NOVA CENTRAL SINDICAL
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BELO HORIZONTE, LIMEIRA e CURITIBA – A aventura brasileira de haitianos que deixaram seu país em busca de uma vida melhor está longe de ser uma história com final feliz. Depois de entrarem no Brasil pela fronteira amazônica, num fluxo inédito que levou o governo a mudar a política de vistos, pelo menos 283 deles já foram contratados em oito estados, conforme balanço do governo acreano. Do Rio Grande do Sul a Rondônia, trabalham na construção civil, no comércio e até numa rede mundial de fast food. Logo descobrem, porém, que o sonho de ganhar bem não vira realidade no primeiro emprego.
 
Em Belo Horizonte (MG), dez haitianos foram contratados para a função de auxiliar de pedreiro e cumprem jornada das 7h às 17h, com uma hora de intervalo para almoço. A aspereza do canteiro de obras, e o salário de R$ 677 por mês, não estavam nos planos de muitos deles, que já falam em mudar de ramo ou até voltar para casa.

— Gosto do Brasil, mas não deste tipo de trabalho. Se não encontrar outro, volto para o Haiti — afirmou Jeune Saintanier na última quinta-feira, a caminho do serviço, num bairro residencial de Belo Horizonte.

Saintanier, de 25 anos, consegue se comunicar em português e até lê jornal. Ele conta que era professor de matemática e cursava engenharia numa universidade no Haiti e largou tudo para vir para o Brasil — atraído não só pelo futebol, mas especialmente pelas oportunidades de emprego e pelo sonho de crescer na vida. Como professor, segundo ele, ganhava US$ 1.500 por trimestre, o equivalente a US$ 500 (R$ 896) por mês.

A leva de haitianos que veio para o Brasil nos últimos dois anos, cruzando a fronteira no Acre e no Amazonas — o governo brasileiro estima que sejam 5 mil — , não faz parte do contingente de miseráveis do mais pobre país das Américas. Pelo contrário. Os haitianos instalados em Belo Horizonte tiveram acesso à escola, sabem ler e escrever e falam francês — uma das línguas oficiais ignoradas pela população mais carente.

O choque de realidade desanimou o servente M., que pediu para não mostrar o rosto nem ter o nome divulgado. Motivo: vergonha.

— Minha família é muito orgulhosa de mim. Minha noiva também. Eles pensam que eu vim para ter uma vida melhor. E vão ver que não. A vida no Brasil é muy (sic) dura. E o salário, menor — observou M., o haitiano que melhor fala português e, por isso, é uma espécie de intérprete do grupo.

Os dez trabalhadores moram juntos num apartamento de três quartos, duas salas — uma delas transformada em quarto — e dois banheiros. O imóvel foi cedido pela construtora, que também fornece alimentos para o almoço e o jantar. Todos têm a carteira de trabalho assinada.

Pintor e decorador na República Dominicana, M. disse que chegava a ganhar R$ 2.400 por mês. Em Belo Horizonte, ele é o cozinheiro. Recebe o mesmo salário dos demais, mas fica em casa. Oito camas de solteiro, um beliche e uma mesa de plástico com uma tevê de 20 polegadas compõem a mobília. Não há guarda-roupas.

Saintanier e M. reclamam do custo de vida no Brasil, em especial do vestuário. Saintanier usa como referência pares de tênis vendidos a R$ 600 — preço de algumas das marcas mais caras. M. mostra uma estilosa camisa xadrez que trouxe da República Dominicana. Segundo ele, uma igual não sai por menos de R$ 250 no Brasil, valor incompatível com o salário de servente.

Para M., vestir-se bem vai muito além da vaidade: é uma necessidade diante do racismo:

— Tenho que usar roupas boas. Sei que os brancos acham o preto feio.

Discretos e bem-humorados, os haitianos despertam simpatia. Vendedoras de uma loja vizinha sorriem e abanam quando eles passam. Duas quadras separam o apartamento da obra, e eles circulam com desenvoltura. Reclamam da dificuldade de falar por telefone com familiares no Haiti. Alguns têm celular e compram chips de mais de uma operadora. Em vão.

“Uma oportunidade que nenhum brasileiro tem”

Colegas elogiam a inteligência e a disposição dos haitianos:

— Eles estão tendo uma oportunidade que nenhum brasileiro tem, que é ser contratado sem saber e aprender no serviço — ressaltou o pedreiro Warlen Monteiro, de 22 anos.

O dono da construtora pediu para ficar no anonimato, alegando temer o assédio da imprensa. Ele conta que recrutou inicialmente 28 haitianos em Rio Branco (AC) — outros 18 foram deslocados para o interior — e acaba de trazer mais 24 de Manaus (AM). Em fevereiro, contratou uma intérprete para receber o grupo, e escalou a mãe para cozinhar nos primeiros dias.

O construtor disse que a falta de mão de obra virou um problema crônico. Tanto que espalhou faixas na cidade com oferta de vagas e recorreu aos haitianos, fretando um ônibus para os 28 do Acre e bancando passagens aéreas em Manaus. O empresário disse que levou um susto ao constatar que os estrangeiros não tinham a qualificação esperada. Segundo ele, a formação de pedreiro no Haiti é muito menos exigente, o que teria ocasionado um ruído na comunicação, pois, por sua vez, os haitianos esperavam salários mais altos. Segundo o empresário, todos estão recebendo treinamento e ganharão aumento, tão logo estejam qualificados:

— Eles querem ganhar mais de mil reais por mês, o que apenas brasileiros com estudo e sorte na vida conseguem. Quando ficam aqui, tentamos conscientizá-los: “Não somos os Estados Unidos” — explicou Carla Aguilar, assistente social da Casa do Migrante, em São Paulo, que tem recebido um número cada vez maior de haitianos.

Quando deixou o Haiti, Wilni Paubrun, de 30 anos, sonhava com uma vida melhor longe do país devastado pelo terremoto. Três meses, sete mil quilômetros percorridos e US$ 5 mil dólares gastos depois, o sonho foi por água abaixo em Curitiba.

— Há haitianos que vêm para o Brasil e vivem bem. Mas para mim está muito difícil. Não estou bem.

A falta de atividades sociais, a dificuldade de comunicação e a enorme tristeza dificultam a adaptação. Wilni chegou em Curitiba há três semanas, trabalha como empregada doméstica e mora na casa de uma família brasileira. Ela está decepcionada com as condições em que vive e disse que não come nem dorme bem.

A família que a acolheu tenta apoiá-la Ela está frequentando um curso de português para estrangeiros na Universidade Federal do Paraná, mas não se empolga. A patroa, Adriana Batistella, a leva de carro, duas vezes por semana. Mas Wilni detesta o trabalho de doméstica e pretende conseguir outro emprego, embora só fale francês, o que reduz sua autonomia. No Haiti, segundo ela, trabalhava como professora de culinária, costura e decoração com flores. Ela disse que gostaria de recuperar os US$ 5 mil gastos para chegar ao Brasil e voltar para o Haiti, mas o salário de R$ 740 dificulta a formação de uma poupança rapidamente.

Em Limeira, no interior de São Paulo, na última sexta-feira, os donos da Solo Construtora foram surpreendidos por uma fiscalização do Ministério Público do Trabalho. Animado em ajudar, o dono da empresa foi buscar 11 haitianos no Acre e, na terça-feira passada, recebeu mais seis. Todos ganham salários em torno de R$ 800, mais horas-extras, e estão registrados. No galpão onde trabalhavam seis deles, junto com outros brasileiros, foram constatadas falta de refeitório e péssimas condições de higiene no sanitário, além de problemas elétricos que representam risco de incêndio. A casa onde um dos grupos está abrigado, segundo o MP, é pequena, mas a construtora prometeu regularizar tudo em 15 dias.