Vanessa Vivian Müller
O adicional de insalubridade para camareiras gera controvérsia na Justiça do Trabalho. Divergências sobre a súmula 448 do TST e a NR-15 expõem insegurança jurídica.
O reconhecimento do adicional de insalubridade em grau máximo para camareiras (os) de estabelecimentos hoteleiros é tema que, ao longo dos anos, tem gerado intensos debates no âmbito da Justiça do Trabalho. O cerne da controvérsia reside na interpretação e aplicação do item II da súmula 448 do TST em conjunto com o anexo 14 da NR-15 da portaria 3.214/1978 do então Ministério do Trabalho e Emprego.
A referida súmula consolidou o entendimento de que “a higienização de instalações sanitárias de uso público ou coletivo de grande circulação, e a respectiva coleta de lixo, por não se equiparar à limpeza em residências e escritórios, enseja o pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo, incidindo o disposto no anexo 14 da NR-15”.
Todavia, importante que se observe que fundamento desta súmula teve origem em precedentes que tratavam da limpeza de instalações sanitárias em locais como universidades, escolas e rodoviárias, sem que houvesse análise específica da atividade exercida por camareiras (os) em quartos e banheiros de acomodações hoteleiras. Mesmo neste contexto da formação do entendimento do item II da súmula 448 do TST, se mostra recorrente a aplicação desse entendimento aos casos envolvendo o setor hoteleiro, especialmente quando laudos periciais judiciais apontam a exposição dos trabalhadores a agentes biológicos.
Para melhor compreensão, destaca-se o seguinte quadro comparativo entre o item II da súmula 448 do TST e o anexo 14 da NR-15 da portaria 3.214/1978:
Comparativamente, enquanto o anexo 14 da NR-15 trata de forma expressa da insalubridade em grau máximo apenas para atividades de coleta e industrialização de lixo urbano, a jurisprudência tem ampliado sua interpretação para englobar a limpeza de quartos e banheiros de estabelecimentos com alto fluxo de pessoas.
Neste contexto, o TST vem reiterando decisões que reconhecem o direito ao adicional em grau máximo para camareiras (os) que realizam a higienização de quartos e instalações sanitárias em estabelecimentos considerados de grande circulação, como demonstram os julgados nos processos RR: 00001752620215210041, RR-11788-52.2017.5.03.0019, RR-287-88.2016.5.21.0002, dentre outros, publicados no DEJT.
Contudo, essa expansão interpretativa tem sido alvo de questionamentos, dada a inexistência de critérios objetivos legalmente definidos para o que se considera “grande circulação”. Tal insegurança levou à instauração do Incidente de eecursos repetitivos (IncJulgRREmbRep – 325-54.2017.5.21.0006 – Tema 33 da Tabela de IRR) no TST, que visa justamente estabelecer diretrizes quanto à aplicação do item II da súmula 448.1
Em paralelo a isso, tramita no STF a ADPF 1.083, proposta pela CNC – Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, questionando a competência do TST para regulamentar matérias que deveriam estar restritas ao Ministério do Trabalho. A tese da CNC se apoia nas súmulas 194 e 460 do STF. No entanto, o relator, ministro Nunes Marques, indeferiu monocraticamente a ADPF, sob o fundamento de que se trata de matéria infraconstitucional. Atualmente, aguarda-se julgamento de agravo regimental.2
A jurisprudência regional tampouco é uníssona quanto ao tema. Há tribunais regionais como o TRT da 21ª região (RN), cujas decisões de algumas de suas turmas possui o entendimento de que não há previsão normativa para considerar insalubre, em grau máximo, a atividade de limpeza em acomodações de hotel, conforme o julgamento do processo 0000325-54.2017.5.21.0006. Em oposição a estendimento, temos o TRT da 12ª região (SC), que adota majoritariamente o entendimento de que a atividade das (os) camareiras (os) de hotéis neste contexto é insalubre em grau máximo, como se constata nas decisões dos processos 0000770-28.2022.5.12.0045, 0000654-03.2019.5.12.0053 e 0000993-11.2017.5.12.0027.
Diante desse cenário de insegurança jurídica, é imprescindível que os empregadores do setor hoteleiro adotem medidas preventivas e eficazes, sendo essencial garantir a correta entrega e fiscalização do uso de EPIs – Equipamentos de Proteção Individual, adequados, em quantidade e qualidade suficientes, com certificação válida, além da manutenção de um arcabouço probatório técnico e documental e, porque não destacar, também testemunhal, que possa evidenciar que o ambiente onde se promove a limpeza, higienização, organização e arrumação de quartos, suítes e banheiros se trata de local de pequena circulação de pessoas, com vistas a afastar a aplicação da súmula 448 do TST.
Não se traduz em excess destacar que a realização de laudo pericial no local de trabalho, conforme disposto no art. 195 da CLT, continua sendo requisito essencial para o reconhecimento do adicional, assim como é do empregador o ônus da prova quanto entrega de EPI’s adequados e a correta neutralização de agentes insalubres (art. 194 da CLT), caso identificados pela análise técnica da atividade.
Em síntese, o enquadramento da atividade de camareiras (os) como insalubre em grau máximo não encontra respaldo normativo expresso, mas tem sido amplamente reconhecido pela jurisprudência com base em critérios muitas vezes subjetivos. O julgamento do recurso repetitivo pelo TST será determinante para pacificar o entendimento e proporcionar maior segurança jurídica ao setor.
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Referências:
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 25 ago. 2025.
BRASIL. Norma Regulamentadora nº 15 – Atividades e Operações Insalubres (Atualizada 2022). Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/comissao-tripartite-partitaria-permanente/arquivos/normas-regulamentadoras/nr-15-atualizada-2022.pdf. Acesso em: 26 ago. 2025.
MTE. Anexo 14 da NR-15 – Atividades e Operações Insalubres. Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/comissao-tripartite-partitaria-permanente/arquivos/normas-regulamentadoras/nr-15-anexo-14.pdf . Acesso em: 26 ago. 2025.
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Consulta processual. Disponível em: https://consultaprocessual.tst.jus.br/. Acesso em: 26 ago. 2025.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Portal de processos. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/. Acesso em: 26 ago. 2025.
JUSBRASIL. Jurisprudências. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/. Acesso em: 25 ago. 2025.
1 https://www.tst.jus.br/nugep-sp/recursos-repetitivos/tabela-completa
2 https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6699877
Vanessa Vivian Müller
Advogada trabalhista do Grupo Employer.