos. O afligimento dos economistas liberais com a Previdência oficial, com propostas que beiram a insanidade, vem ecoado diariamente na imprensa também liberal de forma direta ou embutido em temor em face da “alarmante escalada do déficit da Previdência”.

Entre as soluções generosamente propostas:

“1) uma nova reforma da Previdência, para aumentar a idade de aposentadoria, eliminar a diferença de idade entre mulheres e homens e entre os regimes rural e urbano; 2) desvincular o salário mínimo do cálculo de benefícios previdenciários e assistenciais; […]” (“O Brasil está preparado para a crise que vem aí”, de Maílson da Nóbrega e João Pedro Leme, em “O Estado de S. Paulo”, 13/05/2025).

Economistas que concluam ou opinem do contrário perderam espaço na mídia liberal, cuja “liberdade de expressão” é severamente limitada pelos interesses dos anunciantes e de seus donos.

Há uma verdadeira prestidigitação contábil para tirar da cartola as provas do déficit da Previdência com seus malefícios para a economia. Paralelamente, se promove a tal da “previdência” complementar (também denominada privada), aberta, mediante a “capitalização”, um programa de contribuições acumuladas individualmente em contas pessoais, investidas para gerar rendimentos.

A “capitalização” possibilitaria “ao trabalhador acumular recursos financeiros para receber uma renda extra na aposentadoria”. Essa renda, porém, não é uma aposentadoria, como querem fazer parecer aos incautos, mas um misto de poupança e aplicações, e envolve risco. Risco de aplicações que dão prejuízo, risco de fraude, risco de falência da instituição e o risco inerente às incertezas do “longo prazo”. “Planejamentos a longo prazo” – adverte-nos Max Gunther em seu livro Os axiomas de Zurique – “geram a perigosa crença de que o futuro está sob controle”, mas “[…] É importante jamais levar muito a sério os planos a longo prazo, nem os de quem quer que seja”.

Apenas o Estado pode-nos oferecer garantia. Além disso, enquanto a aposentadoria oficial vai até a fim da vida, a “renda extra” da previdência privada é limitada pela contribuição-poupança feita pelo trabalhador, que limita seu consumo e bem-estar, para poder contribuir à “previdência” privada.

Grande parte da previdência privada aberta é gerida por instituições de agiotagem (agiota é o qualificativo que melhor descreve quem paga geralmente menos de 12% ao ano pelo dinheiro aplicado e cobra em redor de 400% ao ano pelo emprestado), mas existem instituições de previdência privada fechada, popularmente conhecidas como fundos de pensão, que podem parecer uma opção melhor.

Esses fundos são entidades sem fins lucrativos e se organizam sob a forma de fundação ou sociedade civil constituídas exclusivamente para empregados de uma empresa ou grupo de empresas, ou aos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, e para associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial.

Contudo, servem de alerta os eventos envolvendo duas organizações poderosas desse tipo, o fundo de pensão Postalis, dos funcionários dos Correios, e o Petros, dos funcionários da Petrobras. Má gestão, eventuais interferências do governo, possivelmente fraudes, causaram-lhes bilhões de prejuízos. Prejuízos que oneram os segurados com o aumento da contribuição mensal ou diminuição do benefício planejado.

Os dois fundos não são os únicos a apresentar problemas. Exame do Tribunal de Contas da União (TCU), envolvendo 31 entidades fechadas de previdência complementar, revelou que metade delas apresenta extremos riscos de integridade decorrente da “baixa maturidade” dessas instituições no que diz respeito aos mecanismos de controle. A eventual materialização desses riscos pode resultar em “grande impacto e repercussões negativas em todo o sistema de previdência complementar”. Trata-se de ameaça inaceitável para o aposentado. É fácil concluir, portanto, que a Previdência, a aposentadoria, são assuntos importantes demais para serem deixados a cargo da cobiça privada ou governamental, devendo se manter sob a responsabilidade do Estado.

A “preocupação” dos que se batem por mais uma etapa no aniquilamento da Previdência Social é a “sustentabilidade financeira”. Como a Previdência oficial brasileira funciona no sistema de repartição, isto é, quem está trabalhando paga a aposentadoria de quem é aposentado, com o envelhecimento da população surge um déficit, pois aumenta o número de aposentados enquanto diminui o número de contribuintes. Esse déficit tem que ser coberto pelo governo, consequentemente sobraria menos verba para outras áreas como a infraestrutura, o que contribui para a aflição do “mercado”. Entenda-se, não para o mercado real de oferta e demanda de produtos e de serviços, mas para o “mercado” financeiro, nome de salão do frenético cassino financeiro, que busca ganhos a curto prazo se não instantâneos.

Evidentemente, a argumentação é elaborada para disfarçar que nos interesses desse “mercado” a “mão invisível que harmoniza tudo” cede lugar ao nervoso tamborilar num teclado e o ”investidor” pode mudar de posição em questão de pouquíssimo tempo. O adepto do capitalismo, liberalismo ou neoliberalismo – seja lá a designação que preferirem –, odiador de intervenções do Estado, de repente se lembra de que o dinheiro do Estado é útil para a construção da infraestrutura do País (para posterior privatização, obviamente), para socorrer as instituições do tipo “too big to fail”, para subvencionar áreas privilegiadas. E o “déficit” da Previdência oficial atrapalha tudo isso.

Desde a Constituição de 1988, a Previdência Social brasileira sofreu sete reformas. Reformas que propõem, de um lado, a limitação dos benefícios e, de outro, uma idade cada vez maior para o trabalhador poder usufruir da aposentadoria.

As propostas simplistas que se concentram no “crescimento” – não do País, como seus autores afirmam, mas dos lucros do capitalista – omitem-se em questões sociais importantes que ameaçam não só a classe assalariada ativa ou aposentada, mas o próprio capitalista ou liberal.

De um lado, devemos considerar a dificuldade de um trabalhador conseguir um emprego a partir dos seus, aproximadamente, cinquenta anos. Como estender a idade mínima para a aposentadoria sem garantir o emprego até tal idade? Uma exigência que não depende do segurado. Se, porém, o “idoso” conseguir emprego, um jovem terá oportunidade a menos. Consequentemente, ao ver seu pai recebendo uma aposentadoria miserável – nesta época de descrédito das ideologias, em que o crime organizado adquire cada vez maior participação na política e alguns grupos políticos vão cada vez mais se assemelhando a organizações criminosas –, o jovem sucumbe mais facilmente ao crime, que lhe promete inseri-lo na sociedade de consumo em questão de meses ou mesmo semanas.

Por outro lado, não é preciso ser especialista ou ter pós-graduação em universidade americana para entender que, perante suas perspectivas limitadas no tempo, o aposentado tende a reciclar seus ganhos em consumo e em lazer, alimentando a indústria de bens de consumo e o turismo. O aposentado contribui para a geração de lucro, empregos e impostos. Se o número de beneficiários aumenta, aumenta também a importância deles para a economia. Não pode ser diferente numa sociedade de consumo, e economia em que se produz para o consumo. Dito de outra maneira, a expressão “gastos previdenciários” – de presença tão insistente na mídia que nos evoca Goebbels – pode ser substituída por “investimentos previdenciários”, visto que o dinheiro do aposentado circula de imediato gerando empregos, impostos e lucros.

Um sistema econômico que substitui a análise crítica, as considerações morais e a responsabilidade social pelo desejo de acumular lucros a qualquer custo e cuja sobrevivência necessite o suicídio de aposentados, a exclusão de idosos, é um sistema fracassado, insustentável, imoral.

Reflitamos sobre tudo isso, pois só não se aposenta quem não envelhece, e só não envelhece quem morre jovem.

Tibor Rabóczkay é professor aposentado do Instituto de Química da USP

DM TEM DEBATE
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STF convoca audiência pública para discutir “pejotização” em contratos de trabalho

Colômbia atualiza leis trabalhistas em reforma, mas exclui trabalho do campo

A recém aprovada reforma trabalhista colombiana, que redefiniu a jornada diurna de até oito horas, que deve se encerrar até às 7h da noite e determinou pagamentos por horas trabalhadas aos domingos e feriados, não garantiu os direitos aos trabalhadores que colhem os grãos de café no país, considerado um dos melhores do mundo. Além disso, a fiscalização insuficiente por parte das autoridades do país mantém a mão de obra do setor à mercê de violações trabalhistas.

Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pela Repórter Brasil, que percorreu zonas cafeeiras colombianas para investigar as condições de trabalho no setor. O resultado dessa investigação pode ser lido no relatório: Melhor café do mundo? Alojamentos precários, longas jornadas e informalidade na colheita de café da Colômbia (disponível em portuguêsinglês e espanhol).

“A legislação trabalhista sempre foi pensada para as grandes cidades”, explica Fabio González, diretor territorial do Ministério do Trabalho da Colômbia no estado de Antioquia. “No campo colombiano, não há trabalho decente ou digno. Há condições que se aproximam da escravidão. Porque os trabalhos são indignos, não há previdência social, não há futuro no campo”, acrescenta González.

Estefanni Barreto Sarmiento, advogada trabalhista colombiana especializada em normas internacionais do trabalho, explica que existem no país normas gerais de saúde e segurança no trabalho que se aplicam a todos os setores da economia. Mas que não há, como no Brasil, regras específicas que estabeleçam, por exemplo, parâmetros mínimos para a manutenção de alojamentos de trabalhadores temporários em fazendas ou para regular jornada e remuneração que considere as particularidades do setor agrícola.

Para a advogada colombiana, há um “vazio normativo” e “mecanismos insuficientes para garantir a aplicação efetiva das normas” no contexto do trabalho rural. Ela destaca que o modelo de contratação formal na Colômbia deve ser adaptado para incluir os trabalhadores que atuam em colheitas sazonais, caso do café. “Isso permitiria adaptar as condições de saúde e segurança no trabalho e criar um sistema de inspeção adaptado”, avalia. “Seria fundamental uma regulamentação clara e específica”, acrescenta.

Entreposto de venda de café da cidade de Andes, no estado colombiano de Antioquia. Segundo a OIT, a informalidade dos contratos do campo supera os 80% no país (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

Reforma deixou de fora os trabalhadores rurais

A reforma trabalhista da Colômbia aprovada em junho de 2025 excluiu as propostas que tratavam de trabalho agrícola. O texto inicial incluía dois artigos sobre o trabalho no campo: a criação de um contrato agropecuário, estimulando a formalização das relações de trabalho permanentes e sazonais, e o estabelecimento de uma jornada agropecuária diária, que flexibilizava a duração dos contratos, permitindo o pagamento com recolhimento de benefícios por dia. Um terceiro artigo ainda trazia garantias sobre as condições de moradia de trabalhadores permanentes de propriedades rurais.

Os pontos que criavam regras para o trabalho rural foram retirados durante as discussões na Câmara de Representantes da Colômbia (o equivalente à Câmara de Deputados do Brasil) em outubro de 2024.

“Nosso campo continuará a sofrer violações de direitos trabalhistas. Essa é a única maneira de ter um campo produtivo, de acordo com o Legislativo”, opina González. “Esse é um modelo mais parecido com um modelo de escravidão do que com um modelo de negócios para o campo”, completa.

Trabalho infantil persiste na colheita de café colombiano

Um estudo produzido pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) em 2022 apontou que o trabalho infantil na colheita de café na Colômbia é “persistente”.

Não há clareza sobre esse cenário nas estatísticas colombianas. Os números oficiais, registrados no SIRITI (Sistema de Identificação, Registro e Caraterização do Trabalho Infantil e suas Piores Formas), vinculado ao Ministério do Trabalho colombiano, apontam para apenas 61 crianças e adolescentes foram identificados trabalhando no cultivo de café no país em 2024. Os dados foram obtidos através de um pedido de esclarecimento ao órgão baseado na Lei 1755/2015, que estabelece, na Colômbia, o direito de solicitação de informações públicas.

Esses dados podem estar subnotificados, reconhece o próprio Ministério do Trabalho colombiano. “É preciso esclarecer que não é que esse flagelo não exista nas regiões, mas que os territórios ainda não realizaram o trabalho de aplicação de pesquisas nas zonas detectadas como de alto risco, por essa razão é o que o SIRITI não detecta a realidade do trabalho infantil do setores onde se cultiva café”, reforçou a pasta em resposta ao pedido de LAI (Lei de Acesso à Informação).

Apagão de dados sobre trabalho forçado

Questionado pela reportagem, o Ministério do Trabalho da Colômbia não soube informar quantos flagrantes de trabalho forçado foram identificados em fazendas de café no país na última safra. Segundo a pasta, os inspetores trabalhistas do país fazem a função apenas de prevenção à prática. Se o crime for identificado durante inspeções em fazendas, a denúncia deve ser apresentada à Procuradoria-Geral da Colômbia.

A Repórter Brasil entrou, então, em contato com a Procuradoria-Geral da Colômbia para saber o número de flagrantes e casos em investigação no setor cafeeiro. A resposta do órgão é que a consulta pública não apresenta o dado filtrado por setor da economia. “Deve-se esclarecer que isso não significa que não existam registros de processos com as características solicitadas; no entanto, essas informações podem estar contidas nos arquivos das promotorias que conhecem ou conheceram cada um dos casos em questão, que não podem ser identificados por meio de nossos sistemas de informação”, afirmou o órgão à reportagem.

A Colômbia adota o conceito de “trabalho forçado”, convencionado pela OIT em 1930. A prática é aquela “exigida de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade”.

No Brasil, o trabalho forçado é apenas um dos quatro elementos que caracteriza o “trabalho em condições análogas à escravidão”, crime tipificado no artigo 149 do Código Penal. Os outros três elementos são a submissão à servidão por dívida, condições degradantes e jornadas exaustivas. “Vocês [no Brasil] estão muito mais avançados nesse tema”, avalia González.

0,07% das fazendas inspecionadas

O número de fazendas inspecionadas na Colômbia pode explicar o baixo número de flagrantes de trabalho infantil e forçado. Em 2024, apenas 464 propriedades dedicadas ao cultivo de café foram inspecionadas pela Subdireção de Inspeção do Trabalho na Colômbia, segundo o órgão. Esse número é apenas 0,07% do total de propriedades destinadas ao cultivo de café no país, estimado em 658 mil, de acordo com dados da FNC (Federação Nacional de Cafeicultores da Colômbia). Desse total, 406 inspeções ocorreram em caráter de assistência técnica preventiva.

Procurada pela Repórter Brasil, a FNC avalia que “pode-se dizer que a maioria da população trabalhadora do café pode estar no setor informal, mas não no setor ilegal – conceitos diferentes – devido à falta de regulamentações adequadas e aplicáveis”. Para o órgão, a legislação trabalhista colombiana “apresenta lacunas em termos de como aplicar os conceitos de contratos de trabalho para atividades urbanas às atividades rurais, especialmente na cafeicultura, em que a itinerância e a sazonalidade são o denominador comum”.

*A investigação da Repórter Brasil foi acompanhada por integrantes da Voces por El Trabajo, organização que realiza pesquisas sobre condições de trabalho em diversos setores da economia colombiana, e apoiada pela Coffee Watch.

DM TEM DEBATE

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Inflação sobe e PIB melhora, aponta Boletim Focus

As mais recentes projeções do Boletim Focus, divulgadas nesta segunda-feira (7/7), mostram um cenário misto para a economia brasileira em 2025, com destaque para a elevação das expectativas de inflação e crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), além da estabilidade nas previsões para a taxa básica de juros (Selic) e o câmbio.

A projeção do mercado para o IPCA, índice oficial de inflação, subiu pela segunda semana consecutiva e agora está em 5,18% para 2025. Há um mês, a estimativa era de 5,44%, mas caiu para 5,20% na semana passada e voltou a subir agora. Mesmo com a oscilação, o número segue acima do centro da meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional, que é de 3%.

Para os anos seguintes, o cenário é mais otimista: o mercado prevê o IPCA em 4,50% em 2026, 4,00% em 2027 e 3,80% em 2028, com tendência de queda contínua. Ainda assim, a expectativa de 2026 mantém-se estável há oito semanas, o que demonstra cautela dos analistas.

 PIB com leve melhora

O crescimento do PIB em 2025 passou de 2,18% (quatro semanas atrás) para 2,23%, com uma leve alta em relação à semana passada (2,21%). É o segundo avanço semanal consecutivo nas projeções de crescimento da economia brasileira neste ano.

Nos anos seguintes, as previsões permanecem modestas e estáveis: 1,86% para 2026, 2,00% para 2027 e 2,00% também para 2028. Esses números indicam que, embora o país possa apresentar crescimento neste ano, o ritmo tende a se estabilizar em patamares mais baixos nos próximos anos.

Câmbio e Selic mantêm estabilidade

O câmbio deve permanecer estável ao longo dos próximos anos, de acordo com o mercado. Para 2025, a previsão é de R$ 5,70 por dólar, o mesmo valor registrado na semana passada. O cenário de estabilidade também se repete para os anos seguintes: R$ 5,75 em 2026 e 2027, e R$ 5,80 em 2028.

Já a taxa Selic, principal instrumento de política monetária do Banco Central, continua em 15,00% ao ano para 2025, patamar que vem sendo mantido há duas semanas. A projeção para 2026 também segue estável, em 12,50%, assim como as estimativas para 2027 (10,50%) e 2028 (10,00%). Esses números indicam uma expectativa de queda gradual dos juros, refletindo a trajetória esperada de controle da inflação.

CORREIO BRAZILIENSE
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