A CLT, criada em 1942, não previu novas formas de trabalho como terceirização e Uber. Apesar dos ajustes necessários, continua resistente à atualização, aumentando a litigiosidade e mantendo estruturas sindicais antigas.
Elaborada no final de 1942, para ser aprovada em maio/43, a CLT não poderia profetizar formas de contratos, ofícios e profissões que surgiriam décadas depois, como exigências da economia em constantes transformações. Foi o que se deu com a terceirização, o trabalho temporário, a pejotização, o Uber, o trabalho à distância.
Afinal, a vida não se deixa aprisionar nas malhas da legislação. O legislador, porém, para não se distanciar da realidade, deve observar, analisar e acompanhar a evolução incessante das relações sociais, econômicas, do desenvolvimento cultural e científico.
Nas décadas de 1930/1940, estarrecidos diante da barbárie causada pela 2ª Guerra Mundial, os países neutros procuravam se defender com medidas do isolamento. O fenômeno da globalização, provocado pelo desaparecimento dos fatores espaço e tempo (Eric Hobsbawm), daria os primeiros passos a partir da década de 1970. Antigos mercados asiáticos, antes pobres, isolados, e desconhecidos no Ocidente, em uma década passaram por extremas alterações. Expandiram-se e enriqueceram, como ocorreu com a China, Coréia do Sul, Singapura, o que não aconteceu no Brasil subdesenvolvido, preso às amarras da economia atrasada, fechada e superprotegida.
Com mais de 80 anos de vida, a CLT resiste à modernização. Disso resulta o perverso fenômeno da extrema litigiosidade nas relações individuais e coletivas de trabalho. Não bastasse, preserva a estrutura sindical pelega, decalcada do modelo corporativo fascista da Carta Del Lavoro.
Terceirização, pejotização, uberização, trabalho temporário, trabalho à domicílio, são consequências inevitáveis da nova economia, baseada nos princípios de liberdade de escolha, da valorização da livre iniciativa, do incremento da produtividade e da eficiência.
Na definição do art. 2º, da CLT, as empresas compõem espécie desconhecida de massa homogênea. Conforme reza a norma legal, não existem diferenças entre aquelas que exercem atividades lucrativas e as associações culturais, recreativas e os profissionais liberais, tampouco entre micro, pequenas, médias e grandes sociedades. O art. 3º da CLT, por sua vez, define empregado como “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Alheio ao mundo real, o parágrafo único se recusa a distinguir a natureza do emprego e a condição do trabalhador, entre o trabalho intelectual, técnico e manual. A fuga à realidade resultou do desejo de amparar hipotéticos hipossuficientes, independentemente da profissão exercida, do salário pago, das condições sociais, financeiras, culturais dos empregados.
Ambas as definições foram construídas com os olhos fechados aos fatos, com nítidos objetivos paternalistas, em benefício de imaginária figura do trabalhador semi- incapaz. embora plenamente apto para o exercício dos direitos civis ao completar 18 anos, como diz o art. 5º do Código Civil. Poderá se casar, divorciar-se, concorrer a cargo público, ser eleitor, empregador, ter conta bancária, fazer empréstimos, apostar, eleger-se vereador, ser coach, influencer ou apenas vadiar.
Para robustecer a proteção ao suposto hipossuficiente, o art. 9º concede ao juiz a liberdade para interpretar os fatos e concluir que o empregador, ao cumprir o contrato escrito ajustado com o empregado, assim o fez com o objetivo de impedir ou fraudar a aplicação da CLT.
Da livre presunção de fraude se alimenta o combate à terceirização, à pejotização, à uberização, a toda e qualquer forma de serviços não estritamente regulamentados pela Consolidação. Alterações bilaterais são permitidas, desde que, na interpretação do Judiciário, não traga prejuízos diretos ou indiretos (sic) ao empregado
Na moderna economia, não vejo qual o interesse do empregador lesar colaboradores e atrair inevitável intervenção do Ministério Público ou da Justiça do Trabalho. Com as atenções voltadas a mercados competitivos, tratam de manter saudável ambiente interno e garantir condições compatíveis com os objetivos da empresa. Para isso será indispensável a colaboração de mão de obra recrutada, treinada e remunerada de acordo com a qualificação profissional.
Registre-se que o jovem dos nossos dias tem revelado pouco interesse em permanecer estável no mesmo emprego ao longo da vida. O mercado está ávido e necessitado de pessoas especializadas. Ele sabe que o sucesso depende de esforço pessoal e constante requalificação. Assim se explicam o crescimento do trabalho informal e a dessindicalização, surgidos nos países altamente industrializados, já em marcha acelerada no Brasil.
Mudança é a lei da economia. Deve ser respeitada. A CLT prestou bons serviços ao longo dos anos. E o momento de se buscar legislação nova, sintonizada com a sociedade robotizada e informatizada, quando já se fazem presentes os insondáveis desafios da IA.
Almir Pazzianotto Pinto
Advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor de A Falsa República e 30 Anos de Crise – 1988 – 2018. ..
A 4ª revolução industrial transforma a sociedade com tecnologias avançadas, criando novos modelos de negócios como as plataformas virtuais disruptivas como Uber e Airbnb.
A 4ª revolução industrial, com início na virada do século e marcada pela IA, aprendizagem automática, softwares e redes tem impactado e transformado toda a sociedade. As tecnologias estão se tornando cada vez mais sofisticadas, integradas e acessíveis causando ruptura com a 3ª revolução industrial (SCHWAB, 2016).
No aspecto produtivo as tecnologias estão cada vez mais incorporadas na organização do trabalho acarretando a criação de novas profissões e modelos de negócio.
No Brasil, por exemplo, a Associação Brasileira de Startups informa que há no país 12,7 mil Startups com faturamento médio anual de R$ 876.000,00 e média de 15 colaboradores, cada. (Associação Brasileira de Startups).
Pesquisas realizadas no ano de 2022 pelo IBGE constataram que 89,9% das indústrias de médio e grande porte já utilizavam ao menos uma tecnologia digital avançada.
Nestes novos modelos de negócio surgem, as chamadas plataformas virtuais que são “infraestruturas digitais que possibilitam a interação de dois ou mais grupos”, (SNIRCEK, 2017). Estas empresas, detentoras de uma tecnologia disruptiva alteraram diversos setores econômicos de maneira definitiva, são exemplos destas empresas: Uber, Netflix, Airbnb, entre outras.
Importante mencionar ainda as big techs como Amazon, Google, Apple, Meta, que continuam a impactar a economia global com seus produtos e serviços cada vez mais disruptivos.
Como consequência desta ruptura na economia também houve rompimento com modelos tradicionais de organização do trabalho como o Fordismo, Taylorismo, Toyotismo e outros. Modelos de organização industrial que avançaram também para fora das fábricas alcançando outros setores econômicos. Algumas características destes modelos são:
Já nos novos modelos de negócio, especialmente no chamado capitalismo de plataforma, consolida-se o trabalho por demanda (just-in-time) que para a estudiosa Ludmila Abilio, 2021, é o trabalhador “autogerente-subordinado”, autônomo, arcando com os riscos do “empreendimento” e sem legislação trabalhista específica para o proteger (exemplos: motoristas de aplicativo).
Sobre esta nova organização do trabalho nas chamadas plataformas digitais algumas características são comuns: flexibilidade do tempo (o trabalhador escolhe os momentos em que irá prestar serviço), externalização dos trabalhadores (ausência de local certo e determinado para trabalhar), utilização de tecnologia para a prestação de serviço: inteligência artificial, algoritmos, smartphones, entre outros.
Outro avanço tecnológico que promete impactar o trabalho e sua forma de organização são os chamados mundos imersivos ou metaverso. Muito embora, esta nova realidade pareça distante empresas como Microsoft, Meta e Amazon já desenvolvem programas que possibilitam a realização de diversas atividades dentro destes novos mundos imersivos.
Adriano Jannuzzi, 2023, aduz que: “o metaverso apresenta um cenário propício para a criação e exploração de empregos virtuais, oferecendo uma ampla gama de possibilidade para os trabalhadores”.
Entretanto, a pergunta que se faz, objeto de investigação deste artigo é: a legislação trabalhista brasileira está pronta para acompanhar a economia de plataformas e os avanços tecnológicos da sociedade?
E a resposta é apenas uma: não.
A CLT trabalhistas entrou em vigor no ano de 1943 momento histórico, econômico, político e cultural completamente diverso do atual e mesmo com as alterações realizadas ao longo do tempo a CLT não se modernizou o suficiente para abarcar as novas relações de trabalho.
O próprio conceito de empregado e os requisitos para configuração do vínculo de emprego já não são suficientes para proteger empregado e empregador, na medida em que os requisitos necessários para tanto não mais se enquadram nas modernas relações de trabalho.
A flexibilidade, por exemplo, vai de encontro com a habitualidade e subordinação. O trabalhador de plataforma pode escolher os dias e horários de trabalho, que melhor atendam às suas necessidades e estilo de vida, podendo ainda prestar serviços para plataformas concorrentes (Uber, 99, entre outros) disponibilizando sua força de trabalho para diversas empresas.
Já a subordinação, elemento indissociável para caracterização do vínculo, tem sido constantemente reformulado para se adaptar a esta nova realidade. Doutrina e jurisprudência falam em subordinação estrutural e subordinação algorítima.
Sobre o conceito clássico de subordinação, Maurício Godinho Delgado, 2006, conceitua como sendo: “situação jurídica que se expressa por meio de certa intensidade de ordens oriundas do poder diretivo empresarial, dirigidas ao empregado”.
A subordinação é na verdade o que diferencia o emprego (regido pela CLT) e a prestação de serviço autônoma (natureza comercial). A subordinação limita a autonomia da vontade do empregado submetido às ordens do empregador. (ZAPATA, 2010).
Já a subordinação estrutural caracteriza-se quando o trabalhador encontra-se inserido na estrutura organizacional da empresa, mesmo não recebendo ordens diretas sobre como a prestação deve ser realizada.
De acordo com esta teoria qualquer trabalhador que participa da organização produtiva da empresa, sem uma organização produtiva própria, deveria ser considerado empregado com direito a carteira assinada e direitos trabalhistas.
Mais recentemente criou-se o conceito de subordinação algorítima quando o controle do trabalhador ocorre através de ferramentas tecnológicas:
“Assim, será dita “subordinação algorítmica” aquela em que o controle do trabalho é definido por uma sequência lógica, finita e definida de instruções e se desenrola via ferramentas tecnológicas, tais como aplicativos”. (Denise Pires Fincato e Guilherme Wünsch, 2020).
Ambos os conceitos, subordinação estrutural e algorítima, são criações doutrinárias elaboradas para enquadrar como emprego também estas novas relações trabalhistas, o que é um equívoco.
Cediço que o direito é um fato social e como tal deve seguir a sociedade, todavia, o sistema jurídico previsto inclusive na Constituição Federal é o civil law, ou seja, o ordenamento jurídico brasileiro tem como base a lei (atribuição do Poder Legislativo), inciso II, art. 5º, inciso I, art. 22, art. 48.
Logo, conceber que as novas relações de trabalho sejam consideradas de emprego baseando-se nos conceitos de subordinação estrutural e algorítima é inconstitucional e fere também o Princípio da Separação dos Poderes, art. 2º da Constituição Federal.
Um exemplo clássico desta dinâmica legislativa é a lei 4.886/65 que regulariza as atividades dos representantes comerciais autônomos. O representante, especialmente quando exclusivo de uma marca, de fato passa a integrar a estrutura produtiva da empresa, todavia, por uma opção legislativa não pode ser enquadrado como empregado com carteira assinada e direitos trabalhistas. Se aplicarmos as teorias da subordinação estrutural e algorítima poderíamos afastar a legislação para reconhecer o vínculo de emprego, o que é no mínimo absurdo.
Não há como negar a vulnerabilidade do trabalhador nas diversas relações de trabalho existentes, todavia, admitir que estas novas dinâmicas trabalhistas sejam consideradas de emprego, sem uma legislação especifica, é admitir e “carimbar” a insegurança jurídica no Brasil e afastar investimentos.
A título ilustrativo, de como a legislação trabalhista e o poder judiciário interferem nos investimentos de um país, recentemente noticiou-se que o Ministro Barroso criará um grupo de estudo para entender a litigiosidade trabalhista no Brasil: “Só sabemos o custo de uma relação de trabalho no Brasil depois que ela termina. (…) Tudo o que encarece e diminui a atratividade do Brasil e que passa pelo Judiciário nós devemos ser capazes de equacionar”.
Portanto, não há dúvidas de que a melhor saída é modernizar a CLT para resolver o imbróglio jurídico.
Outra questão interessante se faz em relação ao pagamento de salário, a onerosidade, também requisito do vínculo empregatício. Com o surgimento da tecnologia blockchain surgiram as criptomoedas, sendo uma das mais conhecidas e valorizadas o bitcoin, que atualmente sob o ponto de vista jurídico é considerado bem jurídico móvel incorpóreo (art. 83, III, do Código Civil Brasileiro) Paiva Gomes, 2022.
Importante também ressaltar que as criptomoedas são totalmente digitais e sem emissão de qualquer governo.
Assim, pergunta-se: é possível o pagamento de salário através das criptomoedas? Atualmente, evidente que não. Todavia, conforme já dito, a evolução da sociedade trará um tempo em que coexistiremos com mundos imersivos e moedas próprias, e qual será a solução? Seria possível pensar na possibilidade de pagamento misto: real e criptomoedas?
O art. 458 da CLT assim preceitua:
“Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações “in natura” que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas”.
Pela literalidade da lei e ainda considerando o sistema financeiro brasileiro não é possível atualmente efetuar o pagamento de salário através de criptomoedas. Todavia, também neste aspecto seria algo a se pensar e estudar: pagamento de salário ou parte dele ou pagamento de premiações através de criptomoedas.
Evidente que ainda há muito a ser estudado, todavia, uma coisa é certa: precisamos mudar a mentalidade e nos adaptar às alterações tecnológicas. É preciso que o direito acompanhe as novas formas de trabalho e não que ignore ou apenas critique.
Inclusive nesse sentido, bastante interessante seria se a competência da Justiça do Trabalho se elastecesse para abarcar também relações não regidas (atualmente) pela CLT, abrangendo todas as relações de trabalho, desde que a prestação de serviço fosse realizada por uma única pessoa física dona se sua força de trabalho, organização e meios de produção.
Por todo o exposto, é evidente que a Justiça do Trabalho, bem como a legislação trabalhista encontra-se defasada e em desacordo com os ditames da sociedade merecendo uma reforma completa.
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ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização, autogerenciamento e o governo da viração. Revista Margem Esquerda. n. 36. São Paulo: Boitempo, 2021.
ANTUNES, RICARDO. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital (São Paulo, Boitempo, 2018, coleção Mundo do Trabalho).
ANTUNES, Ricardo (org.). 2020. Uberização, trabalho digital e indústria 4.0 1. ed. São Paulo: Boitempo.
PAIVA GOMES, Daniel; PAIVA GOMES; Eduardo. CONRADO, Paulo (org). Criptoativos, Tokenização, Blockchain e metavberso: aspectos filosóficos, tecnológicos, jurídicos e econômicos. São Paulo. Thonson Reuters Brasil Conteúdo e Tecnologia LTDA, 2022.
ZAPATA, Daniela. A Subordinação Estrutural Como Mecanismo De Modernização Do Direito Do Trabalho, dissertação Programa de Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Kátia Silva Alves
Advogada Trabalhista Empresarial. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Pós-Graduação em Processo Civil – USP (Universidade de São Paulo). Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho – USP (Universidade de São Paulo). Pós-Graduanda em Jurimetria (a estatística aplicada ao direito). Direito, inteligência e inovação – PUC/PR. Associada à AMAT (Associação Mineira dos Advogados Trabalhistas). Associada à ABJ (Associação Brasileira de Jurimetria).
Colegiado também determinou que a empresa promova campanhas sobre violência de gênero, assédio sexual e moral, registrando os eventos e incluindo frases de conscientização nos recibos de pagamento.
Da Redação
A 11ª câmara do TRT da 15ª região determinou que uma empresa pague indenização por danos extrapatrimoniais devido a assédio sexual e moral contra uma funcionária. O valor fixado foi de R$ 43.519,40, incluindo também os danos morais associados a uma doença ocupacional. O acórdão também condenou a empresa a implementar medidas preventivas para combater a violência de gênero no ambiente de trabalho.
O colegiado, ao avaliar o recurso da reclamante, constatou que as provas apresentadas confirmaram os atos de assédio sexual e moral cometidos pelo superior hierárquico da funcionária. Estes atos incluíam manipulação emocional, abuso de poder e comentários desrespeitosos e objetificadores.
No autos, também foi comprovado que os colegas de trabalho faziam piadas humilhantes e se referiam à funcionária de maneira depreciativa, utilizando expressões como “marmita do chefe” e insinuando que sua posição profissional estava ligada a favores sexuais.
O acórdão destacou que “a omissão do empregador em adotar medidas eficazes para coibir o assédio moral e sexual justifica a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais”.
Para o colegiado, o comportamento abusivo do superior, caracterizado pela objetificação e intimidação das subordinadas, resultou em violência de gênero e na inferiorização das mulheres, criando um ambiente de trabalho hostil e prejudicial à saúde mental. A atitude dos colegas, que promoveram a exclusão social da vítima, gerando desqualificação, humilhação e isolamento, também foi considerada prejudicial à saúde da trabalhadora.
No acórdão, as condições de trabalho foram reconhecidas como fatores que contribuíram para o estresse, depressão e ansiedade da empregada, justificando a indenização também por esse motivo.
Por fim, a empresa também foi condenada a realizar campanhas de conscientização sobre violência de gênero, assédio sexual e moral, registrando esses eventos e incluindo mensagens educativas nos recibos de pagamento. Esta medida foi determinada devido ao impacto coletivo da lesão, que transcende o âmbito individual.
Sob a relatoria do desembargador João Batista Martins César, a decisão foi baseada no protocolo de julgamento com perspectiva de gênero, seguindo recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Conselho Nacional de Justiça. Este protocolo visa apoiar a implementação das Políticas Nacionais estabelecidas pelas resoluções CNJ 254/20 e 255/20, voltadas para o combate à violência contra as mulheres e o incentivo à participação feminina no Judiciário.
A 14ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) manteve, por maioria dos votos, a reversão da justa causa de um técnico de laboratório acusado, sem provas consistentes, de furtar um par de botas. O colegiado ainda deu provimento a recurso adesivo do empregado e arbitrou indenização por dano moral de R$ 6 mil.
Segundo os autos, o homem foi filmado pegando o calçado, equipamento de proteção individual que seria de um integrante do almoxarifado e foi levado para casa. O empregador interpretou o ato como furto e dispensou o trabalhador sem dar a ele chance de se explicar. O rapaz, por sua vez, alegou que usou as botas para tirar seu carro da rua e estacionar na empresa, pois chovia naquele dia e não poderia molhar o próprio sapato. O dono do item não foi apontado pela empresa.
De acordo com o relator, desembargador Davi Furtado Meirelles, embora a versão da reclamada seja possível e crível, a melhor solução para a hipótese seria que se optasse pelo caminho da dispensa imotivada ou que se apresentasse um conjunto de provas robustas quanto ao ato de improbidade, opções não adotadas.
Segundo o magistrado, “houve manifesto e injustificável excesso de rigor na aplicação da justa causa, o que evidencia, inclusive, atitude clara de desrespeito […] em face de seu empregado”. Ele considerou, assim, que a reversão da pena seria “a melhor solução para recompor o excesso da organização”.
Ainda segundo o julgador, a supressão de verbas rescisórias derivada de aplicação indevida da justa causa é fato grave que gera presunção de dano moral, razão pela qual decidiu pela indenização em favor do reclamante. Com informações da assessoria de comunicação da Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
Multiplicam-se as demandas na esfera trabalhista em que se postula o reconhecimento de doenças alegadamente profissionais que, não raro, não guardam qualquer relação com as atividades funcionais, mas que, a despeito disto, de forma temerária, se pretende imputar as consequências ao empregador, o que se faz quase sempre mediante a invocação de disposições contidas na Lei nº 9.029/1995, na quais se proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros.
O exame da Lei nº 9.029/1995 indica ter ela por escopo fundamental obstar situações em que se venha a promover a dispensa do trabalhador quando acometido de doença grave que, conforme registra-se, possa suscitar estigma ou preconceito, o que implica, caso isso se venha a constatar, na invalidação do desligamento com a consequente reintegração do empregado e a concessão das verbas que tenha deixado de auferir entre a data da dispensa e o momento de retorno às suas atividades funcionais, a exemplo da situação enfocada no v. aresto a seguir transcrito:
“DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. REINTEGRAÇÃO E PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DO PERÍODO DEVIDOS. Constatada a dispensa discriminatória, impõe-se a reintegração da trabalhadora e o pagamento dos salários do período, nos termos do artigo 4º, I, da Lei n. 9.029/1995. Recurso da reclamante ao qual se dá provimento, no particular. (TRT-2 10003532320215020255 SP, relator: Sergio Roberto Rodrigues, 11ª Turma – Cadeira 5, data de publicação: 25/4/2022).” (Grifou-se).
Cuidando especificamente da hipótese de dispensa discriminatória, a jurisprudência firmada pelo colendo Tribunal Superior do Trabalho (TST) por intermédio da Súmula nº 443 põe em relevo que:
“DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO – Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.” (grifos do colunista).
Em pesquisa jurisprudencial voltada a ilustrar, exemplificativamente, o que se tem admitido nas decisões judiciais acolhendo e reconhecendo a dispensa discriminatória, são identificados casos como aqueles que a seguir vão relacionados: câncer – TST – RR 0010925-49.2020.5.15.0119 – TRT-2 RO 1000060-48.2019.5.02.0441 – TRT-2 – ROT 1001013-23.2021.5.02.0447; aids, câncer e hanseníase – (TRT-23 – ROT 0000160-83.2022.5.23.0003 – TRT-9 – ROT: 0000611-43.2022.5.09.0668); transtorno bipolar e depressão (TST – RRAg: 1001135-14.2017.5.02.0241 – TRT-3 – RO: 0010762-32.2019.5.03.0186); portador de transtorno psiquiátrico/depressão – TRT-4 – RO 0000755-24.2011.5.04.0221; doença psiquiátrica – (TRT-4 – ROT: 0020653-21.2021.5.04.0561); limitação física do empregado vítima de acidente de trabalho – (TRT-16 0017045-18.2018.5.16.0001); dependente químico (TRT-1 – RO 0100197-79.2019.5.01.0054 – TRT-1 – ROT 0101052-03.2019.5.01.0040); dispensa da empregada gestante – (TRT-15 – ROT 0011426-35.2018.5.15.0034); dispensa de empregados com mais de 60 anos – (TRT-9 – ROT: 0000643-25.2020.5.09.0084 – TRT-9 – ROT 0000676-88.2021.5.09.0016 – TRT-1 – RO: 0100694-27.2018.5.01.0055; cardiopatia grave – (TST – Ag-ED-E-ED-RR: 0010294-11.2019.5.15.0097); identidade de gênero – (TRT-1 – RO: 0100846-58.2019.5.01.0017); neoplasia maligna de mama – (TRT-2 – ROT: 1000691-45.2020.5.02.0606 – TST – Ag-AIRR 0020763-56.2018.5.04.0001 – TST – RR: 0000666-11.2021.5.09.0124); esclerose múltipla e mielite – (TRT-2 – ROT: 100052249.2020.5.02.0027).
Ressumbra inequívoco, assim, que se terá a incidência da norma em comento quando se tiver a identificação de doença que, acometendo o empregado, for caracterizada como doença grave que suscite estigma ou preconceito, ensejando conclusão no sentido de que discriminatória terá sido a dispensa com os efeitos disso decorrentes em favor do trabalhador.
Fora do rol
Mas não raro constata-se a veiculação de pretensões ajuizadas perante a Justiça do Trabalho invocando as disposições referidas na Lei nº 9.029/1995 e buscando a incidência do que se acha estabelecido nessa norma para, então, ampliar o rol de situações que se prestariam, em tese, a incluir doenças comuns como hábeis à caracterização de males que poderiam suscitar “estigma ou preconceito” e, em consequência, emprestando descabido fundamento para pleitos de reintegração, além de reparações material e moral.
Apenas para ilustrar o que ora é enfocado, calha citar caso em que o trabalhador promoveu contra o seu empregador demanda em que argumentou que tendo contraído chinkungunya, influenza e dengue, ter-se-ia que reconhecer que a sua dispensa, quando do retorno ao trabalho, deveria ser reconhecida como discriminatória e, por consequência, ensejaria ou a sua reintegração, ou a aplicação dos efeitos previstos na Lei nº 9.029/1995, mesmo se tendo a concessão de benefícios previdenciários deferidos e enquadrados pelo INSS na espécie B31 (sem relação com as atividades funcionais) e não B91 (acidente do trabalho/doença profissional).
A eventual propositura de demanda em tais condições presta-se apenas a evidenciar uma posição temerária e ofensiva ao sistema normativo vigorante, além de desprestigiar a credibilidade que se deve ter sempre no sistema judiciário, porquanto acredita-se, falaciosamente, que esse sistema poderá, no caso de doenças reconhecidamente comuns, permitir a construção de tese temerária que permitiria, de algum modo, imputar ao empregador a responsabilidade pelos afastamentos deferidos ao empregado sem qualquer relação com as atribuições funcionais e sem que se possa enquadrar o mal sofrido nas hipóteses referidas na Lei nº 9.029/1995.
Tal sustentação, ao ser veiculada e admitida, presta-se a afetar gravemente a esperada segurança jurídica agredindo e atropelando todo um sistema de proteção que deve prevalecer de lado a lado. Mas não só isto. Restaria evidenciada a construção e a aceitação de uma tese temerária, apta a caracterizar indiscutível litigância de má-fé, conforme previsão inscrita nos artigos 793-B, da CLT, e artigo 80 do Código de Processo Civil.
Caso concreto
Na situação anteriormente citada e referida como exemplo, ao se dar o desligamento do obreiro atendeu-se atentamente às rotinas e os procedimentos previstos e nada se poderia afirmar no sentido de que tenha a empregadora incorrido em conduta irregular ao dispensá-lo após avaliação médica que, confirmando o que já havia sido afirmado pelo INSS, indicou estar ele apto ao desempenho de suas atividades funcionais, nada se indicando que pudesse obstar a dispensa.
Forçoso reconhecer que a empregadora, no legítimo exercício de direito potestativo e discricionário em lei previsto, jamais poderia ter incorrido na prática de qualquer ato irregular, os quais estariam alegadamente previstos no bojo da Lei nº 9.029/1995, porquanto o desligamento do trabalhador teria ocorrido de modo regular e sem qualquer conteúdo discriminatório.
Atestando-se estar o trabalhador hábil ao desempenho de suas atividades funcionais e tendo ele sido afastado por doenças sem qualquer relação com o trabalho, nada obstaria o seu desligamento e não se poderia impingir ao empregador uma responsabilidade sem qualquer base legal e que se referiria à demonstração dos fundamentos do desligamento.
Jurisprudência sobre o tema
Confira-se, a respeito, orientação jurisprudencial que se colhe em casos nos quais se tem a indicação de haver o afastamento ocorrido em face de ter sido o trabalhador acometido de doenças comuns e nos quais externa-se conclusão no sentido de que, não restando caracterizada a dispensa discriminatória e, ainda, não tendo produzido o trabalhador provas no sentido da prática irregular, não se teria como sustentar os pleitos veiculados com o escopo de alcançar a sua reintegração ou mesmo de eventuais reparações. Confira-se:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. Segundo o quadro fático trazido pelo Regional, as provas existentes nos autos não indicam que a dispensa do reclamante tenha ocorrido em virtude do seu quadro de saúde. Desse modo, concluiu a Corte a quo que a dispensa não foi discriminatória. A decisão recorrida está fundamentada no exame da prova produzida, cuja reapreciação é obstada nesta instância extraordinária, e pela qual não foi constatada a dispensa discriminatória. Incidência da Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido.” (TST – AIRR: 101918120165030084, relator: Dora Maria da Costa, data de julgamento: 07/11/2018, 8ª Turma, data de publicação: DEJT 9/11/2018).
“DANO MORAL – DISPENSA DISCRIMINATÓRIA NÃO COMPROVADA PELO EMPREGADO – Não havendo prova inequívoca da conduta discriminatória da empregadora, ônus que incumbe ao empregado, tem-se que a dispensa sem justa causa é direito potestativo do empregador, não ensejando, por si só, dano moral, passível de reparação.” (TRT-1 – RO: 01010964620175010281 RJ, relator: Cesar Marques Carvalho, data de julgamento: 24/07/2018, 4ª Turma, data de publicação: 31/7/2018)
“DANO MORAL – DISPENSA DISCRIMINATÓRIA NÃO COMPROVADA PELO EMPREGADO – Não havendo prova inequívoca da conduta discriminatória da empregadora, ônus que incumbe ao empregado, tem-se que a dispensa sem justa causa é direito potestativo do empregador, não ensejando, por si só, dano moral, passível de reparação.” (TRT-1 – RO: 01010964620175010281 RJ, relator: CESAR MARQUES CARVALHO, data de julgamento: 24/07/2018, 4ª Turma, data de publicação: 31/7/2018)
“RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO . Caso em que não se verifica abuso do direito potestativo do empregador de rescindir sem justa causa o contrato de trabalho, na medida em que a parte reclamante foi acometida de moléstia que não se caracteriza como ‘doença grave que suscite estigma ou preconceito‘ (Súmula 443 do TST), o que afasta a presunção relativa de despedida discriminatória.” (TRT-4 – ROT: 00201190720235040012, relator: SIMONE MARIA NUNES, data de julgamento: 20/07/2023, 6ª Turma)
“EMENTA: DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NÃO CARACTERIZADA. Não há qualquer indício nos autos comprovando que a dispensa do reclamante ocorreu por motivo de doença grave e de forma discriminatória, o que afasta, portanto, a indenização prevista no artigo 4º, da Lei n. 9.029/95, bem como na Súmula 443, do C. TST. Recurso ordinário do reclamante a que se nega provimento.” (TRT-2 10010906320205020060 SP, relator: SONIA MARIA FORSTER DO AMARAL, 2ª Turma – Cadeira 3, data de publicação: 1/12/2021)
“DANOS MORAIS POR DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. Sobre a dispensa discriminatória, é preciso que haja ato claro do empregador que indique que a rescisão se deu por um motivo não razoável, em decorrência de uma evidente distinção injustificável pela condição pessoal permanente ou temporária do trabalhador. No caso, a doença do autor não atuou como um motivo de discriminação no ambiente da empresa, não configurando dispensa discriminatória. Ademais, ainda que a prova oral tenha indicado que o autor informou à empresa sobre sua patologia e a necessidade de cirurgia, os depoimentos, por si só, não demonstram que, na época da dispensa, a empregadora tivesse ciência de que o procedimento cirúrgico estava, efetivamente, agendado e que ocorreria em alguns dias. Sentença confirmada, no aspecto.” (TRT-2 10008971020215020611 SP, relator: MOISES DOS SANTOS HEITOR, 1ª Turma – Cadeira 3, data de publicação: 24/11/2021)
“DANO MORAL – DISPENSA DISCRIMINATÓRIA NÃO COMPROVADA PELO EMPREGADO – Não havendo prova inequívoca da conduta discriminatória da empregadora, ônus que incumbe ao empregado, tem-se que a dispensa sem justa causa é direito potestativo do empregador, não ensejando, por si só, dano moral, passível de reparação.” (TRT-1 – RO: 01010964620175010281 RJ, relator: CESAR MARQUES CARVALHO, data de julgamento: 24/07/2018, 4ª Turma, data de publicação: 31/7/2018) (grifos do colunista).
Considerações finais
Em suma, cumpre enfatizar que firma-se acertadamente a jurisprudência no sentido de não entender como discriminatória a dispensa que, sem justa causa, é praticada pelo empregador no exercício do direito potestativo que lhe é assegurado quando não são demonstradas as hipóteses referidas na Lei nº 9.029/95, mas quando se tem a clara indicação de que os afastamentos do trabalhador decorreram de ter ele sido acometido por doenças comuns, sem relação, portanto, com suas atividades funcionais.
Ademais, ressalta evidente que a conduta que se reputa discriminatória deve ser provada pelo empregado e não pelo empregador, descabendo falar-se em presunção em favor do trabalhador, mesmo porque se assim não fosse, estar-se-ia construindo tese que implicaria na clara e indesejável subversão da ordem jurídica.
Não é demais, para finalizar o presente trabalho, fazer-se referência a fundamentos bem expostos em v. acórdão proferido pelo colendo TRT da 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins) e onde se tem conclusões bem lançadas no sentido de que afastado o trabalhador em face de problemas de saúde que não se encaixam na diretriz jurisprudencial contida na Súmula nº 443/TST, descabido pretender-se que isto se transforme em eterna inviabilidade ao Acórdão 1ª Turma).
é advogado inscrito na OAB-DF, parecerista, palestrante, sócio sênior da Nóbrega e Reis Advocacia, especialista na esferas empresarial, trabalhista, cível e pública, ex-professor da Universidade Católica de Brasília-UCB, AEUDF e Icat, ex- procurador-geral do CNPq e ex-consultor jurídico do MCT.
A partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da chamada “tese do século”, entendeu que o PIS e a Cofins não poderiam incidir sobre o ICMS apenas a partir de 15/3/2017, ressalvadas as ações, judiciais e administrativas, protocoladas até aquela data, inúmeros contribuintes que haviam ajuizado suas ações posteriormente a março de 2017, e que tinham conseguido decisões definitivas favoráveis, passaram a ser alvo de ações rescisórias ajuizadas pela União.
O principal fundamento dessas rescisórias é que os acórdãos transitados em julgado destoam do que decidiu o STF, em regime de repercussão geral, quanto ao momento a partir do qual a União não pode exigir PIS e Cofins sobre o ICMS. Utilizam, para o manejo dessa ação excepcional, dispositivo do Código de Processo Civil que autoriza seu ajuizamento quando a decisão definitiva, a ser rescindida, “viola manifestamente norma jurídica”.
O que se tem visto é que os Tribunais Regionais Federais têm dado guarida ao pleito da Fazenda e rescindido acórdãos que, sem fazer qualquer ressalva quanto à modulação de efeitos, entenderam pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.
Contribuições previdenciárias sobre o terço de férias
Esse mesmo contexto, em que decisões que contrariaram o entendimento do STF apenas quanto à modulação de efeitos podem ser rescindidas, pode ser utilizado, agora a favor dos contribuintes, para a discussão sobre constitucionalidade da exigência das contribuições previdenciárias sobre o terço de férias.
De fato, no último dia 12/6/2024, o STF entendeu que a sua decisão que permitiu à União exigir contribuição previdenciária sobre o terço de férias somente seria válida a partir de 15/9/2020, resguardando, entretanto, todos os contribuintes que, por qualquer razão, não haviam recolhido tal contribuição até aquela data.
Nesse aspecto, as empresas que ingressaram em juízo para discutir a validade dessa incidência somente poderão ser exigidas após 15/9/2020, porém, há diversos contribuintes que já tiveram ações finalizadas com decisões contrárias, antes de o STF estabelecer o marco temporal a partir do qual é devido referido tributo.
Para essas empresas, suas respectivas decisões, apesar de definitivas, passaram, desde o último dia 12, a contrariar aquilo que estabeleceu o Supremo Tribunal Federal, em julgamento com Repercussão Geral reconhecida e, para essas pessoas jurídicas, prejudicadas, portanto, surge a possibilidade de lançar mão de ação rescisória, tal como fez a União, nos casos relacionados à Tese do Século, que, embora transitados em julgado, destoavam daquilo que definiu o STF.
Paralelo possível
O paralelo entre as ações que discutiram a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, que foram ajuizadas após 15/3/2017 e que transitaram em julgado sem observar a modulação que, somente anos depois — em 2021 —, o STF fixou, é absolutamente possível com processos ajuizados para discutir a incidência de contribuição previdenciária sobre o terço de férias e que transitaram em julgado antes de o STF dizer, agora em 2024, que tal exigência somente pode ser feita após 15/9/2020.
Em ambos os casos, o que se tem são decisões definitivas que divergem do que foi estabelecido pelo STF, em regime de Repercussão Geral, mas apenas quanto ao marco temporal a partir do qual determinada norma passa ou não a valer.
Se tal desencontro é apto a permitir, a favor da União, sob o fundamento de “violar manifestamente norma jurídica”, o ajuizamento de rescisória para as ações relacionadas à incidência do PIS e Cofins sobre o ICMS, também deverá ser suficiente para que as empresas prejudicadas com trânsito em julgado precoce em ações para não recolher contribuição previdenciária sobre o terço de férias lancem mão da mesma ação rescisória.
Nesse aspecto, se estamos diante do mesmo cenário fático e mesmo fundamento jurídico, esperemos que o entendimento dos Tribunais Regionais Federais, que, quanto à incidência do PIS e Cofins sobre o ICMS, ao menos até o momento, é pela desconstituição da coisa julgada para que, nesses casos, seja aplicado o marco temporal definido pelo STF no leading case, também seja no mesmo sentido, de rescisão da decisão definitiva, agora em favor dos contribuintes prejudicados, quanto a não incidência da contribuição previdenciária sobre o terço de férias.