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Tendências do mundo laboral: diálogo Norte-Sul

Tendências do mundo laboral: diálogo Norte-Sul

Os impactos do recente ciclo de crises nos desafiam a aprofundar o debate sobre as atuais tendências do mundo laboral.

Elísio Estanque, Agnaldo de Sousa Barbosa e Fabrício Maciel

Introdução do livro Re-trabalhando as classes no diálogo norte-sul: trabalho e desigualdades no capitalismo pós-covid.

1.

Com a presente obra procuramos apresentar uma reflexão abrangente sobre as atuais dinâmicas de transformação do capitalismo contemporâneo. A diversidade de abordagens recobre um amplo conjunto de temas cujo ponto de convergência gira em torno das desigualdades sociais em suas diferentes categorias, incluindo a classe social, a questão racial, identidades de gênero e orientação sexual, etc.

Os impactos do recente ciclo de crises, financeira, a Pandemia do Covid-19, a política internacional e a fragilização dos regimes democráticos, desafiam-nos a aprofundar o debate sociológico, a crítica à globalização e as atuais tendências do mundo laboral e da sociedade nos mais diversos continentes. Merecem especial destaque os efeitos de todas estas transformações – econômicas, sociais, culturais e políticas – na reorganização da estrutura de classes e modalidades de ação coletiva.

Se as velhas controvérsias sobre as classes sociais e a organização produtiva inspiraram os processos de institucionalização das ciências sociais e da sociologia na sua primeira fase, cremos que hoje, passados cerca de duzentos anos desse ciclo de “grandes transformações”, é pertinente convocar um conjunto de acadêmicos de várias origens para apresentarem seus estudos e reflexões sobre as atuais tendências de mudança no mundo global do século XXI.

Considerando desde logo o berço do capitalismo moderno, a Europa Ocidental, é bom lembrar que, lado a lado com as inúmeras convulsões sociais, guerras e conflitos que marcaram as sociedades industriais durante mais de duzentos anos, do hemisfério Norte e do Sul Global, assistiu-se também a significativos desenvolvimentos e progressos sociais, por exemplo, em matérias como a revolução tecnológica e digital, cujas repercussões incidem em todo o mundo. Porém, sendo o mundo tão desigual e assimétrico, as linhas de mudança desenham-se sob figurinos, sentidos e ritmos condicionados pelas assimetrias previamente estabelecidas.

Mais recentemente, ao longo do último meio século, o surgimento da globalização neoliberal conduziu a uma crescente desregulação das economias com a consequente estagnação (ou recuo) das políticas sociais e o acentuar constante das desigualdades sociais, mesmo nos países da União Europeia, onde o Estado-providência mais avançou na segunda metade do século XX.

Mais recentemente, o contexto da pandemia do Covid-19 contribuiu para exponenciar a aceleração do mundo e catalisar novas ameaças: por um lado, alertou-nos para os excessos da globalização neoliberal, para os riscos ambientais, a hegemonia do capital financeiro sobre a economia produtiva, o desgaste das democracias e o crescimento do populismo de extrema direita; por outro lado, tal cenário coloca-nos agora perante uma encruzilhada de desafios, com a transição digital e a desestruturação do anterior modelo laboral a exigirem novas respostas, onde a economia circular, o desenvolvimento sustentável e a reindustrialização ganham um novo significado. Importa saber, perante o referido cenário global, que novas linhas de mudança, e também qual o sentido da nova divisão internacional do trabalho e como se estruturam as novas barreiras de classe.

Uma das grandes tendências que vêm suscitando intensos debates nas últimas décadas merece neste livro especial atenção. Ela vincula-se às crescentes assimetrias globais e a intensificação de desequilíbrio de poder herdado do passado. E esse passado, que está na gênese do capitalismo ocidental moderno, liga-se historicamente com a questão colonial.

Muito embora esta obra não seja especificamente sobre esse tema, parece-nos óbvia, perante o momento histórico que atravessa hoje o capitalismo global, a importância dessa matéria, desde logo pelas implicações que tem com a atual problemática das desigualdades sociais, necessariamente colocando em jogo novas dinâmicas e complexidades em suas diferentes modalidades, desde o problema da classe às novas divisões identitárias que estão desenhando novos movimentos e inspirando novos debates acadêmicos.

2.

Nesse contexto a discussão em torno das desigualdades exige abordagens interseccionais onde a variável “classe” se conjuga com outras tais como o “gênero” e a “raça”. Por essa ordem de razões os debates centrados nas relações de trabalho, suas transformações e desafios, sugerem um novo diálogo com as desigualdades raciais e de gênero e os movimentos sociais subjacentes, como é o caso dos movimentos negro e feminista e suas contaminações recíprocas.

Embora o campo econômico e o sistema produtivo persistam como eixo central do crescimento econômico e da acumulação capitalista, as relações sociais de produção perderam centralidade – para boa parte da teoria social – na definição das divisões classistas e sobretudo da conflitualidade na era do neoliberalismo. Paralelamente, a “classe” como principal sujeito da mudança sociopolítica cedeu espaço diante da força crescente da chamada “política identitária”. Nesse sentido, as questões do pós-colonialismo, da violência e do preconceito racial, dos movimentos feministas, bem como das lutas LGBTQIA+, têm colocado em pauta novos questionamentos, seja dialogando com a classe, seja situando-se à margem da crítica sistêmica de inspiração marxista.

Por outro lado, as temáticas ligadas ao mundo do trabalho e da “crítica social” também se deslocaram para uma dimensão mais culturalista e estética (no sentido da “crítica estética” como apontaram Boltanski & Chiapello). Com efeito, a classe e as “relações sociais de produção” perderam capacidade explicativa e força política, enquanto o neoliberalismo global evidenciou um poder crescente do capital e um arrefecimento generalizado das classes trabalhadoras e do movimento sindical internacional. Mais recentemente, as novas divisões identitárias inspiraram novas correntes teóricas com crescente impacto nos debates acadêmicos e na sociedade.

É certo que a questão racial não é um tema novo na sociologia (Samir Amin, Willian E. Du Bois, Frantz Fanon, Wallerstein, Loic Wacquant, Achille Mbembe, dentre muitos outros, já tematizaram o problema). No contexto brasileiro, o mito do “racismo cordial” ou da “democracia racial” à la Gilberto Freyre foi desde cedo objeto de questionamento nomeadamente sob influência de Florestan Fernandes (seguido por Otávio Ianni, dentre outros). Mas até mesmo em Portugal esse estereóptipo fez escola desde os tempos do salazarismo em pleno período colonial – e isto apesar da proliferação de piadas racistas após o fim dessa guerra – embora os casos e os debates pós-coloniais mais recentes tenham mostrado que o racismo estrutural permanece, lá como cá.

No Brasil, o discurso populista-nacionalista, na primeira metade do século XX, e a narrativa da primazia da classe que vigorou a partir do início da década de 1960 (Guimarães, 2002), sob influência da aproximação cultural entre o Brasil e a África e do crescimento do movimento negro, abrindo caminho, por exemplo em regiões como a Bahia, levaram a uma maior expressividade da “cultura afro-brasileira”, que ajudou a confrontar o mito da miscigenação ou da cordialidade freyriana.

A ideia de uma possível diluição do problema racial perante o aparente aumento dos antagonismos de classe ganhou expressão acompanhando o discurso anti-fascista (de meados do século passado) onde figuras como Bastide (1944) inspirado em Jorge Amado, pareciam olhar o curso da história no Brasil como uma evolução da matriz identitária negra, fundada no espiritualismo de influência africana, para uma confluência entre a “negritude” e o proletariado branco. Aos olhos de Jorge Amado, seguido por Bastide, o sindicalismo parecia ganhar influência junto da população, perante o aumento da luta de classes e a expectável “união dos proletários”.

Porém, tornou-se evidente que, ao lado de um alegado Adeus ao Proletariado, segundo a concepção de André Gorz (1980), a classe trabalhadora, ao contrário de muitos diagnósticos, se fragmentou e enfraqueceu cada vez mais como sujeito político, parecendo render-se ao poder do capital sob a batuta da globalização neoliberal das últimas décadas.

Na verdade, as profundas transformações ocorridas nas últimas décadas alteraram radicalmente o mundo laboral, marcado cada vez mais por infinitas divisões e vulnerabilidades, perante um mercantilismo agressivo, inventando cadeias de valor com base na multiplicação de capitais, nos títulos, nas ações das bolsas de valores e na especulação financeira. O capital a gerar capital tornou-se mais aliciante e auspicioso do que os projetos de investimento produtivo, enquanto a inovação no campo da informática e do digital ajudavam a suprimir milhões de empregos, substituídos pelos novos equipamentos digitais, automatismos e plataformas geridas por algoritmos e Big Data.

Daí a proliferação de novas desigualdades sociais, novas subclasses, a criação de fraturas abissais e formas de dominação, entre incluídos e excluídos, ricos e pobres, homens e mulheres, o Norte e o Sul Global, brancos e negros, etc. Em suma, as atuais divisões e desigualdades do mundo não substituem as antigas, antes se juntam a elas acrescentando novas assimetrias e aumentando a complexidade, a instabilidade e a aceleração da modernidade tardia em que vivemos (Rosa, 2022). Para além das velhas clivagens entre centro e periferia do sistema mundial, as oposições entre o Norte e o chamado Sul Global resultam de uma crescente conscientização da natureza complexa e do obscurecimento de formas profundas de desigualdade e preconceito que as ideologias dominantes esconderam durante séculos.

A dominação colonial e o pós-colonialismo impuseram todo um conjunto de narrativas que ajudaram a “naturalizar”, esconder e calar as vítimas maiores de um sistema iníquo e desumano em muitas das suas vertentes. A dominação eurocêntrica encontrou legitimação tanto na ação de controle como na própria imposição de uma linguagem que ajudou a naturalizar a subalternidade do colonizado (Quijano, 2005; Mignolo, 2020; Robinson, 2023). Assim, o patriarcado ancestral conjugou-se com os regimes escravagistas para impor de forma brutal uma opressão e domínio que transportou, e transporta, ao longo dos séculos variadas formas de violência e silenciamento, de que as divisões de raça e gênero são exemplos, criando ao mesmo tempo um “véu” de obscurecimento e negação da condição negra (Du Bois, 2021 [1903]).

Esse cancelamento do ser, essa inferiorização dos corpos negros de homens e mulheres – num movimento de disseminação ideológica que inculcou em suas mentes a naturalização da superioridade de uma raça sobre outra – levou as vítimas da branquitude colonial a sonhar tornarem-se brancos, como nos mostrou Frantz Fanon (2008 [1952]) através da fala dos seus doentes. Mas essa colonização da mente negra não impediu que crescessem os sentimentos e ressentimentos acumulados durante séculos, os quais persistiram após o fim oficial do colonialismo nas Américas e no Sul Global.

3.

Perante a emergência dos debates mais recentes, importa questionar os velhos cânones e divisões teóricas rígidas dentro das ciências sociais do Ocidente, em convergência com propostas de Michael Burawoy (2022), dentre outros. Há que se buscar inspiração nestas novas linguagens, mas sem abandonar o legado teórico dos antigos clássicos, ou seja, recentrar o diálogo entre autores, pôr as visões críticas do Norte a conversar com porta-vozes dos setores oprimidos do hemisfério sul, recuperando nas epistemologias do Sul o contraponto para a hegemonia eurocêntrica (Santos, 2017).

Como sabemos, as desigualdades e a violência de base racial foram historicamente incorporadas na própria lógica capitalista, em especial em países de capitalismo periférico, como é o caso do Brasil. O poder capitalista que opera em escala global, como bem argumenta Klaus Dörre (2022), exerce uma expropriação dos subalternos praticamente sem resistência. As velhas lutas do operariado industrial recuaram e foram substituídas por um sindicalismo de base corporativa nos setores ainda estáveis do mercado de trabalho.

Paralelamente, o neoliberalismo foi promovendo subclasses abaixo do limiar da respeitabilidade social, perante a multiplicação e o desdobramento de novos e mais frágeis vínculos laborais, com as subcontratações, o tráfico ilegal de mão de obra, formas flexíveis de trabalho temporário, hoje em dia vinculadas à expansão do campo digital, dos “platform workers”, da uberização, etc. O trabalho barato e por vezes escravizado – ainda que em muitos casos com qualificações escolares avançadas, como ocorre na Europa, mas também cada vez mais na América Latina – parece, no entanto, ser aceito sem resposta pelos trabalhadores e grupos sociais guetizados e esquecidos pelo sistema.

A nova “classe-que-vive-do-trabalho”, da qual fala Ricardo Antunes (2018) é alheia a quaisquer mecanismos de proteção ou sequer a alguma condição humanamente digna (Huws et al., 2017; Maciel, 2021); mas ainda assim parece impotente para voltar a agir enquanto ator coletivo (como nos tempos estudados por Karl Marx e Friedrich Engels), chame-se ele proletariado ou “precariado” (Standing, 2013).

Porventura, estes segmentos precários e dispersos, se se deixarem influenciar por outros movimentos e grupos identitários (de tipo racial, étnicos, ambientais, de gênero ou orientação sexual), hoje em dia em muitos contextos mais vibrantes do que os sindicatos, poderão vir a instigar futuras ondas de rebelião de tipo polanyiano ou thompsoniano (Thompson, 1988), mas não é seguro que isso aconteça. E se acontecer poderão abrir as portas, não do socialismo, mas talvez do retorno ao autoritarismo nacionalista e populista (Estanque, 2015).

Na verdade, essas camadas sociais são constituídas por uma miríade quase ilimitada de condições precárias e indignas, como formas subcontratuais, informalidades, vítimas de tráfico de mão-de-obra, trabalho doméstico, nomadismo digital, etc., sem esquecer ainda o pequeno empreendedor, o microempresário, ele próprio tantas vezes vivendo no limite da subsistência e da dignidade (Barbosa, 2012), o homem do quiosque que trabalha intensamente com a sua família para poder aguentar o seu pequeno negócio.

4.

Os organizadores deste livro inserem-se numa rede de relações acadêmicas internacionais, onde integraram projetos e programas de cooperação e mobilidade envolvendo universidades e centros de pesquisa, do Brasil (UNESP-Franca), de Portugal (Universidade de Coimbra) e da Alemanha (Univ. Friedrich-Schiller, Jena). Essas ligações poderão constituir uma vantagem acrescida que nos coloca em posição privilegiada para promover esta iniciativa editorial, dando sequência aos protocolos multilaterais em vigor entre as referidas instituições.

Assim, programamos o nosso livro pensando em três domínios essenciais, articulados entre si, e que consideramos se ajustarem aos referidos objetivos de internacionalização das ciências sociais, em sua interdisciplinaridade. Em termos temáticos consideramos: em primeiro lugar, um domínio mais genérico e reflexivo sobre as nossas sociedades, onde as grandes linhas de reflexão em torno da complexidade e ritmos de mudança no quadro do capitalismo global, mas com a preocupação de manter o diálogo Norte-Sul, suas interconexões e potenciais formas de cooperação (nomeadamente no contexto pós-pandemia).

Em segundo lugar, um enfoque centrado nas relações de trabalho e nos processos de desregulação, fragmentação e precariedade nos sistemas de emprego; e em terceiro lugar, uma linha mais direcionada aos processos recentes de reestruturação das classes (quer enquanto estruturas sociais objetivas, quer enquanto atores sociopolíticos) e em estreita ligação com os movimentos e contramovimentos (identitários, populistas, feministas, anti-racistas, anti-homofóbicos, etc.), no quadro do recente ciclo de neoliberalismo, da pandemia e das implicações socioeconômicas da atual guerra na Europa.

Elísio Estanque é investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e professor visitante da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Autor, entre outros livros, de Classe média e lutas sociais: Ensaio sobre sociedade e trabalho em Portugal e no Brasil (Editora Unicamp).

Agnaldo de Sousa Barbosa é profesor do Departamento de Educação, Ciências Sociais e Políticas Públicas na UNESP-Franca.

Fabrício Maciel é professor de teoria sociológica na Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor, entre outros livros, de O Brasil-nação como ideologia. A construção retórica e sociopolítica da identidade nacional (Ed. Autografia).

Fonte: A Terra é Redonda
Data original da publicação: 10/07/2024

DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/tendencias-do-mundo-laboral-dialogo-norte-sul/

Tendências do mundo laboral: diálogo Norte-Sul

Precarização do trabalho rural impacta mais pessoas negras e mulheres

Um relatório da Oxfam Brasil indica que mulheres e pessoas negras são as maiores vítimas das consequências da informalidade no trabalho rural. De acordo com o estudo, 69,6% das trabalhadoras e trabalhadores são negras e negros e 58,3% trabalham sem as garantias da legislação trabalhista.

A desigualdade também se expressa nos salários. Segundo os dados levantados, homens negros ganham 59,8% e mulheres negras 61,6% a menos que a média. A informalidade atinge 46,1% da população preta e parda ocupada.

Um relatório da Oxfam Brasil indica que mulheres e pessoas negras são as maiores vítimas das consequências da informalidade no trabalho rural. De acordo com o estudo, 69,6% das trabalhadoras e trabalhadores são negras e negros e 58,3% trabalham sem as garantias da legislação trabalhista.

A desigualdade também se expressa nos salários. Segundo os dados levantados, homens negros ganham 59,8% e mulheres negras 61,6% a menos que a média. A informalidade atinge 46,1% da população preta e parda ocupada.

Mais de cem anos após a abolição em lei do regime que condenou milhões de pessoas à servidão forçada, o cenário revela uma realidade que tem profundas conexões com esse passado. O padrão de desigualdade, construído a partir da invasão portuguesa ao território, persiste até os dias atuais.

Gustavo Ferroni, coordenador de Justiça Rural da Oxfam Brasil, afirma que o trabalho no campo é “herdeiro direto” da lógica de servidão que caracteriza a escravidão e constitui uma “máquina de alimentar desigualdades”. Ele lembra que a mão de obra rural do país só entrou no escopo das leis trabalhistas a partir do fim da década de 1980, com a promulgação da Constituição.

“São desafios que ao longo de mais de um século não foram superados. Particularmente no caso dos trabalhadores rurais, a informalidade é muito alta. Estamos falando de empregadores que compõem o agronegócio, que dizem que é o setor que mais contribui para o PIB [Produto Interno Bruto]. Mas que crescimento econômico é esse se os trabalhadores estão informais e recebem salários muito baixos?”

Sistematicamente marginalizada nos processos históricos brasileiros, a força de trabalho do campo convive com a pobreza e a vulnerabilidade social cotidianamente. A maior parte dessas pessoas têm ocupações temporárias e, muitas vezes, os salários estão abaixo do mínimo nacional.

Salários

A nota informativa da Oxfam Brasil identificou fatores que contribuem para a perpetuação dos baixos salários e da desigualdade no campo. O primeiro deles é a divisão injusta de valores nas cadeias produtivas. A dinâmica favorece o lucro de grandes produtores, o que afeta a pequena e média produção e a massa trabalhadora.

Além disso, entidades de classe enfraquecidas também representam um grande obstáculo. A ausência de negociação coletiva com sindicatos e outros órgãos representativos impulsiona a assimetria de poder entre quem emprega e quem trabalha. O salário-mínimo inadequado também intensifica essa realidade.

Esse cenário leva o meio rural a ser o que mais registra situações análogas à escravidão, representando cerca de 90% dos casos. Mas essa é a consequência mais radical da precarização do trabalho rural. Antes dela, uma série de outras violações acontecem, alerta o documento.

Na lista estão crimes como a servidão por dívida, a restrição de liberdades, as condições degradantes, os descontos ilegais e a violência. “Temos que lembrar que a pessoa precarizada no campo está trabalhando dentro da fazenda, em regiões isoladas, à mercê completa do seu empregador”, pontua Ferroni.

“A simetria de poder no campo entre o empregador e o trabalhador não é comparável a nenhuma outra. Esse ambiente de trabalho no campo é que cria as condições favoráveis para esse tipo de exploração”, completa ele.

Recomendações

A nota da Oxfam Brasil apresenta caminhos para superação do problema, baseados em experiências com trabalhadoras e trabalhadores rurais em diversas regiões do país. O documento aponta que a participação de todos os atores nas cadeias produtivas é essencial para implementar as recomendações.

Os processos de diálogo precisam reconhecer e agir para diminuir a assimetria entre quem emprega e quem trabalha. É necessário também garantir participação igualitária entre trabalhadores e trabalhadoras.

Ainda na lista de recomendações estão ações do poder público envolvendo diversas esferas de governo para soluções capilarizadas e efetivas. O trabalho dos sindicatos deve ser fortalecido, sem limitação de acesso a trabalhadoras e trabalhadores e a locais de trabalho.

“Antes da reforma trabalhista já era difícil. Depois dela, os sindicatos de trabalhadores assalariados rurais estão enfrentando enormes desafios. Muitos empregadores se recusam a negociar”, alerta o especialista.

Segundo ele, essa realidade prejudica as possibilidades de negociação para a massa trabalhadora. “Temos trabalhadores que já vêm de camadas mais pobres da população, nessa situação de vulnerabilidade em relação ao empregador. Não têm negociação coletiva, vivem dentro da fazenda, então qual a capacidade de reclamar e se recusar a negociar individualmente?”

As negociações coletivas regulares e o estabelecimento de Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho (CCT e ACT) são essenciais para reverter o cenário, segundo o relatório.

Para Ferroni, “é inaceitável que o setor mais rico da economia tenha trabalhadores informais num nível de 60%, praticamente. O campo inteiro deveria ser coberto de negociação coletiva”.

Fonte: Brasil de Fato
Texto: Nara Lacerda
Data original da publicação: 15/07/2024

DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/precarizacao-do-trabalho-rural-impacta-mais-pessoas-negras-e-mulheres/

Tendências do mundo laboral: diálogo Norte-Sul

Luta de classes ecológica: a classe trabalhadora e a transição justa

“As lutas de classes travadas ao longo deste século decidirão a habitabilidade da Terra durante os próximos milênios. Podemos inspirar-nos nas exigências que unem os ativistas e os sindicatos climáticos. Também podemos nos inspirar nas greves escolares contra as alterações climáticas, que introduziram o conceito de greve nas novas gerações”, escreve Gareth Dale, escritor e professor na Brunel University London, em artigo publicado por Green European Journal e reproduzido por El Salto, 15-07-2024.

Eis o artigo.

São aquelas pessoas que se encontram numa situação precária e de instabilidade econômica que podem inspirar a descarbonização da indústria e a criação de empregos que respeitem o ambiente. Temos um forte histórico de iniciativas trabalhistas que superaram as demissões, bem como uma série de colaborações recentes entre ativistas, sindicatos e trabalhadores, que servem como exemplos concretos de transição fortalecida.

Em 2023, uma onda de calor inédito com o nome de Cérbero (o cão de caça de três cabeças de Hades) varreu a Europa, levando a classe trabalhadora a organizar-se para exigir medidas de proteção contra o calor extremo. Em Atenas, o pessoal empregado na Acrópole e noutros locais históricos entrou em greve durante quatro horas por dia. Em Roma, o serviço de recolha de lixo ameaçou entrar em greve caso fossem obrigados a trabalhar nas horas mais quentes. Noutras partes da Itália, os funcionários dos transportes públicos exigiram veículos com ar condicionado e o pessoal de uma fábrica de baterias em Abruzzo ameaçou entrar em greve para protestar contra o fato de serem forçados a trabalhar num “calor sufocante”.

Quase se poderia dizer que os antigos gregos previram a atual crise climática quando chamaram Hades, o deus dos mortos, o eufemismo de “Plutão”, o doador de riqueza. Seu nome é uma alusão aos materiais (prata em sua época, combustíveis fósseis e minerais essenciais na nossa) que, uma vez extraídos do submundo, acabam enchendo os bolsos dos plutocratas.

A estrutura plutocrática da sociedade moderna explica a resposta surpreendentemente lenta ao colapso climático. A tão anunciada transição ecológica mal avança, pelo menos no tocante à concentração atmosférica de gases com efeito de estufa. Estes não só continuam a aumentar, como o fazem mesmo a um ritmo acelerado, e o mesmo ocorre com o ritmo do aquecimento global. A transição continua a depender de instituições poderosas e ricas que, mesmo deixando de lado a ganância ou a ganância por estatuto, são forçadas pelo sistema a colocar a acumulação de capital à frente da habitabilidade do planeta.

Neste contexto, a política de transição implica uma luta de classes que vai além da luta da classe trabalhadora em defesa de si mesma e das suas comunidades contra as emergências meteorológicas. Obviamente, isso também faz parte do cenário, mas a luta de classes manifesta-se mais obviamente quando aqueles que estão no poder tentam transferir os custos da transição para as massas. É assim que surge inevitavelmente a resistência. A questão é: que forma assumirá?

Em alguns casos, esta resistência assume a forma de uma reação antiambiental, instigada ou dominada por forças conservadoras e de extrema-direita. Embora se proclamem aliadas das “famílias trabalhadoras”, estas forças denigrem a necessidade mais básica de cada trabalhador: um planeta habitável. Noutras ocasiões adopta uma forma progressista, como é o caso emblemático dos chamados “coletes amarelos” na França. Quando o governo de Macron aumentou os “impostos ecológicos” sobre os combustíveis fósseis como um incentivo para os consumidores comprarem carros mais eficientes, as classes média-baixa e trabalhadora nas zonas rurais, incapazes de pagar esta mudança, vestiram coletes amarelos e mobilizaram-se. Embora o setor radical do movimento operário francês tenha aderido à causa, não conseguiu fundir-se numa força política capaz de oferecer outras soluções para a crise social e ambiental.

A análise das formas de luta, movimentos e ações da classe trabalhadora em relação às mudanças climáticas permite-nos vislumbrar como a transição ecológica poderia ser reorientada seguindo uma linha social liderada pela classe trabalhadora. Neste contexto, o termo “luta de classes” é utilizado num sentido geral para abranger questões como ecologia, reprodução social, sexualidade, identidade, racismo, etc., todas elas relacionadas com a qualidade de vida e tão relevantes para a “força de trabalho”, como salários e condições de trabalho.

Mazzocchi, o líder sindical americano que cunhou o termo “transição justa”, criticou o contrato social do pós-guerra, no qual os líderes sindicais renunciavam à participação nas decisões sobre o processo de produção em troca de melhores salários. O seu radicalismo vermelho-verde surgiu da convicção de que era necessário transformar a totalidade do trabalho e da vida social para alcançar a saúde e o bem-estar da classe trabalhadora.

Resistência dos trabalhadores

O colapso climático tem deixado uma marca cada vez mais profunda nas diferentes formas de luta de classes. Os perigos climáticos já foram integrados nas lutas dos trabalhadores em todo o mundo, lançando novas bases para a mobilização. Além disso, a preparação para situações de emergência tem subido posições em termos de prioridades nas agendas das comissões sindicais de segurança.

A pesquisa de Freya Newman e Elizabeth Humphrys sobre trabalhadores da construção civil em Sydney explora as percepções dos trabalhadores sobre o estresse térmico como uma questão de classe. “Quando está um calor incrível, os nossos chefes nunca saem dos seus escritórios com ar condicionado”, queixou-se um dos entrevistados, “e obrigam-nos a trabalhar em locais horríveis, a temperaturas insanas”. Segundo os investigadores, em locais onde a consciência de classe é maior e os sindicatos mantiveram alguma importância (apesar da tendência geral de enfraquecimento durante a era neoliberal), a pressão da classe trabalhadora alcançou as melhorias mais notáveis ​​na saúde e segurança no contexto da crise climática.

As mobilizações por uma maior proteção contra os riscos meteorológicos, como as que tiveram lugar em Atenas, Roma e na região de Abruzzo, mostram a estreita relação entre as lutas dos trabalhadores e a degradação climática e o colapso ecológico. Outra reação é a resistência contra as repercussões “indiretas”, conceito muito amplo que inclui as revoltas revolucionárias que ocorreram entre 2010 e 2012 no Oriente Médio e no Norte de África, onde a instabilidade meteorológica causou um rápido aumento nos preços dos alimentos, e, mais recentemente, os protestos dos agricultores na Índia.

Demissões “vermelhas” são vestidas de “verde”

Tendo em conta que os veículos elétricos, as energias renováveis ​​e os transportes públicos são peças-chave para a transição ecológica, o que acontece com as pessoas que trabalham nos setores mais poluentes?

Algumas das histórias mais inspiradoras sobre a transição provêm das indústrias automóvel e de armamento. No início da década de 70, os movimentos trabalhistas e sindicais de todo o mundo dedicaram-se à defesa do meio ambiente. Foi assim que os “vermelhos” e os “verdes” adotaram uma linguagem comum. Nos Estados Unidos, por exemplo, o líder do sindicato United Automobile Workers, Walter Reuther, declarou que “a crise ambiental atingiu proporções tão catastróficas que o movimento trabalhista é agora forçado a trazer esta questão para a mesa de negociações de qualquer indústria que contribui de forma quantificável para a deterioração do ambiente em que vivemos”.

Bem, foi precisamente isso que fizeram os trabalhadores da Lucas Aerospace, uma fabricante inglesa de armas. A direção da empresa passou a demitir funcionários, citando a automação e a diminuição das encomendas do governo. Diante dessa situação, os trabalhadores criaram um sindicato não oficial com o nome Combine para representar os empregados que trabalhavam nas suas 17 fábricas. O principal objetivo era estancar a hemorragia das demissões, pressionando o governo Trabalhista a investir em maquinaria para a vida e não para a morte.

Em 1974, eles escreveram um documento de 1.200 páginas no qual detalhavam diversas propostas para reorientar suas competências e maquinários para uma atividade produtiva útil à sociedade, como máquinas de hemodiálise, turbinas eólicas, painéis solares e motores de veículos híbridos e trens leves, ou seja, tecnologias de descarbonização praticamente desconhecidas naquela época. O plano foi rejeitado pelo então governo Trabalhista e pela direção da empresa, que desqualificou os seus criadores como “a brigada do pão integral e das sandálias”. No entanto, a história do Combine ainda permanece.

Em 2021, a Melrose Industries adquiriu a GKN, uma das empresas líderes da indústria automotiva, e anunciou o fechamento de suas fábricas de componentes de transmissão automotiva localizadas nas cidades de Florença e Birmingham. Por um lado, mais de 500 trabalhadores da fábrica britânica responderam com um voto a favor da greve, exigindo que a fábrica fosse convertida numa unidade de produção de componentes para veículos elétricos. Frank Duffy, coordenador sindical da Unite, explicou: “Percebemos que se quiséssemos alcançar um futuro verde para a indústria automóvel britânica e salvar os nossos empregos qualificados, não poderíamos deixar isso nas mãos dos nossos patrões. Tivemos que resolver o problema com nossas próprias mãos”. E, ecoando claramente o Plano Lucas, acrescentou: “Elaborámos um plano alternativo de 90 páginas que detalha como podemos reorganizar a produção” para garantir empregos e acelerar a transição para o transporte movido por motores elétricos”.

Na fábrica irmã de Campi Bisenzio, na Itália, a transição a partir de baixo foi muito mais longe. Os trabalhadores da fábrica já tinham uma vantagem depois de se terem organizado numa comissão industrial democrático (collettivo di fabbrica). Ocuparam as instalações e expulsaram os seguranças, que receberam ordens de intervenção. Desta forma, e em colaboração com acadêmicos e ativistas pela justiça climática, os trabalhadores elaboraram um plano para reconverter o transporte público sustentável e exigiram a sua implementação.

Dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas repetidamente em mobilizações constantes, apoiadas por sindicatos e comunidades locais, bem como por grupos ambientalistas como a Extinction Rebellion (XR) e a FFF. A ocupação de Campi Bisenzio, agora no seu terceiro ano, é a mais longa da história italiana. Após o fracasso dos seus esforços para forçar a Melrose a cancelar o encerramento da fábrica, os trabalhadores mudaram de tática e formaram uma cooperativa que atualmente produz bicicletas de carga. Graças a esta mudança de rumo, conseguiram manter um emprego seguro para parte da força de trabalho original, oferecendo assim um exemplo de como poderiam começar os programas de descarbonização conduzidos pelos próprios trabalhadores.

Nenhuma alternativa viável

Nestes exemplos que oferecemos sobre a indústria automobilística, o processo de transição parece simples, pelo menos do ponto de vista material. Assim, uma fábrica de componentes para automóveis com motor de combustão interna pode ser convertida numa fábrica de veículos elétricos, transportes públicos ou bicicletas. Mas o que acontece com outras indústrias para as quais não existem tecnologias alternativas viáveis? Como devem os trabalhadores destas indústrias responder a esta situação?

Algumas propostas modestas mas ousadas surgiram na Grã-Bretanha em plena crise da Covid-19. Magowan e a equipa do Green New Deal de Gatwick mapearam as muitas formas através das quais as diferentes categorias de competências dos trabalhadores de Gatwick poderiam ser adaptadas a outros empregos nos setores de descarbonização. Graças ao apoio do Sindicato dos Serviços Públicos e Comerciais, encontraram apoio na força de trabalho, entre os quais está um piloto que soube resumir maravilhosamente tudo o que está em jogo:

Voar tem sido o sonho da minha vida. Temos muito medo de enfrentar a possibilidade de perder essa parte importante de nossas vidas, pois perder o emprego é como perder uma parte de nós mesmos. Agora, como pilotos, usamos as nossas competências para identificar esta ameaça existencial ao mundo natural e às nossas vidas. Se fosse uma emergência durante o voo, já teríamos desviado para um destino seguro há muito tempo. Não podemos voar às cegas em direção ao destino pretendido enquanto a cabine de comando se enche de fumaça. O impacto da nossa indústria nas emissões globais é irrefutável. As supostas soluções para “ecologizar” a indústria na sua escala atual estão a décadas de distância e não são nem global nem ecologicamente justas. Dada a crescente consciência ambiental, o setor da aviação deverá encolher, seja através de uma “transição justa” para os trabalhadores, seja como resultado de uma catástrofe. Devemos encontrar uma forma de posicionar os trabalhadores para liderar a revolução verde e, assim, garantir a possibilidade. de nos redirecionarmos para os empregos ecológicos do futuro.

A revolução verde de Gatwick não conseguiu arrancar na primeira tentativa. No entanto, ele foi capaz de gerar uma atmosfera de possibilidade. Durante a fase de “emergência” da pandemia, quando a intervenção governamental estava na ordem do dia, o Gatwick GND estabeleceu ligações com outras iniciativas lideradas pelos trabalhistas para substituir a aviação de curta distância por alternativas de transporte terrestre. Este sindicato abriu o horizonte para uma transição radical impulsionada pelos trabalhadores e lembrou-nos o que está em perigo.

O ambientalismo da luta de classes

As lutas de classes travadas ao longo deste século decidirão a habitabilidade da Terra durante os próximos milênios. Podemos inspirar-nos nas exigências que unem os ativistas e os sindicatos climáticos. Também podemos nos inspirar nas greves escolares contra as alterações climáticas, que introduziram o conceito de greve nas novas gerações.

Contudo, devemos também ter em mente que os exemplos mais proeminentes de militância vermelho-verde ocorreram há meio século. E não é uma coincidência. Os anos 60 e início dos anos 70 testemunharam uma situação revolucionária global, na qual surgiram a militância dos trabalhadores e os movimentos sociais que desafiaram a opressão, a injustiça e a guerra. Este foi o terreno fértil onde pôde germinar a aliança entre o ambientalismo e o radicalismo operário, união que se refletiu no plano Lucas e no ativismo ecossocialista de Mazzocchi, bem como em outras iniciativas pioneiras como as proibições ecológicas, onde se lutou pelos objetivos ambientais através batida.

Pode-se esperar que a crise climática e a transição justa venham à tona de várias maneiras em qualquer nova onda de luta de classes que ocorra. Entre estas formas, haverá retrocessos reacionários, mas também movimentos progressistas, à medida que grupos de trabalhadores deixarão de ver a política climática como o recreio de elites distantes e se tornarão um campo em que a sua intervenção coletiva pode ser decisiva.

IHU-UNISINOS

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Tendências do mundo laboral: diálogo Norte-Sul

Quando a esquerda não ousa governar. Artigo de Antonio Martins

“No Brasil, em nome dos “mercados”, Haddad anuncia cortes que apequenam Lula-3. Na França, a Frente Popular pode desperdiçar a vitória que as urnas lhe deram, por desconfiar de si mesma. O que há em comum entre estes dramas?”, escreve Antonio Martins, jornalista e editor de Outras Palavras, em artigo publicado por Outras Palavras, 19-07-2024.

Eis o artigo.

Por que não se contingenciam os juros?, poderia ter perguntado ao ministro Fernando Haddad um dos jornalistas presentes ao anúncio, nesta quinta-feira (18-07), do corte de R$ 15 bilhões no Orçamento de 2024. Aplicados sobre um gasto público já comprimido, o bloqueio de R$ 11,2 bi e o contingenciamento de R$ 3,8 bi significam que o SUS continuará muito distante de seu projeto original; que o governo manterá o flerte com com o “novo ensino médio” e a educação segregada; que nas cidades o próprio Minha Casa, Minha Vida patinará; que quase nada se fará em relação à reforma agrária (como constatou há semanas João Pedro Stédile); que, enfim, Lula 3 permanecerá, por enquanto, apequenado.

Os 15 bilhões de reais correspondem, no entanto, a apenas 2,02% dos R$ 740 bi que o Estado brasileiro pagará, em 2024, aos rentistas. Para “equilibrar o orçamento”, bastaria desligar, em uma das 52 semanas no ano, a emissão frenética de dinheiro que favorece essencialmente o 0,1% mais rico e ajudou os bilionários brasileiros a engordar sua riqueza em 30,3% apenas nos doze meses de 2023.

Mas há um efeito politicamente ainda mais perverso, apontou a socióloga Marilane Teixeira, entrevistada por Outras Palavras. O “ajuste fiscal” impede Lula 3 de se libertar das forças que o cercam. O presidente assumiu em condições muito mais ásperas que em seus mandatos anteriores. A “turma da bufunfa” exige, a mídia grita, o Legislativo abocanha. A ultradireita espreita.

A brecha para inverter esta correlação de forças hostil é a mobilização popular. Há semanas, quando as mulheres foram às ruas contra o PL do Estupro, a coalizão do atraso tremeu e recuou. Mas como despertar as maiorias se o governo assumiu a agenda de quem o sitia? O arcabouço de Haddad e o déficit zero, lembrou Marilane, não tornam as periferias mais seguras ou aprazíveis, não oferecem empregos com salários dignos e direitos, não livram as mães do imenso déficit de creches, não freiam o declínio da classe média, não reconstituem a indústria brasileira. Apenas produzem a “estabilidade” necessária para que… os agentes do “mercado” não percam o sono (e muito menos os ganhos) em nenhuma das semanas do ano.

Lula debate-se com frequência contra o poder dos mercados e reconheceu mais de uma vez que seu governo está “muito aquém do prometido”. Mas sustenta Haddad porque não tem – ele próprio – outro horizonte político. There is no alternative, sentenciou Margareth Thatcher em 1980. Mais de quatro décadas depois, a frase continua a pesar, no Ocidente, como uma sentença de morte contra a ideia de superar as leis de ferro do neoliberalismo.

* * *

É raro. Mas às vezes, quando os líderes falham, os liderados tentam ocupar seu lugar. Uma multidão de milhares, formada principalmente por jovens, voltou a se reunir, neste mesmo 18-07, na Praça da República, em Paris. Agora, ao invés de protestar contra a ultradireita, dirigiam-se à Nova Frente Popular – NFP. A mensagem era clara, mostra uma reportagem do jornal Médiapart: Não vacilem. Formem logo um governo. Executem o programa que os elegeu.

Há quem pense que o problema de Lula 3 é ter sido eleito por uma frente amplíssima. O caso da França mostra que a realidade é mais complexa. Formada por quatro partidos – de esquerda (Insubmissos e Comunistas) e centro-esquerda (Socialistas e Ecologistas), a NFP tornou-se, surpreendentemente, a maior vitoriosa das eleições parlamentares encerradas em 07-07. Os eleitores premiaram seu programa e, no segundo turno, sua determinação em derrotar os (neo)fascistas liderados por Marine Le Pen. Os movimentos sociais organizados jogaram um papel decisivo e continuam dispostos a agir.

NFP tinha condições para indicar rapidamente uma candidatura a primeiro-ministro e, apoiada pelas ruas, exigir do presidente Emmanuel Macron sua nomeação. Mas hesitou. Tornou-se uma casa em que não falta pão – mas todos brigam e ninguém tem razão. Os Insubmissos propuseram quatro candidatos a primeiro-ministro. Os Socialistas os rejeitaram. Em seguida, Socialistas, Comunistas e Ecologistas contrapropuseram, juntos, a ambientalista moderada Laurance Tibana. Foi a vez de os Insubmissos negarem-se a apoiá-la. Macron, um perdedor ardiloso, ganha tempo. Atrasa a nomeação, aguardando que a NFP, em suas disputas internas, termine por inviabilizar a si própria. Talvez espere que os Jogos Olímpicos esfriem o entusiasmo popular. Esta estratégia alcançou uma primeira vitória. Contando com a indefinição e perda de impulso da NFP, Macron somou as forças de dois partidos derrotados e elegeu sua candidata, a deputada Yaël Braun-Pivet presidente da Assembleia Nacional. Tentará repetir o mesmo na escolha do primeiro ministro.

Assim como Lula, a NFP parece ter perdido o horizonte político. Após as eleições, tinha força para exigir a aplicação de seu programa – em especial, a volta da aposentadoria aos 60 anos e o aumento do salário mínimo. Preferiu entregar-se à disputa interna pelo nome do chefe de governo. Os manifestantes presentes à Praça da República estão frustrados, mostra o Médiapart. Alguns deles, antes descrentes da democracia, votaram pela primeira vez nestas eleições, para se somar à luta contra a extrema direita. Seus representantes não parecem capazes de fazer jus a este voto.

* * *
Trabalhadores de todos os países, uni-vos. Nos séculos XIX e XX, as lutas relacionadas ao trabalho foram vistas como a chave para vencer o capitalismo. Décadas depois de Karl Marx e Friedrich Engels inscreverem a célebre frase no final do Manifesto do Partido Comunista, o movimento operário dividiu-se em duas correntes, que até hoje são vistas como a “reformista” e a “revolucionária”. Tinham estratégias divergentes para superar o capitalismo. Mas nenhuma delas foi capaz de construir um projeto para o século XXI – em que a produção imaterial migrou para o centro do sistema e o rentismo captura a riqueza social sem nada produzir, servindo-se de mecanismos como os juros pagos pelo Estado.

Enquanto Marx e Engels viveram, os Estados precisavam oferecer reservas em metal para o papel-moeda que emitiam. Na Primeira Guerra Mundial, os governos beligerantes subverteram esta ordem, ao emitirem sem lastro para financiar seus exércitos. O mesmo foi feito mais tarde pelas políticas keynesianas, para financiar o Estado de bem-estar social. Mas ninguém criou tanto dinheiro quanto os Estados neoliberais. Primeiro, para salvar os bancos, na crise pós-2008. Depois, para manter as economias artificialmente aquecidas, por meio do quantitative easing. Significava emitir moeda para os mais ricos, esperando que esta, ao escorrer (trickle down) para o conjunto das sociedades, evitasse as recessões. O efeito foi alcançado, a custo da maior desigualdade da História.

Foi em 2015 que Jeremy Corbyn, então líder do Partido Trabalhista britânico, propôs o quantitative easing for the people. Se o Estado pode criar dinheiro para resgatar os rentistas, provocou ele, por que não fazê-lo em favor dos hospitais e escolas públicas? A proposta de Corbyn deu sentido e força política à Teoria Monetária Moderna, formulada um século antes.

Ela seria de extrema valia tanto para o lulismo quanto para Nova Frente Popular. Sugere, do ponto de vista teórico, desmercantilizar a vida – ou seja, caminhar no sentido oposto ao do capital contemporâneo. Mas pode ter também enorme apelo popular. Abre caminho para propor, por exemplo, a Educação integral, a urbanização das periferias, a universalização do saneamento com despoluição dos rios urbanos, a construção de redes de metrôs nas metrópoles — e a geração de milhões de postos de trabalho digno, para realizar estas tarefas.

O atrevimento custou caro a Corbyn. Uma campanha articulada pelos neoliberais e pela mídia inglesa defenestrou-o da liderança do Labour. Acusaram-no de antissemitismo (um clássico). Voltou ao Parlamento do Reino Unido nas eleições deste mês, apesar da sabotagem do partido.

Tanto Lula quanto a Nova Frente Popular francesa poderiam inspirar-se em suas ideias e sua coragem.

IHU-UNISINOS

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Tendências do mundo laboral: diálogo Norte-Sul

CIPA – Dispensa imotivada recusa de retorno ao trabalho: Indenização

Orlando José de Almeida

Pedreiro demitido após recusar reintegração por pertencer à CIPA receberá indenização de estabilidade. Decisão do TST baseia-se na CLT e na função da CIPA na prevenção de acidentes.

Em 13/6/24 foi publicada notícia no site do TST, referente ao julgamento proferido nos autos do processo RR-20649-20.2019.5.04.0701, cujo acórdão foi publicado no dia 11/3/24.

A matéria foi intitulada “Pedreiro que recusou reintegração vai receber indenização por período de estabilidade como cipeiro”.

Os fatos que originaram o julgamento, em síntese, foram assim descritos: “O pedreiro contou na reclamação trabalhista que, em abril/19, foi despedido no canteiro de obras da MRU em Santa Maria/RS, na frente dos demais funcionários. Quando a empresa verificou que ele integrava a Cipa e tinha estabilidade provisória, tentou persuadi-lo a retornar, alegando equívoco. No entanto, após a situação de constrangimento e desrespeito, ele considerou que não havia mais condições de voltar à empresa, pois o ambiente de trabalho não era salutar. Por isso, requereu a conversão do direito à reintegração em indenização substitutiva correspondente ao período de estabilidade”.

O art. 163, da CLT, estabelece que “será obrigatória a constituição de CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio, em conformidade com instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho e Previdência, nos estabelecimentos ou nos locais de obra nelas especificadas.”

Assim, o objetivo primordial da CIPA é “a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar compatível permanentemente o trabalho com a preservação da vida e a promoção da saúde do trabalhador.”

A CIPA é obrigatória para empresas que tenham mais de 20 empregados. Esse número pode modificar de acordo com o grau de risco, conforme Portaria/MTP 422/21, que deu nova redação à Norma Regulamentadora 5, da Portaria/MTB 3214/78.

A sua composição conta com representantes da empresa e dos empregados. Estes últimos gozam de garantia de emprego, consoante art. 165, da CLT, sendo que “não poderão sofrer despedida arbitrária, entendendo-se como tal a que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro”. E, no parágrafo único, do aludido dispositivo, resta indicado que “ocorrendo a despedida, caberá ao empregador, em caso de reclamação à Justiça do Trabalho, comprovar a existência de qualquer dos motivos mencionados neste artigo, sob pena de ser condenado a reintegrar o empregado.”

O art. 10, inciso II, da alínea “a”, do “ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS”, consagra que a vedação da dispensa ocorre desde o registro da candidatura até um ano após o final do mandato.

Aliás, na forma fixada na súmula 339, do TST, a garantia é extensiva aos suplentes, a partir da promulgação da CF/88, sendo especificado, ainda, que “a estabilidade provisória do cipeiro não constitui vantagem pessoal, mas garantia para as atividades dos membros da CIPA, que somente tem razão de ser quando em atividade a empresa.”

Esclarecidas a finalidade da CIPA e o campo de abrangência da garantia de emprego, uma questão bastante tormentosa na jurisprudência está relacionada ao fato de que, se por acaso o empregado não aceitar a reintegração ou postular apenas indenização, tais fatos caracterizam renúncia à indenização.

No acórdão que deu origem à matéria consta que “prevalece nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual a recusa em retornar ao trabalho não caracteriza, por si só, renúncia ao direito à estabilidade.”

E para justificar esse posicionamento foram citados os seguintes julgados, com ênfase para o primeiro deles, que é oriundo da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais:

RECURSO DE EMBARGOS – INTERPOSIÇÃO SOB A REGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 – ESTABILIDADE PROVISÓRIA – CIPA – PEDIDO DE INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA – AUSÊNCIA DE PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO 1. Esta Corte firmou o entendimento de que a ausência do pedido de reintegração ao emprego não obsta o deferimento da indenização substitutiva ao membro de CIPA demitido sem justa causa, tampouco implica renúncia tácita à estabilidade provisória. Precedentes da SDI e de todas as turmas do TST. 2. Estando o acórdão embargado em sintonia com esse entendimento, inviável o conhecimento dos Embargos (art. 894, II, e § 2º, da CLT). Embargos não conhecidos” (E-RR-732-53.2012.5.01.0051, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, relatora ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 6/12/19).

AGRAVO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/17. ESTABILIDADE DO MEMBRO DA CIPA. RECUSA EM RETORNAR AO TRABALHO. EFEITOS. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. 1. A agravante não logra êxito em desconstituir os fundamentos da decisão agravada. 2. Prevalece nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual a recusa em retornar ao trabalho não caracteriza, por si só, renúncia ao direito à estabilidade. 3. Na hipótese, o Tribunal Regional firmou entendimento no sentido de que, “no caso de pedido de reintegração, é possível a conversão em indenização substitutiva, em razão da animosidade existente entre as partes, não é razoável exigir da obreira o retorno ao trabalho sob pena de renúncia à garantia de emprego”, condenando a ré ao pagamento das verbas referentes ao período estabilitário. 4. Logo, a autora, de fato, faz jus ao reconhecimento do direito à indenização decorrente da estabilidade provisória de emprego. Precedentes. Agravo a que se nega provimento” (Ag-RR-100986-48.2019.5.01.0064, 1ª turma, relator ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 25/9/23).

RECURSO DE REVISTA. CIPEIRO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. DISPENSA IMOTIVADA.OFERTA DE RETORNO AO EMPREGO. RECUSA DO EMPREGADO. RENÚNCIA TÁCITA. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. O Tribunal Regional excluiu da condenação o pagamento da indenização substitutiva do período de estabilidade provisória decorrente da participação do reclamante na CIPA, ao fundamento de que a recusa do reclamante à oferta de retorno ao trabalho caracterizou renúncia tácita à estabilidade provisória. 2. Esta Corte Superior entende que o direito à estabilidade provisória do CIPEIRO é irrenunciável, sendo que o reclamante dispensado sem justa causa pode pleitear apenas a indenização substitutiva e, portanto, a recusa de retorno ao emprego não configura renúncia tácita ao direito. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-914-11.2010.5.15.0151, 1ª turma, relator ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 20/5/16).

ESTABILIDADE PROVISÓRIA. MEMBRO DA CIPA. RECUSA DE RETORNO AO TRABALHO. JUSTIFICATIVA RAZOÁVEL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. A garantia de emprego prevista nos arts. 165 da CLT e 10, II, a, do ADCT da CF/88 é vantagem que visa à proteção da atividade do membro da CIPA, com a finalidade de coibir a dispensa arbitrária (Súmula 339 do TST). A jurisprudência desta Corte Superior tem entendimento de que a ausência de pedido de reintegração ao emprego e/ou a própria recusa pelo empregado da oportunidade de retorno ao trabalho não caracterizam renúncia ao direito à estabilidade. Precedentes. No caso, consta do acórdão que a recusa ao retorno se deu em razão de o trabalhador já estar empregado em outro estabelecimento. O acórdão recorrido, ao negar o direito do empregado ao recebimento de indenização pela estabilidade na condição de membro eleito da CIPA, em razão da recusa em retornar ao trabalho, adotou entendimento contrário à jurisprudência desta Corte e violou o disposto no art. 10, II, “a”, do ADCT . Recurso de revista conhecido e provido” (RRAg-529-92.2015.5.06.0004, 2ª turma, relatora ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 11/6/21).

RECURSO DE REVISTA. LEIS 13.015/14 E 13.467/17. ESTABILIDADE DO MEMBRO DA CIPA. EFEITOS. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. 1. A controvérsia dos autos gira em torno da recusa em retornar ao trabalho, a caracterizar renúncia do reclamante ao direito à estabilidade. 2. Esta Corte possui entendimento no sentido de que a ausência de pedido de reintegração ao emprego ou até mesmo a recusa do empregado em retornar ao trabalho não caracterizam, por si só, renúncia ao direito à estabilidade. Precedentes. 3. Na hipótese, o Tribunal Regional concluiu que a recusa do cipeiro em retornar ao emprego em razão da obtenção de novo emprego não configura renúncia tácita ao direito à estabilidade provisória. Incidência da súmula 333 do TST e do art. 896, § 7º, da CLT. Recurso de revista de que não se conhece” (RR-10546- 13.2020.5.15.0086, 3ª turma, relator ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 25/11/22).

RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. 1. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. MEMBRO DA CIPA. DISPENSA IMOTIVADA. RECUSA EM RETORNAR AO EMPREGO. DIREITO À INDENIZAÇÃO ESTABILITÁRIA. PROVIMENTO.

Conforme se extrai do acórdão regional, a reclamante foi dispensada sem justa causa no período da estabilidade provisória, mas no dia seguinte a reclamada reverteu a dispensa imotivada. A reclamante, contudo, valendo-se da faculdade prevista no artigo 489 da CLT, recusou-se a retornar ao trabalho. O Tribunal Regional considerou tal fato como renúncia tácita ao direito à estabilidade. Registrou, ainda, que a conduta da autora fez presumir que ela tinha a intenção de auferir os haveres salariais devidos no período estabilitário sem, contudo, trabalhar, o que se equipararia à inexistência de pedido de reintegração. Por essa razão, indeferiu a indenização substitutiva. Essa decisão destoa da jurisprudência desta Corte Superior, que, em casos análogos, adota o entendimento de que a ausência de pedido de reintegração ao emprego e/ou a própria recusa pelo empregado da oportunidade de retorno ao trabalho não caracterizam renúncia ao direito à estabilidade e tampouco ocasionam a perda desse direito ou da indenização estabilitária. Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (ARR-10698- 21.2015.5.15.0059, 4ª turma, relator ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 22/3/19).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. NULIDADE DO ACÓRDÃO DO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. MEMBRO DA CIPA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. RENÚNCIA NÃO CONFIGURADA. PEDIDO APENAS DE INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA E RECUSA DE RETORNO AO EMPREGO. NÃO PROVIMENTO. Nega-se provimento ao agravo de instrumento por meio do qual as recorrentes não conseguem desconstituir os fundamentos da decisão agravada” (AIRR-1374-50.2012.5.03.0025, 6ª turma, relatora ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 15/8/14).

O que pode ser evidenciado é que a dispensa imotivada do empregado cipeiro, fora das exceções apontados, pode ensejar, em consonância com a jurisprudência amplamente dominante no TST, a reintegração ou a indenização do período decorrente, inclusive se não pleitear na ação a sua reintegração.

Orlando José de Almeida
Sócio do escritório Homero Costa Advogados.

Homero Costa Advogados

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Tendências do mundo laboral: diálogo Norte-Sul

Doméstica com apenas 10 minutos para refeição receberá horas extras

TRT da 3ª região

Colegiado considerou que deve ser mantido o princípio do ônus da prova decorrente da falta dos cartões de ponto da doméstica, na forma determinada pela legislação trabalhista e processual.

Da Redação

A 5ª turma do TRT da 3ª região, por unanimidade, reconheceu o direito de uma trabalhadora doméstica o direito de receber dos ex-patrões 50 minutos como tempo extraordinário por dia de trabalho, por ter usufruído somente 10 minutos do intervalo intrajornada. O colegiado acolheu o voto do relator, juiz convocado Leonardo Passos Ferreira, negando provimento ao recurso dos ex-empregadores.

Foi verificado que a jornada de trabalho da empregada não era registrada nos cartões de ponto, contrariando a LC 150/15, que regulamenta o contrato de trabalho doméstico. Isso gerou a presunção de que a jornada informada pela trabalhadora era verdadeira.

Os ex-empregadores alegaram que não eram obrigados a manter registros de ponto, citando que empresas com menos de 10 funcionários são dispensadas dessa exigência. Contudo, o relator desconsiderou esse argumento, ressaltando que empregadores domésticos são obrigados a registrar os horários de trabalho dos empregados, conforme o art. 12 da referida lei.

A decisão destacou que, na ausência dos cartões de ponto, deve-se aplicar a súmula 338, I, do TST, que presume como verdadeira a jornada alegada pelo trabalhador, salvo prova em contrário. No caso em questão, os ex-empregadores não apresentaram os cartões de ponto nem produziram prova testemunhal que refutasse a alegação da empregada sobre o intervalo para refeição de apenas 10 minutos.

Além disso, o relator destacou que a por envolver uma mistura única de laços profissionais e pessoais, a relação de trabalho doméstico não pode ser interpretada de forma excessivamente favorável ao empregador, considerando a vulnerabilidade histórica desse grupo de trabalhadores.

“Presumir que em toda relação doméstica ocorram concessões decorrentes do estreitamento de laços é uma interpretação excessivamente extensiva que, em última análise, significaria deixar desprotegido o direito do trabalhador doméstico às horas extraordinárias, quando o que se observa historicamente é justamente o contrário, a saber, o patrão se vale do rebaixamento legal dessa categoria de trabalhadores para ‘superexplorar’ a prestação do serviço doméstico.”

O magistrado também enfatizou a LC 150/15 foi criada para corrigir esse cenário de exploração do trabalhador doméstico, devendo ser mantido o princípio do ônus da prova devido à ausência dos cartões de ponto, conforme estabelecido pela legislação trabalhista e processual e pela súmula 338 do TST. Além disso, foi oferecida aos ex-empregadores a oportunidade de produzir prova testemunhal, da qual abriram mão.

Processo: 0010502-85.2023.5.03.0065

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