O Brasil atingiu um marco histórico: segundo a PNAD Contínua, a taxa de desemprego caiu para 5,5%, o menor índice já registrado na série histórica. Apesar do otimismo, o professor José Dari Krein, economista da Unicamp, durante entrevista ao Entrelinhas Vermelhas, alerta que os números escondem fragilidades profundas do mercado de trabalho.
“Temos setores intensivos em mão de obra que pagam muito mal e mantêm jornadas longas, como comércio, construção civil, farmácia e serviços gerais”, explica. Ele ressalta que o desemprego baixo não significa equidade ou organização no mercado: diferenças regionais, raciais e de gênero continuam expressivas. No Norte e Nordeste, por exemplo, o índice de desocupação chega a quase três vezes o do Sul e Sudeste. Mulheres negras, particularmente, enfrentam maiores dificuldades de inserção.
Outro ponto destacado pelo professor é que a melhora da renda familiar pode reduzir a necessidade de todos os membros trabalharem, permitindo que alguns busquem educação ou outras atividades essenciais. Apesar de positivamente associada ao crescimento econômico, essa situação ainda reflete mercados de trabalho fragmentados e pouco estruturados.
Embora o Brasil tenha atingido o menor desemprego da história, o mercado de trabalho ainda enfrenta informalidade alta, contratos precários e desigualdade persistente. A reforma trabalhista de 2017 não cumpriu suas promessas, e a falta de um projeto nacional de desenvolvimento limita a reorganização econômica e social.
Para o professor da Unicamp, é urgente retomar políticas públicas estratégicas que valorizem o trabalho, fortaleçam sindicatos, promovam empregos de qualidade e garantam sustentabilidade social. Sem isso, o crescimento do emprego continuará a ser superficial, com impactos negativos de longo prazo sobre trabalhadores e economia.
Informalidade: um problema persistente
Mesmo com a taxa de desemprego baixa, cerca de 50% da força de trabalho ainda se encontra em condições informais quando considerados trabalhadores por conta própria, MEIs e trabalhadores sem direitos formais.
Krein alerta que a informalidade elevada gera impactos futuros, principalmente sobre a Previdência Social. Ele explica que muitos trabalhadores atuam como MEIs ou contratos “não típicos”, mantendo vínculo econômico de assalariamento, mas sem proteção trabalhista. “Isso fragiliza o financiamento da Seguridade Social, criando uma verdadeira bomba-relógio para o futuro”, afirma.
Além disso, a informalidade elevada está ligada à própria estrutura do mercado brasileiro: empregos com baixa perspectiva de ascensão, chefias despóticas e jornadas extenuantes estimulam que trabalhadores busquem alternativas como MEI ou plataformas digitais. Contudo, essas formas de trabalho muitas vezes reproduzem precarização e baixos salários, com pouco ganho por hora trabalhada, especialmente para entregadores e motoristas.
A reforma trabalhista: oito anos de resultados negativos
Completando oito anos, a reforma trabalhista de 2017 foi feita com promessas de aumentar empregos e flexibilizar relações de trabalho. Para José Dari Krein, nenhuma promessa foi cumprida.
“Não houve aumento expressivo de emprego; a retomada não se deve à reforma, mas à política de transferência de renda e ao crescimento da economia nos últimos dois anos”, afirma. Além disso, a reforma introduziu contratos não típicos, flexibilizou jornadas e enfraqueceu sindicatos, prejudicando a negociação coletiva.
O sindicalismo, segundo o professor, sofreu um golpe profundo: a taxa de sindicalização caiu de 22% para 12%, reduzindo a capacidade de fiscalização e negociação. As mudanças nas regras, como o fim da ultratividade e a flexibilização da homologação, dificultaram aos trabalhadores reivindicar direitos sonegados.
Krein compara a situação brasileira a experiências recentes no exterior: na Inglaterra, o contrato “zero hora” (similar ao intermitente brasileiro) está sendo revogado devido à precariedade; na Espanha, leis trabalhistas foram reforçadas para proteger trabalhadores. No Brasil, entretanto, a pauta conservadora do Congresso impede a revisão da reforma.
Juros altos e ausência de projeto nacional de desenvolvimento
Outro fator que afeta o mercado de trabalho é a taxa de juros elevada, que, segundo o professor, favorece a especulação financeira em detrimento do investimento produtivo. “Sem um projeto nacional de desenvolvimento, o mercado de trabalho continuará desestruturado e a economia crescerá de forma desigual”, alerta.
Ele ressalta que políticas de valorização do salário mínimo, reindustrialização, investimentos tecnológicos e criação de empregos de qualidade são fundamentais para organizar o mercado e distribuir renda. Segundo Krein, países que combinaram progresso econômico com políticas públicas inclusivas e industrialização se saíram melhor nas últimas décadas.
Precarização, desigualdade e sustentabilidade social
O professor enfatiza que a combinação de informalidade, contratos precários e baixa sindicalização aumenta a desigualdade e compromete a solidariedade intergeracional da Seguridade Social. “Se os trabalhadores não contribuem de forma adequada, os sistemas de aposentadoria ficam comprometidos, e haverá pressão por novas reformas que reduzem benefícios”, explica.
Além disso, a precarização impede que os trabalhadores tenham ascensão profissional e direitos garantidos. Plataformas digitais e relações de emprego disfarçadas aumentam essa vulnerabilidade, mesmo quando criam oportunidades de formalização parcial ou de emissão de notas fiscais.
Desenvolvimento inclusivo: o papel central do trabalho
Para o professor José Dari Krein, organizar o mercado de trabalho é condição essencial para um desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável. Ele defende políticas que considerem:
- Distribuição de renda e redução da desigualdade;
- Criação de ocupações sociais para enfrentar problemas ambientais e sociais;
- Reindustrialização e investimento em setores tecnológicos;
- Estratégias para lidar com o envelhecimento populacional e mudanças na composição familiar.
“Não existe sociedade organizada sem reposicionar o trabalho como eixo do desenvolvimento. É fundamental criar ocupações sociais que garantam soberania, qualidade de vida e justiça social”, conclui.