por NCSTPR | 11/06/25 | Ultimas Notícias
A 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que uma empregada de um banco pode executar individualmente uma sentença proferida em ação coletiva ajuizada pelo sindicato da categoria. A decisão segue o entendimento de que créditos reconhecidos em ação coletiva podem ser individualizados em ação de execução autônoma proposta pela empregada.
Na ação coletiva, ajuizada em 2013, a Justiça do Trabalho havia reconhecido o direito dos bancários representados pelo sindicato a diferenças de horas extras.
A fase de execução — em que os valores devidos devem ser efetivamente pagos — foi iniciada em 2016. Dois anos depois, a bancária entrou com a ação individual, sustentando que, até aquele momento, o banco vinha se valendo de esforços para não cumprir a sentença, inclusive com a demora para apresentar documentos.
Ação envolvia 4 mil trabalhadores
O pedido foi negado pelo juízo de primeiro grau e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), para quem a execução deveria ser feita exclusivamente pelo sindicato.
O TRT-3 justificou a decisão com o grande número de trabalhadores substituídos pelo sindicato (mais de quatro mil) — para evitar sobrecarga do Judiciário. Para o colegiado regional, a bancária deveria ter se manifestado na própria ação coletiva contra a execução coletiva da sentença.
No entanto, o ministro Agra Belmonte, relator do recurso de revista da trabalhadora, ressaltou que a jurisprudência do TST é clara: a legitimidade para executar a sentença coletiva é concorrente. Isso significa que o trabalhador pode escolher entre a execução coletiva ou a individual, desde que esteja na lista de substituídos do sindicato. Segundo ele, a decisão que determinou a execução exclusivamente pelo sindicato não pode impedir a trabalhadora de executar individualmente seus créditos.
Com a decisão unânime, o processo voltará à 29ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte (MG) para dar continuidade à execução individual. Com informações da assessoria de imprensa do TST.
Clique aqui para ler a decisão
Processo 10403-25.2019.5.03.0108
CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-jun-11/sentenca-coletiva-contra-banco-pode-ser-executada-individualmente/
por NCSTPR | 11/06/25 | Ultimas Notícias
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (10/6) um projeto que revoga trechos desatualizados da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei 5.452/1943) e prevê mecanismos digitais de pedido de cancelamento de contribuição sindical. A proposta será enviada ao Senado.
De autoria do deputado Fausto Santos Jr. (União Brasil-AM), o Projeto de Lei 1.663/2023 foi aprovado com um substitutivo do relator, deputado Ossesio Silva (Republicanos-PE). De acordo com o texto, será revogado, por exemplo, o artigo sobre os direitos do trabalhador a invenções suas feitas enquanto está empregado, tema regulado atualmente pelo Código de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996).
Revisando a CLT
Outros pontos da CLT revogados pelo projeto são relativos à organização sindical, como a criação de sindicatos em distritos e a definição da base territorial da entidade por parte do ministro do Trabalho.
Nesse assunto, é excluída da CLT a necessidade de regulamentação ministerial de requisitos (como duração do mandato da diretoria e reunião de, pelo menos, um terço da categoria para o registro sindical, itens atualmente previstos em outra lei).
Também acaba a necessidade de o ministro do Trabalho autorizar a criação de sindicato nacional.
Na organização da Justiça do Trabalho, o projeto transfere e atualiza atribuições das extintas juntas de conciliação e julgamento, remetendo-as às varas trabalhistas.
Contribuição sindical
O ponto que provocou mais polêmica em plenário foi a aprovação de uma emenda do deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), por 318 votos a 116, que prevê os mecanismos digitais de pedido de cancelamento de contribuição sindical.
O texto da emenda permite o comunicado por e-mail ou por aplicativos de empresas privadas autorizadas para serviço de autenticação digital. “Chega de filas quilométricas, e sim à renúncia online. É dignidade para o trabalhador brasileiro”, disse Valadares.
A emenda prevê o uso de aplicativos oficiais, como o Gov.br, que mantêm conexão apenas com serviços públicos, e também determina aos sindicatos que disponibilizem aos trabalhadores o cancelamento digital do imposto sindical em suas plataformas, com prazo máximo de dez dias úteis para confirmar o pedido a partir do recebimento, sob pena de cancelamento automático. Com informações da Agência Câmara.
PL 1.663/2023
CONJUR
https://www.conjur.com.br/2025-jun-10/camara-aprova-projeto-que-permite-cancelamento-online-de-contribuicao-sindical/
por NCSTPR | 11/06/25 | Ultimas Notícias
A evolução das relações de trabalho no Brasil demanda um aprofundamento na análise de institutos tradicionais, levando em conta modernização, segurança jurídica e respeito às transformações sociais em curso. Questões como a aplicação do princípio da isonomia e a dupla jornada enfrentada por muitas mulheres devem ser apreciadas à luz da realidade atual e da crescente autonomia das profissionais no mercado. Tal observação também se aplica à vigência de normas específicas, como o descanso quinzenal aos domingos previsto no artigo 386 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Recentemente, o debate sobre essas questões ganhou novo impulso com o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o Recurso Extraordinário 1.4039.04, em outubro de 2022. Em sua decisão, o STF ratificou a constitucionalidade do artigo 386 da CLT, que estabelece obrigatoriedade de folga quinzenal aos domingos exclusivamente para mulheres. Relatora da ação, a ministra Cármen Lúcia defendeu que a norma segue válida como instrumento de proteção à dignidade da trabalhadora, especialmente diante da desigual divisão de responsabilidades familiares.
Entretanto, é crucial ressaltar que a reforma trabalhista de 2017 introduziu alterações significativas nas relações laborais, como o fim do intervalo de 15 minutos para mulheres, antes de realizarem horas extras. Tal mudança levantou questionamentos sobre adequação e pertinência de normas que, se visam a protegê-las, por outro lado, podem não refletir as realidades das carreiras de muitas mulheres em suas posições contemporâneas de trabalho.
Designadas “trabalhadoras hipersuficientes”, com atuações marcadas por qualificação elevada e autonomia, mulheres em cargos de liderança são frequentemente impactadas negativamente por normas que tratam todas de forma igual, desconsiderando suas realidades específicas. Isso pode gerar distorções tanto no ambiente de trabalho quanto na lógica organizacional das empresas.
Norma inflexível ou negociável?
A decisão do STF provoca um questionamento relevante: o repouso quinzenal dominical é uma norma de saúde, higiene e segurança que não comporta flexibilização, ou se trata de uma regra relativa à duração do trabalho, passível de negociação coletiva? A forma como se interpreta esta questão será decisiva para o futuro das relações trabalhistas no Brasil. Se o repouso quinzenal for tratado como relativo à jornada de trabalho, sua regulação deverá voltar ao campo da negociação coletiva, permitindo que sindicatos e empresas ajustem as realidades jurídicas às necessidades específicas de cada setor e respectiva categoria.
A clara existência de uma dupla jornada para muitas mulheres, especialmente em contextos de sobrecarga das responsabilidades profissionais e domésticas, não deve, contudo, representar um ônus exclusivo para o empregador. A imposição de normas diferenciadas voltadas apenas ao gênero feminino pode comprometer o princípio da igualdade, quando aplicadas a profissionais plenamente capacitadas para autogestão e decisão.
Neste cenário, a negociação coletiva emerge como uma ferramenta moderna, eficaz e legítima para resolver tais questões. Em vez de soluções legais unilaterais, o ideal é que empregadores e sindicatos construam, em conjunto, respostas adequadas às realidades de seus trabalhadores.
A reforma trabalhista de 2017 estabeleceu o princípio da prevalência do negociado sobre o legislado (artigo 611-A da CLT), permitindo que instrumentos coletivos tratem de temas como jornada de trabalho e descanso semanal de forma dialogada e realista.
Comparação com outros países
Em uma comparação internacional, países como Suécia e Alemanha têm obtido sucesso ao promoverem negociações coletivas que respeitam as diversidades do mercado de trabalho, resultando em arranjos mais flexíveis, os quais respeitam tanto os direitos dos trabalhadores quanto as necessidades das empresas. Esses modelos demonstram que a construção conjunta de soluções pode levar a um ambiente de trabalho mais harmonioso e produtivo.
Portanto, é urgente avançar para um modelo que preserve a proteção legal, mas que seja modular, inteligente e dialógico. A negociação coletiva deve ser o espaço apropriado para esse avanço, garantindo segurança jurídica às empresas, respeitando a diversidade do mercado de trabalho e assegurando que trabalhadores possuam condições dignas, equilibradas e, ainda, adequadas às suas realidades individuais específicas.
O julgamento do STF reafirma a necessidade de cumprirmos as normas vigentes, mas destaca também o quanto ainda temos a amadurecer no debate sobre a mulher em contexto laboral. É imprescindível cumprir a lei. Porém, é igualmente vital que construamos, de forma responsável, um modelo de relações trabalhistas fundamentado na flexibilidade negociada, no respeito mútuo e na valorização da autonomia. A centralidade da negociação coletiva é, mais do que nunca, o caminho para uma proteção que não petrifique, mas que fomente o desenvolvimento humano e empresarial.
por NCSTPR | 10/06/25 | Ultimas Notícias
No cenário contemporâneo, é imprescindível que o Direito do Trabalho acompanhe as transformações atuais.
Desde o último 12 de abril, quando o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão das ações trabalhistas que versem sobre vínculo empregatício e contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, passaram a circular inúmeras notícias, opiniões e artigos sobre os debates jurídicos que envolvem o ARE 1.532.603 (Tema 1.389), do Supremo Tribunal Federal (STF).
Dentre as reflexões, ressurge uma argumentação há muito conhecida: a precarização das relações de trabalho e o aviltamento da força de trabalho.
Essa argumentação é protagonista nos julgamentos de âmbito trabalhista – basta analisar as opiniões publicadas à época dos julgamentos da ADPF 324 e do Tema 725 (licitude da terceirização de atividade-fim), do Tema 1.046 (prevalência do negociado sobre o legislado) e, agora, do Tema 1.389 (licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo), todos pelo STF.
Após o julgamento do Tema 725, houve uma proliferação de Reclamações Constitucionais dirigidas ao STF, questionando, à luz desses precedentes, decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem (ou não) o vínculo empregatício entre empresas e trabalhadores autônomos ou pessoa jurídica, contratados para a prestação de serviços.
Naturalmente, a multiplicação dessas demandas culminou no reconhecimento da repercussão geral do ARE 1.532.603, no qual se julgará a “Competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”.
Não se nega que a questão jurídica a ser dirimida pelo STF envolve os mais variados contornos fáticos. Nesse contexto, é oportuno debruçar-se sobre uma realidade, especialmente nas metrópoles brasileiras, ainda insuficientemente explorada: a pactuação de prestação de serviços por profissionais liberais para a execução de trabalho intelectual.
Antes de se adentrar no cerne da prestação de serviços de natureza intelectual, cabe tecer breves considerações sobre os conceitos de “terceirização” e “pejotização”, os quais, no contexto jurídico atual, têm sido frequentemente confundidos.
A terceirização consiste, em síntese, na contratação de pessoa jurídica para prestar serviços especializados à contratante (tomadora de serviços). Exemplo típico é o de uma empresa automobilística que contrata outra empresa para fabricar peças que, posteriormente, comporão o produto a ser ofertado ao mercado: o veículo automotor.
Essa modalidade de contratação não isenta a responsabilização das partes na esfera trabalhista, caso adotem práticas irregulares, cabendo às tomadoras de serviços fiscalizar e exigir da prestadora o cumprimento dos encargos trabalhistas e previdenciários relativos aos empregados colocados à disposição da contratante – sob pena, em regra, de serem subsidiariamente responsáveis pelo pagamento de eventuais verbas trabalhistas deferidas em juízo.
Já na pejotização, a Justiça do Trabalho a conceitua como a contratação de trabalhador por intermédio de pessoa jurídica, com o objetivo de mascarar a relação empregatícia e se esquivar do pagamento de encargos trabalhistas e previdenciários – originando o neologismo “pejotizar”, isto é, transformar um trabalhador, pessoa física, em pessoa jurídica.
Essa conceituação – que visa, precipuamente, sonegar direitos trabalhistas e previdenciários – conta com um elemento fulcral para sua configuração: a má-fé. Ou seja, o objetivo de fraudar direitos inerentes a uma relação empregatícia.
Ao processar e julgar demandas envolvendo pedidos de reconhecimento de vínculo empregatício, a Justiça do Trabalho tem reconhecido a existência de pejotização sempre que verificada a presença dos requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): pessoalidade, onerosidade, habitualidade e, especialmente, subordinação jurídica.
Em outras palavras, a demonstração da coexistência dos elementos caracterizadores da relação empregatícia é suficiente para que se reconheça a fraude na contratação, configurando a pejotização e, por consequência, o vínculo empregatício entre prestador e tomador de serviços.
Não se ignora a realidade de contratações como “PJ” de trabalhadores com baixo grau de instrução, à margem da tutela celetista, nem as situações em que há deliberada subordinação jurídica, nos termos da legislação. Porém, é necessário distinguir essas hipóteses da situação dos trabalhadores financeira e intelectualmente hipersuficientes, com elevado nível lógico e acadêmico, que atuam em plena Era Digital.
Daí ser tão relevante abordar o conceito aristotélico de equidade, que inspira o princípio constitucional da isonomia (artigo 5º, caput, da Constituição), consistente na máxima “tratar todos igualmente, na medida de suas desigualdades”.
Nesse contexto, o protecionismo do Poder Judiciário em ações trabalhistas ajuizadas por profissionais liberais, como advogados, arquitetos e médicos, não pode ser equiparado aos casos de reclamantes com reduzido grau de instrução, que executam tarefas essencialmente manuais, sem exigência de raciocínio lógico especializado ou análise estratégica.
Não se pode perder de vista que, em um mundo globalizado, é comum que as atribuições de profissionais liberais envolvam o atendimento a clientes, parceiros, prestadores e tomadores de serviços da contratante, não se restringindo ao atendimento de demandas internas da empresa contratante.
A evolução tecnológica e a modernização das estruturas empresariais, assim como a consolidação, em escala global, do modelo híbrido e remoto de trabalho (home office), demandam um novo olhar e a consequente adequação hermenêutica às relações profissionais.
No tocante à vivência corporativa, as reclamações ajuizadas por tais profissionais comumente sustentam, como indício de subordinação jurídica, a participação em processos seletivos, a revisão de trabalhos e a comunicação de atrasos e ausências. Essas alegações devem ser analisadas com parcimônia, inclusive para que não se infantilize reclamantes que, além de notoriamente qualificados, possuem alto grau de discernimento e ocupam posição social privilegiada – diferentemente de reclamantes em situação de hipossuficiência.
É crucial avaliar o conjunto fático-probatório de cada demanda e questionar se, de fato, houve processo seletivo com características típicas da relação de emprego (como a realização de exame médico admissional) ou mera análise de perfil e expertise; se a revisão de trabalhos decorre de subordinação hierárquica ou da adequação às expectativas do cliente; se há exigência de autorização para atrasos e ausências sem prejuízo da remuneração, ou basta comunicá-los para fins organizacionais.
Afinal, toda relação – comercial e empregatícia – pressupõe cooperação entre as partes, exigindo alinhamento de expectativas, objetivos, interesses, dinâmicas e formas de organização. A ausência desses elementos não apenas dificulta a manutenção do vínculo entre partes específicas, como compromete a continuidade da própria atividade empresarial, que, ao se engessar em metodologias ultrapassadas, acaba por repelir oportunidades de negócio aptas a viabilizar a obtenção de lucro e, por consequência, a geração de empregos, de renda e a circulação de capital.
No cenário contemporâneo, marcado pela inovação tecnológica e pela diversificação das formas de prestação de serviços, é imprescindível que o Direito do Trabalho acompanhe essas transformações, sem perder de vista sua função primordial de proteção, mas também sem desconsiderar as novas realidades sociais, econômicas e profissionais.
A análise das reclamações que envolvem profissionais liberais deve ser feita com apurada sensibilidade jurídica, a fim de distinguir fraudes de contratações legítimas, respeitando os princípios da boa-fé, da livre iniciativa e da autonomia da vontade. Ignorar tais nuances é comprometer a credibilidade do próprio sistema jurídico, além de gerar insegurança nas relações negociais lícitas, contribuindo para a retração de investimentos e a informalização de vínculos.
Aline Canonici é sócia da área trabalhista do Castro Barros Advogados, bacharel em Direito pela PUC-Campinas e pós-graduada em Direito do Trabalho pela FGV
Marcus Brumano é sócio e head da área trabalhista do Castro Barros Advogados, bacharel em Direito pela PUC-Rio e pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Gama Filho
DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/pejotizacao-e-contratacao-de-profissionais-liberais/
por NCSTPR | 10/06/25 | Ultimas Notícias
Foi divulgada a primeira decisão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal sobre o trabalho para plataformas digitais. Na linha de seus congêneres da Espanha e da França, e muito ao contrário dos posicionamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) na matéria, como veremos logo a seguir, o tribunal entendeu pela existência da relação de emprego entre entregador (estafeta, em Portugal) e a plataforma de entregas Glovo. Uma comparação com as decisões do STF sobre a matéria nos deixa incrédulos e envergonhados.
A ação foi ajuizada pelo Ministério Público, a partir de uma “ação especial de reconhecimento da existência de contrato de emprego” oriunda da atuação administrativa da Inspeção do Trabalho, lá chamada de Autoridade das Condições de Trabalho (ACT).
Após a constatação pela fiscalização da existência de simulação de contrato autônomo, o caso é encaminhado para o Ministério Público, que então ajuizou diversas ações para a tutela de direitos individuais dos trabalhadores. Uma dessas centenas de ações ajuizadas pelo parquet foi a que chegou agora ao Supremo Tribunal. Essa ação, especificamente, tinha tido os pedidos julgados improcedentes na primeira instância e no grau de apelação.
A partir da análise do acórdão do Supremo português, o que imediatamente salta aos olhos é o diálogo da corte com o Direito do Trabalho, baseado na lei e na doutrina trabalhista do país e europeia. Foram citados na decisão sete renomados autores portugueses e um francês.
Talvez em razão de estarmos muito mal acostumados, e com certeza devido a esse diálogo com a doutrina citado acima, chega a impressionar a profundidade e a consistência jurídica da análise do caso pela corte europeia.
O Supremo português inicia com abordagem dos elementos da presunção de laboralidade, destacando os indícios de subordinação, entre eles a direção, supervisão e controle, “essenciais da relação laboral”. Apresenta, logo após, que há de ser considerada a “forte inserção do estafeta na organização algorítmica” da empresa.
Também entendeu de especial relevo que a plataforma digital e o aplicativo, este último como instrumento de trabalho do entregador, são geridas e exploradas pela empresa e que toda a atividade laboral está condicionada pela efetiva ligação e conexão a essas ferramentas digitais de propriedade e controle da empresa. Afirmaram os julgadores que “há também a considerar o facto de o estafeta não ter qualquer obrigação de resultado para com a contraparte, bem como a circunstância de ele não assumir algum risco financeiro ou económico”.
Aponta, de forma correta com a doutrina trabalhista mundial, que o fato do trabalhador escolher a área em que trabalha, poder recusar serviços e conectar-se ou desconectar-se sempre que entenda, sem cumprir horário predefinido e sem limite de tempo mínimo de disponibilidade não assume relevo decisivo pois, “independentemente da margem de liberdade reconhecida ao estafeta no exercício da sua atividade, é indiscutível que esta é desenvolvida num quadro de regras específicas definidas pela empresa, a qual – nos termos que tem por adequados e consentâneos com a prossecução do seu modelo de negócio – também controla e supervisiona a atuação da contraparte, tal como tem a possibilidade de exercer o poder disciplinar, mediante a suspensão ou desativação da respetiva conta”.
Corretamente indicou que a não fixação de horário de trabalho não é elemento essencial da relação de emprego, indicando a existência da dependência econômica e do trabalho regular, apontando que a remuneração por peça é uma forma de cálculo modificada do salário por tempo, como há décadas a doutrina afirma e há mais de 150 anos demonstrou Karl Marx.
Os magistrados supremos portugueses disseram ainda que as plataformas digitais controlam e supervisionam o trabalho, e ainda detêm poder punitivo aos trabalhadores, o que denota a completa inserção do trabalhador na organização algorítmica da empresa.
O Supremo luso entendeu que, apesar de o pagamento de taxas pelo trabalhador pela utilização da plataforma poderia indicar a existência de um contrato autônomo, “o recurso a cláusulas contratuais com características de autonomia se encontra com frequência associado ao abuso do estatuto de trabalhador independente e às relações de trabalho encobertas, o que chamou expressamente, um flagelo que as legislações europeias estão tentando combater, reconhecendo o vínculo empregatício, por não ter a empresa ilidido a presunção de laboralidade.
A nossa perplexidade pela qualidade da decisão nos leva a fazermos uma comparação com o tribunal homônimo brasileiro. Tomemos, para isso, um acórdão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal como exemplo, em julgamento de Agravo Regimental aviado pela Procuradoria Geral da República (PGR) em reclamação que cassou decisão da Justiça do Trabalho que reconhecia o vínculo empregatício de entregador com a empresa Rappi.
Bem ao contrário da decisão portuguesa, não há no acórdão brasileiro a citação de nenhum doutrinador, de qualquer área do Direito que seja, muito menos do Direito do Trabalho. Só há citações de julgados anteriores da própria corte. Ou seja, é uma decisão puramente autorreferenciada.
Já a decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que derrubou não só analisou detidamente os requisitos da relação de emprego, e apontou os dispositivos legais, inclusive que expressamente falam da subordinação algorítmica (artigo 6º, parágrafo único, CLT), como apontava elementos da OIT e da ONU, além do diálogo com a doutrina trabalhista brasileira.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, baseou-se puramente no Tema 725, pelo qual foi afirmada a constitucionalidade da terceirização de atividade fim e “de qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas”.
Afirmou que “no caso em análise, ao reconhecer o vínculo de emprego, a Justiça do Trabalho desconsiderou os aspectos jurídicos relacionados à questão, em especial os precedentes do Supremo Tribunal Federal que consagram a liberdade econômica, de organização das atividades produtivas e admitem outras formas de contratação de prestação de serviços”.
Pasme-se: essa é toda a fundamentação existente no acórdão. São dois parágrafos curtos, que derrubaram uma decisão da Justiça do Trabalho que só a ementa tinha nove páginas.
Assim, enquanto a decisão europeia analisa toda a complexidade da situação, com decisão robusta e resguardada por fontes doutrinárias e legais de peso, a brasileira trata o caso com a profundidade de um pires, uma ausência completa de diálogo com o mundo exterior, jurídico ou não, além de demonstrar uma falta de compreensão impressionante das consequências de sua decisão.
A decisão portuguesa está de acordo com a lei e a doutrina trabalhista de Portugal e do mundo, além de estar antenada com as transformações do trabalho no século 21 e a proteção de direitos humanos e fundamentais dos trabalhadores. O Supremo dos trópicos, por sua vez, demonstra estar na vanguarda do atraso.
A Suprema Corte brasileira parece sonhar com um retorno ao século 19, com relações de trabalho reguladas pelo Código Comercial, como muitas vezes os julgadores chegam a expressar. Até quando teremos uma Suprema Corte que não consegue perceber que já não somos colônia e que temos uma Constituição cujo projeto é justamente que deixemos nossa condição periférica? Será que um dia não teremos mais que invejar e admirar decisões europeias e nos envergonhar das decisões da nossa corte suprema?
Rodrigo de Lacerda Carelli é procurador do Trabalho no Rio de Janeiro, professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na UFRJ e integrante do Coletivo Transforma MP
DM TEM DEBATE
https://www.dmtemdebate.com.br/stf-vs-supremo-de-portugal-comparando-decisoes-sobre-entregadores-de-plataformas/