A Justiça do Trabalho negou o pedido de pagamento de indenização por danos morais da faxineira que trabalhava em um condomínio de Belo Horizonte e sofreu importunação sexual de um morador. Para o relator do caso na 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), desembargador Lucas Vanucci Lins, não houve demonstração de ato ilícito das empresas.
A trabalhadora alegou que, de janeiro a agosto de 2020, foi designada para prestar serviço em um condomínio, onde foi importunada por um morador quando limpava a área comum do edifício. Contou que, quando começou a varrer próximo ao apartamento dele, o morador olhou pela greta da porta, falou com ela que estava saindo do banho e perguntou se ela queria tomar água ou suco. A profissional falou que negou a oferta.
De acordo com a trabalhadora, após dez minutos, a porta do apartamento foi aberta e o morador apareceu enrolado em uma toalha. “Com volume nas partes íntimas, ele perguntou então se eu havia gostado do que vira e respondi que não havia visto nada”, relatou.
Segundo a autora da ação, o morador insistiu. Fez com que ela tocasse no órgão sexual dele por duas vezes e a convidou para entrar no apartamento, o que foi rejeitado pela trabalhadora. “Não satisfeito, ele se vestiu e desceu as escadas do prédio e impediu a minha saída, ficando cercada por cerca de 40 minutos”, relatou.
Após o ocorrido, a profissional falou que procurou o porteiro para pedir ajuda e foi levada à administração do prédio para fazer o contato com a polícia. Disse ainda que, ao ser encaminhada à delegacia com a advogada da empresa, foi induzida a contar uma história diferente, “mas o delegado pediu que falasse a realidade fática vivida, o que foi registrado no boletim de ocorrência”.
Afirmou, no processo trabalhista, que a empregadora não lhe prestou assistência, sendo negligente, omissa e irresponsável diante da conduta ilícita do morador. E alegou, no recurso, que a sentença proferida pelo juízo da 38ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte minimizou tal comportamento.
A trabalhadora pediu a responsabilização do empregador pelos danos morais sofridos, sustentando que o assédio sexual viola a dignidade do ser humano e os direitos fundamentais, como a liberdade, a intimidade, a vida privada, a honra, a igualdade de tratamento, o valor social do trabalho e o direito ao meio ambiente de trabalho sadio e seguro.
Conduta criminosa
Embora os fatos relativos à importunação sexual não tenham sido confirmados pelas testemunhas ouvidas, o relator reconheceu que não se pode ser condescendente com a violência sexual contra a mulher narrada naquele documento. “Cabe neste caso a apuração da conduta criminosa descrita pela autoridade competente”, ressaltou o julgador, lembrando a dificuldade de provar as acusações em relação a esse tema.
“Isso porque os assediadores não realizam as ações na vista de outras pessoas, escolhendo os momentos mais propensos para não serem flagrados.”
No entanto, o julgador entendeu que não cabe a responsabilidade do empregador e tomadores de serviços, que não respondem por atos de terceiros. Segundo o magistrado, a responsabilidade do empregador pela reparação de danos exige a demonstração do dolo ou culpa e o nexo de causalidade do ato ilícito com o dano, salvo nos casos de responsabilidade objetiva.
“Assim, não cabe a responsabilização na presença de excludentes do nexo causal: culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior. Ou seja, apesar do relato contido no boletim de ocorrência, independentemente de discussão acerca dos fatos, há excludente do nexo de causalidade em relação ao empregador, por se tratar de fato de terceiro, não havendo responsabilidade do empregador pelo ato ilícito praticado.”
O magistrado reforçou que, tão logo houve o conhecimento do fato, as medidas necessárias foram tomadas pelas empresas. “O porteiro do prédio chamou a polícia imediatamente para o atendimento da ocorrência descrita no BO, não havendo demonstração de qualquer ato ilícito imputável ao empregador”, completou. Com informações da assessoria de comunicação do TRT-3.
O jus variandi, conhecido como direito de variação, também referido como poder diretivo, poder regulamentar, poder fiscalizatório e poder disciplinar, são termos sinônimos utilizados para denotar o poder de gestão e direção no ambiente de trabalho, ou seja, representa o poder conferido ao empregador para realizar alterações nas condições de trabalho de seus empregados, desde que não configurem modificação lesiva ou abusiva, sendo reconhecido como um reflexo da necessidade de adaptação empresarial às mudanças de mercado e organizacionais.
Conforme o brilhante doutrinador e ministro do Tribunal Superior do Trabalho Maurício Godinho Delgado[1]:
Jus variandi é o direito de o empregador alterar, unilateralmente, as condições sob as quais é prestado o serviço, desde que não sejam atingidos os elementos básicos do ajuste com o empregado. Essa potestade do empregador tem como fundamento o poder de direção, sem o qual não seria possível administrar uma empresa. O jus variandi, embora aceito pela doutrina e pela jurisprudência, há de ser exercido com cautela, de modo que o empregado não sofra prejuízos, notadamente de natureza salarial. A diretriz do jus variandi informa o conjunto de prerrogativas empresariais de, ordinariamente, ajustar, adequar e até mesmo alterar as circunstâncias e critérios de prestação laborativa pelo obreiro, desde que sem afronta à ordem normativa ou contratual, ou, extraordinariamente, em face de permissão normativa, modificar cláusula do próprio contrato de trabalho.
Assim, pode-se dizer que o jus variandi é o poder dado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ao empregador que necessite realizar quaisquer modulação e mudanças na organização empresarial, com o fito de melhorar o funcionamento dos serviços aos consumidores.
Os limites legais dessas modulações contratuais estão estabelecidos principalmente no artigo 468, do capítulo IV, da CLT — esse capítulo trata do Contrato Individual do Trabalho e determina que as alterações contratuais devem ser mútuas e não podem resultar em prejuízo direto ou indireto ao empregado. Além disso, a jurisprudência consolidada reforça a necessidade de que as alterações sejam razoáveis, não configurem desvio do objeto do contrato original e não infrinjam direitos constitucionais e legais do trabalhador.
O contrato de trabalho representa uma relação fundamental entre duas partes, o empregado e o empregador, assegurando que nenhum deles seja explorado pelo outro. Isso inclui garantir que o contrato não seja alterado sem o consentimento do trabalhador e que ele não seja prejudicado por mudanças que resultem em desvantagens, como uma redução salarial, por exemplo, que possui expressa vedação na Constituição, em seu artigo 7º, inciso VI, onde dispõe que é proibida a redução salarial, a menos que haja acordo ou convenção coletiva.
Além disso, é necessário observar que tais relações estão regidas por princípios, tais quais, o princípio da inalterabilidade contratual e o princípio do direito de resistência obreiro.
O primeiro princípio, proveniente do Código Civil, estabelece que os acordos firmados pelas partes são irrevogáveis durante sua vigência, exigindo o estrito cumprimento pelas partes contratantes. Godinho menciona que:
É bem verdade que esse princípio jurídico geral já sofreu claras atenuações no próprio âmbito do Direito Civil, através da fórmula rebus sic stantibus. Por essa fórmula atenuadora, a inalterabilidade contratual não seria absoluta, podendo ser suplantada por uma compatível retificação das cláusulas do contrato ao longo de seu curso. Essa possibilidade surgiria caso evidenciado que as condições objetivas emergentes durante o prazo contratual – condições criadas sem concurso das partes – provocaram grave desequilíbrio contratual, inexistente e impensável no instante de formulação do contrato e fixação dos respectivos direitos e obrigações. Tais circunstâncias novas e involuntárias propiciariam à parte prejudicada, desse modo, a lícita pretensão de modificação do contrato.
O segundo princípio dispõe que o empregado possui a prerrogativa de se opor validamente a determinações ilícitas provenientes do empregador no contexto da relação de trabalho. Este princípio é específico do direito do trabalho, derivando diretamente do uso irregular do poder diretivo por parte do empregador, onde Godinho expõe que:
De todo modo, ainda assim o princípio desponta como um segundo fator – ao lado do critério de inalterabilidade contratual – a privilegiar a perspectiva protetiva dos interesses obreiros na dinâmica das alterações contratuais objetivas no Direito do Trabalho.
Evitando a exploração de funcionários
Frisa-se que a Consolidação das Leis do Trabalho, de modo geral, representa a solução encontrada pelo Estado para intervir nas relações trabalhistas e evitar a exploração dos funcionários dentro do ambiente de trabalho, conferindo-lhe uma orientação “pró-empregado” ao proteger o polo mais vulnerável.
No entanto, o empregador também possui mecanismos para se proteger e proteger seu negócio, conforme previsto no jus variandi, um poder concedido para alterar o contrato visando melhorar a atividade empresarial, sem, contudo, prejudicar o trabalhador.
Alguns exemplos desse poder do empregador são mudanças de horário, local de trabalho e atribuições. As decisões judiciais têm sido fundamentais na definição de limites precisos para o exercício desse poder, assegurando que qualquer alteração contratual seja fundamentada em necessidades reais do negócio e respeite os direitos fundamentais do trabalhador.
Vejamos jurisprudências do TRT-2 favoráveis ao empregador — reclamado —, que estabelece como prerrogativas do empregador as alterações contratuais:
Alteração da jornada de trabalho. Manifestação do jus variandi do empregador. A modificação da jornada de trabalho do reclamante, ou seja, de oito para seis horas diárias, e de turno fixo para o de revezamento, não configura alteração contratual ilícita. Trata-se, na verdade, da manifestação do jus variandi, inerente à figura do empregador. A organização da empresa, inclusive a fixação dos horários de trabalho a serem seguidos pelo empregado são prerrogativas do empregador, decorrendo diretamente do poder de direção e comando, de acordo com a necessidade patronal. Outrossim, as alterações no divisor e nos dias e números de folgas decorrentes das nova escala de trabalho são válidas e não caracterizam alteração prejudicial no contrato de trabalho. (TRT-2 10013829620165020445 SP, Relator: WILMA GOMES DA SILVA HERNANDES, 11ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação: 23/05/2017)
ACÚMULO/DESVIO DE FUNÇÕES. JUS VARIANDI. Considera-se que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal (ar t. 456, parágrafo único da CLT). Eventuais atividades exercidas pelo reclamante, em outras áreas, durante sua jornada de trabalho encontram-se abrangidas pelo jus variandi do contrato de trabalho. (TRT-2 10007910920205020603 SP, Relator: SONIA MARIA DE OLIVEIRA PRINCE RODRIGUES FRANZINI, 12ª Turma – Cadeira 3, Data de Publicação: 30/11/2021)
Agora, observe-se entendimentos do TRT-1 favoráveis ao empregado — reclamante:
RESCISÃO INDIRETA. MUDANÇA DO HORÁRIO DE TRABALHO DO EMPREGADO. ALTERAÇÃO CONTRATUAL LESIVA. Em que pese a mudança de jornada de trabalho seja um direito assegurado ao empregador, dentro do seu jus variandi, ante a existência de condições limitantes previamente comunicadas pelo empregado, e aceitas pelo empregador, a alteração contratual nesse sentido torna-se lesiva, e vedada pela legislação trabalhista, nos termos do art. 468, da CLT. (TRT-1 – RO: 01001605320205010301 RJ, Relator: GISELLE BONDIM LOPES RIBEIRO, Data de Julgamento: 30/06/2021, Sétima Turma, Data de Publicação: 15/07/2021)
RECURSO ORDINÁRIO. RESCISÃO INDIRETA. ALTERAÇÃO DO HORÁRIO DE TRABALHO. A mudança unilateral do horário de trabalho, quando causa prejuízos ao trabalhador, tem potencial ofensivo para respaldar a rescisão contratual indireta. (TRT-1 – RO: 00114505320155010068 RJ, Relator: JOSÉ LUIS CAMPOS XAVIER, Data de Julgamento: 01/08/2018, Sétima Turma, Data de Publicação: 22/08/2018)
Assim, os casos em que o empregador necessite utilizar seu jus variandi devem ser cuidadosamente ponderados para evitar qualquer prejuízo ao empregado. Observa-se que há divergência jurisprudencial em diversos tribunais regionais, sendo que a matéria frequentemente alcança o Tribunal Superior.
Conclusão
Em síntese, o jus variandi é um instrumento jurídico importante para a flexibilização das relações de trabalho, porém, seu exercício deve observar rigorosos limites legais e constitucionais. A proteção dos direitos dos trabalhadores é fundamental para a manutenção da justiça social e da harmonia nas relações laborais, cabendo ao Poder Judiciário, doutrina e legislação continuarem a delinear esses limites, garantindo um equilíbrio justo entre as necessidades empresariais e os direitos trabalhistas.
Referências
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho: aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal: Centro Gráfico, 1988
DELGADO. Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16ª edição. São Paulo. LTr, 2017.
A juíza Rosa Fatorelli Tinti Neta, da 25ª Vara do Trabalho de São Paulo, deferiu a tutela de urgência pedida por um agente de apoio socioeducativo que pleiteou a manutenção do horário noturno de expediente para cuidar da filha autista.
De acordo com os autos, a empresa empregadora aplicou nova política de escalas alternadas, nos dois períodos, o que prejudica os cuidados necessários à filha do homem, que tem três anos e foi diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA).
Segundo o trabalhador, até julho de 2021 ele atuava de forma fixa à noite, e, a partir daquela data, passou a fazer as atividades em revezamento de turno, sendo quatro meses à noite e quatro meses durante o dia.
A decisão se fundamentou em documentos médicos que registram o diagnóstico da criança e no enquadramento como pessoa com deficiência, conforme o artigo 1º da Lei 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA. A julgadora considerou ainda a necessidade da menina de tratamento contínuo e multidisciplinar quatro vezes na semana.
Horário mais adequado
Para a juíza, o trabalho no turno da noite é o “que melhor se adequa à específica organização familiar para os cuidados necessários à referida criança”. Ela ressaltou que a manutenção do profissional nessa escala não evidencia prejuízos à reclamada e se encontra amparada por analogia no artigo 98 da Lei 8112/90 e nos princípios constitucionais do valor social do trabalho e função social da empresa.
Por fim, a julgadora pontuou que “a alteração do plantão noturno para turno de revezamento (diurno e noturno) se amolda, ao menos em cognição sumária, à vedação constante no artigo 468 da CLT, porquanto unilateral e em prejuízo ao trabalhador”.
Assim, até a análise do mérito em caráter definitivo, a instituição deve manter o profissional trabalhando apenas no plantão noturno, sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 500, a ser revertida em favor da parte autora. Com informações do TRT-2.
A concessão de gratificação especial sem critério objetivo, para apenas alguns empregados que tiveram seus contratos rescindidos sem justa causa, com o argumento de mera liberalidade, ofende o princípio constitucional da isonomia.
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou um banco a pagar o benefício a um ex-gerente que foi demitido sem justa causa da empresa em 2012, e não recebeu a gratificação.
O bancário disse na reclamação trabalhista que exercia o cargo de gerente-geral de agência e já contava com 13 anos e cinco meses na empresa na ocasião em que foi demitido. Segundo ele, o banco concede a seus empregados com mais de dez anos de serviço uma gratificação especial no ato da demissão, mas ele não a recebeu.
Tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (interior de São Paulo) julgaram o pedido improcedente. Segundo o TRT, a gratificação era paga por mera liberalidade e o bancário não conseguiu provar qual norma interna obrigaria o banco a conceder essa verba a todos os empregados com mais de dez anos de serviço.
Princípio violado
O relator do recurso de revista do trabalhador, ministro Augusto César, verificou, no entanto, que, em casos análogos, o TST já decidiu que o pagamento da gratificação especial apenas a alguns empregados, na assinatura do termo de rescisão, por mera liberalidade e sem critérios objetivos, viola o princípio constitucional da isonomia.
Segundo esse princípio, todos devem ser tratados de forma igual perante a lei, sem discriminações ou privilégios. Dessa maneira, a falta de fixação prévia de parâmetros objetivos que justifiquem o tratamento desigual resultou na condenação do banco ao pagamento da gratificação especial para o ex-empregado.
A decisão foi unânime. O banco interpôs recurso de embargos à SDI-1, ainda não julgado. Com informações da assessoria de imprensa do TST.
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Processo ED-RR-1042-02.2013.5.15.0062
A demissão por justa causa revela cautela e cuidado da empresa quando objetiva conter danos morais e sociais dentro do ambiente de trabalho. Essa foi a conclusão da 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) ao negar provimento ao recurso ordinário trabalhista interposto pelo gerente de um supermercado de Salvador. Ele foi demitido por beijar uma subordinada na boca, sem consentimento, durante o expediente.
Beijo sem consentimento foi considerado assédio e resultou em justa causa
“Os atos praticados pelo obreiro revelam flagrante assédio sexual, de relevante gravidade, que devem ser coibidos com proporcional resposta, ou seja, o término do liame por justo motivo”, anotou a desembargadora Tânia Magnani de Abreu Braga, relatora do recurso. Ela adotou em seu voto o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça.
Editado em 2021, o protocolo objetiva o direito à igualdade e à não discriminação de todas as pessoas, de modo que o exercício da função jurisdicional concretize o papel de não repetição de estereótipos, de não perpetuação de diferenças. Desse modo, o documento do CNJ propõe a ruptura com culturas de discriminação e de preconceitos, chamadas por Tânia de “questões estruturais arraigadas na sociedade”.
Razões recursais
Inconformado com a demissão por justa causa, o gerente ajuizou reclamação trabalhista. A juíza Lígia Mello Araújo Olivieri, da 14ª Vara do Trabalho de Salvador, observou na sentença que a filmagem de câmeras do supermercado juntada aos autos não mostra por parte da subordinada “qualquer gesto ou ato de rechaço ou, mesmo a tentativa de repelir a aproximação do reclamante na sua esfera íntima”. O vídeo não tem áudio.
Contudo, ao julgar improcedente a demanda e reconhecer a justa causa no desligamento do gerente por “mau comportamento”, Lígia Olivieri destacou que ele próprio confessou em juízo o assédio sexual à colega, atribuindo a sua conduta a “uma coisa de momento”. Segundo o depoimento do réu, logo após o beijo, ele pediu desculpas à subordinada e admitiu que “estava no erro”.
O homem alegou no recurso a desproporcionalidade da demissão por justa causa, após 11 anos e seis meses de vínculo, porque “jamais existiu qualquer falta grave”. Ele minimizou o vídeo juntado pelo supermercado, com o argumento de que as imagens das câmeras são insuficientes para comprovar a sua alegada má conduta, não havendo qualquer outro documento comprobatório da suposta infração funcional.
Acórdão
Para a relatora, porém, há “prova robusta” para a demissão por justa causa e ela não deriva apenas da confissão do próprio recorrente ao admitir a conduta configuradora de assédio moral contra a colega. Invocando o protocolo do CNJ, a julgadora afirmou que o fato de a colaboradora supostamente não repelir ato do gerente e perdoá-lo em seguida não pode ser interpretado como consentimento, mas fator a reforçar a sua subordinação ao chefe.
“Eventual menção da vítima de que ‘estava tudo ok’ não se afigura suficiente para invalidar a sanção, justamente em razão da posição hierárquica em que ela se encontrava em relação ao assediador”, concluiu Tânia Braga. Os desembargadores Paulino César Martins Ribeiro do Couto e Luís Carlos Gomes Carneiro Filho acompanharam o voto da relatora.
O site do TST (Tribunal Superior do Trabalho), no último dia 24 de junho, noticiou que foi submetido à sistemática de recursos repetitivos decisão a respeito da recusa deliberada de uma das partes a negociar, isto é, participar do processo de negociação coletiva e que presumiria violação ao princípio da boa-fé.
A questão não é simples e se apresenta com extrema relevância porquanto se trata da aplicação do artigo 114, parágrafo 2º, da Constituição, cuja discussão em torno de sua constitucionalidade já foi objeto de apreciação pelo STF, que fixou tese no Tema 841 no seguinte sentido:
“Constitucionalidade do art. 114, §2º, da Constituição Federal, alterado pela EC 45/2004, que prevê a necessidade de comum acordo entre as partes como requisito para o ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica”
Veja-se, portanto, que o tema desafiará o TST a contornar o Tema 841 e não poderá excluir o comum acordo do requisito para o ajuizamento de dissídio coletivo. De outro lado, exporá a corte superior trabalhista a enfrentar, entre outras questões, exemplificativamente, o conceito de negociação coletiva como direito fundamental dos trabalhadores; o exercício do direito de greve; arbitragem judicial e qual a natureza jurídica da decisão a ser proferida.
Em relação ao comum acordo das partes, há entendimentos de que a simples presença na audiência designada pelo tribunal implica aceitação tácita de que o Judiciário trabalhista aprecie o conflito, dirimindo a controvérsia. O problema surge quando há manifestação expressa contrária ao comum acordo em que uma das partes busca a intervenção do Judiciário para a solução.
O resultado natural seria, salvo melhor juízo, dada a condição de comum acordo não atendida por uma das partes, a extinção e arquivamento a fim de que as partes prosseguissem as negociações que deveriam ser levadas à exaustão, inclusive com possibilidade de greve pelos trabalhadores a fim de negociar as pretensões.
Aliás, neste aspecto, parece que esta foi a sinalização da redação do §2º, do artigo 114, da CF, isto é, estimular a negociação coletiva de forma autônoma, permitindo a busca voluntária das partes do judiciário trabalhista, como mediador ou árbitro e não órgão julgador.
Diga-se, portanto, que no tema do comum acordo, o caminho a percorrer pelo TST não admitiria flexibilidade quanto à condição fundamental do comum acordo.
Spacca
Em caso de greve
Mutatis mutantis, em caso de greve, também deveria ser limitada a intervenção do judiciário trabalhista, com exceção dos serviços essenciais, quando o empregador se socorre da Justiça do Trabalho contra a vontade dos empregados grevistas, desejosos de solucionar o conflito por meio de negociação. Em geral a decisão do judiciário resolve o processo e não o conflito.
A Lei nº 7.783 de 1989 estimula a autocomposição coletiva do conflito, assim como em outros diplomas legais como a Lei nº 10.101 de 2000, Lei do PLR. Por aqui, no caso de greve, já se questionaria se a tese jurídica da violação da boa-fé objetiva também se aplicaria contra o exercício do direito de greve e da liberdade sindical?
Convém observar, ainda, que a negociação coletiva não encontra regra clara e objetiva entre nós, que assegure o direito dos trabalhadores à negociação coletiva. O citado inciso XXVI, do artigo 7º da Constituição, está a fazer referência de que, quando o empregado for abrangido por acordo ou convenção coletiva, o empregador deverá reconhecer o direito e aplicar as cláusulas na relação individual de trabalho.
Em geral, as interpretações que pretendem justificar esse direito partem da Convenção 154 da “OIT sobre a promoção da negociação coletiva”, que diz respeito ao conceito de negociação coletiva e seus objetivos de definir condições de trabalho e termos de emprego; regular relações entre empregadores e trabalhadores e regular as relações entre empregadores ou suas organizações e uma organização de trabalhadores ou organizações de trabalhadores.
A competência da Justiça do Trabalho em matéria de direito coletivo, isto é, o exercício do poder normativo, já fora objeto de diversos questionamentos anteriores à Emenda 45 de 2004, acentuando-se ainda, após a emenda citada que, para alguns, excluiu de forma definitiva o exercício do poder normativo da Justiça do Trabalho.
Os fundamentos da crítica eram no sentido de que a intervenção do judiciário desestimulava as negociações e a solução direta entre as partes, tendo gerado sindicatos pouco representativos e que se beneficiavam exclusivamente das benesses do judiciário.
Portanto, a negociação coletiva é conflito de interesses que deve ser enfrentado pelas partes a fim de adequação no âmbito das relações coletivas de trabalho. A negociação coletiva representa, pelo conteúdo que encerra, um instrumento relevante de paz social, e o pressuposto de que seja fruto de autocomposição transfere para as partes a responsabilidade pelo quanto negociado, validando sua aplicação durante sua vigência.