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Comissão do Trabalho debate impactos da Inteligência Artificial no mercado de trabalho

Comissão do Trabalho debate impactos da Inteligência Artificial no mercado de trabalho

A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados promoveu, nesta terça-feira (26), uma audiência pública para discutir os profundos impactos da Inteligência Artificial (IA) no mercado de trabalho. O debate, com o tema “O mercado de trabalho e a Inteligência Artificial – IA”, foi presidido pela deputada Daiana Santos (PCdoB/RS), e reuniu especialistas em tecnologia, direito, economia e representantes de entidades de classe para analisar os riscos de substituição de postos de trabalho, a criação de novas funções e a urgência de políticas públicas para adaptação.

O evento, que pode ser assistido na íntegra no Canal da Câmara dos Deputados no YouTube, contou com a participação de diversos palestrantes. A motivação para a discussão partiu do requerimento da deputada Flávia Morais (PDT-GO), que vê a IA como uma força transformadora que demanda atenção imediata do Legislativo.

Durante a audiência, os especialistas apresentaram visões que equilibram alerta com otimismo. Foi consenso de que a IA é uma realidade irreversível e que sua adoção tende a aumentar a produtividade e criar categorias de empregos, particularmente nas áreas de tecnologia e análise de dados. No entanto, houve forte preocupação com a potencial aceleração da obsolescência de funções que envolvem tarefas repetitivas, tanto manuais quanto cognitivas.

Um dos pontos centrais debatidos foi a necessidade de o Brasil se preparar para essa transição. Os participantes enfatizaram a importância de investimentos maciços em educação e capacitação profissional, com a reformulação dos currículos escolares e a criação de programas de qualificação alinhados às novas demandas do setor produtivo.

Outro tema recorrente foi a imperiosa necessidade de um marco regulatório para o uso ético e responsável da IA no ambiente laboral. Foram levantadas questões sobre vigilância e monitoramento de funcionários, viés algorítmico em processos seletivos e de avaliação de desempenho, e a responsabilidade legal por decisões tomadas por sistemas autônomos. A discussão faz eco ao Projeto de Lei 21/2020, que estabelece princípios para o desenvolvimento e aplicação da IA no Brasil e que está em tramitação no Congresso Nacional, conforme informações do Portal da Câmara dos Deputados.

Na oportunidade também foi debatido o duplo impacto da automação no mercado de trabalho. Por um lado, a implementação de novas tecnologias pode levar à supressão de funções e à consequente redução de postos de trabalho em determinados setores. Por outro, evidencia-se o potencial de ganhos significativos em eficiência e produtividade para as empresas.

Paralelamente, ressaltou-se que o avanço tecnológico também catalisa a criação de novas oportunidades de emprego, particularmente em campos que exigem competências exclusivamente humanas, as quais ainda não podem ser replicadas por máquinas.

Crítica ao modelo de desenvolvimento tecnológico

Tiago Braga, diretor-geral do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), presente no evento, ofereceu uma perspectiva crítica sobre o modelo de negócios por trás da venda de inovações digitais. Ele argumentou que grandes corporações frequentemente comercializam tecnologias ainda em fase de desenvolvimento, apresentando-as como produtos finais inatingíveis.

“O cliente acaba pagando um valor elevado por uma solução que, na verdade, nem existe completamente. A verba da venda é que financia a própria criação da ferramenta. É uma estratégia onde se utiliza mão de obra humana para prometer e anunciar um produto automatizado futuro, o que representa uma grande transformação trazida pela Inteligência Artificial”, explicou Braga.

O ser humano como provedor fundamental

Para o diretor do IBICT, há um equívoco na narrativa predominante: não é a IA que supre as necessidades humanas, mas sim o contrário. São as pessoas que fornecem os dados e o trabalho necessários para alimentar e ampliar a capacidade de processamento dos sistemas inteligentes.

“Há uma inversão de valores nessa dinâmica. O homem é relegado a um papel de provedor de matéria-prima e, muitas vezes, tratado como um trabalhador secundário nesse ecossistema”, ressaltou.

A reunião contou também com a participação de Hugo Valadares, diretor do Departamento de Ciência, Tecnologia e Inovação Digital do MCTI, além de representantes de entidades sindicais e da indústria.

(Com informações da Câmara dos Deputados e MCTI)

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/noticias/92378-comissao-do-trabalho-debate-impactos-da-inteligencia-artificial-no-mercado-de-trabalho

Comissão do Trabalho debate impactos da Inteligência Artificial no mercado de trabalho

Contra o Direito do Trabalho, Barroso recorre ao darwinismo social

O ministro Luís Roberto Barroso, em palestra na USP na última sexta-feira (15/8), afirmou, de forma constrangedora para quem o ouvia, que a “palavra chave para futuro do Direito do Trabalho está em Darwin, é a adaptabilidade”. No contexto de sua fala, o ministro sugeriu ainda que o modelo de direito laboral cogente, “rígido”, provavelmente será substituído por um modelo de prevalência do contrato individual sobre a norma legal.

Para quem conhece o pensamento protoliberal de Barroso, a afirmação não surpreende, por dar a entender que o Direito do Trabalho – e o trabalhador – deveria se adaptar às imposições de organização laboral determinada e desenhada pelos patrões e imposta aos trabalhadores pelas novas tecnologias.

O que leva à estupefação é invocar Charles Darwin e sua famosa teoria científica para justificar sua posição, adotando, voluntariamente ou não, a tese do darwinismo social. Ou seja, de que o “mercado” fará uma seleção natural sobre os trabalhadores, relegando à extinção os “inaptos” ou não adaptados.

Ora, o próprio Charles Darwin era expressa e fortemente contrário à aplicação de sua teoria (ciência natural) às relações sociais. O grande cientista afirmava na obra The Descent of Man (1871), nos capítulos 5 (“On the Development of the Intellectual and Moral Faculties”) e 21 (“General Summary and Conclusion”) que a simpatia, a cooperação e a compaixão também são produtos da evolução.

Darwin critica a ideia de eliminar os “fracos”: observa que, embora “em condições selvagens” indivíduos menos aptos poderiam ser eliminados, as sociedades humanas civilizadas protegem os doentes e os fracos, e isso é uma marca do nosso progresso moral. E de nossa parte podemos acrescentar que o Direito é um dos mais notórios instrumentos desenvolvidos pelo homem para esse progresso moral.

O autor chega a dizer que, se suprimíssemos essa compaixão em nome da “seleção”, estaríamos destruindo “a parte mais nobre da nossa natureza”. Aqui ele se opõe diretamente à noção de que a seleção natural deveria ser aplicada como justificativa ética ou política para negligenciar os vulneráveis (um fundamento do chamado “darwinismo social”).

Em cartas pessoais (por exemplo, em correspondência com William Graham de 1881), Darwin expressou preocupações morais com relação ao destino da humanidade e mostra incômodo com interpretações materialistas e reducionistas que negavam a importância de valores éticos.

O darwinismo social invocado por Barroso, em verdade, foi criado por Herbert Spencer e é hoje um mote de neoliberais e militantes da extrema direita. Essa teoria foi e é utilizada para justificar desigualdades sociais, racismo e imperialismo.

Tampouco é coincidência que a Suprema Corte dos Estados Unidos, no famoso caso Lochner v. New York (1906), que rechaçou o Direito do Trabalho em nome da “liberdade contratual” – tal como o tem feito Barroso em seus votos retrógrados –, tenha recorrido exatamente a teorias econômicas de laissez-faire inspiradas no spencerismo. O inglês Herbert Spencer, com seus delírios de “seleção natural” aplicados ao mercado e às relações sociais, era o escritor mais popular dos EUA no último quartel do século 20, tendo vendido mais de 360 mil exemplares de sua obra naquele país, que mais tarde desenvolveria políticas eugenistas baseadas nos trabalhos do sociólogo inglês.

Em sua palestra na USP, Barroso ainda caiu na esparrela de dizer que muitos dos trabalhadores de aplicativo (por ele chamados de “microempreendedores”) não querem a proteção da legislação social. Coincidentemente, essa afirmativa faz-nos lembrar também uma passagem na vida de Darwin.

Como se sabe, Darwin fez suas pesquisas mais importantes a partir de viagem por várias partes do mundo a bordo do navio Beagle, do capitão Fitz Roy. Os dois ficaram grandes amigos e durante toda a viagem somente brigaram e ficaram sem se falar uma vez.

Ao chegar ao Brasil, Darwin ficou indignado com a condição dos escravizados. No entanto, após um jantar com um escravagista brasileiro, Fitz Roy disse a Darwin que a escravidão não era assim tão ruim, pois ouviu, com seus próprios ouvidos, de vários escravos chamados pelo seu senhor, que quando indagados se estavam felizes com a condição servil, disseram que sim e que não desejavam a liberdade.

Darwin não acreditava no que ouvia e perguntou a Fitz Roy se as respostas dos escravizados, dadas diante do senhor de escravos, teriam algum peso (Darwin, Charles. The Autobiography of Charles Darwin, 1809–1882. Edited by Nora Barlow. London: Collins, 1958, p. 61.)

O Direito do Trabalho é Darwin, sim, mas não o Darwin de Barroso, lido pelas lentes spencerianas de que os não adaptados perecerão. O que diferencia o humano do animal é justamente sua possibilidade de resistir à opressão do mais forte por meio da criação de regras coletivamente estatuídas, que protegem os menos afortunados.

Não se trata, aqui, ao contrário do que alega Barroso em sua palestra, de deter a roda do progresso e negar o avanço tecnológico. Mas sim de usar o Direito para salvaguardar a dignidade da pessoa humana, em especial dos trabalhadores, em relação aos efeitos nocivos da tecnologia. Se o Direito pode ser usado para evitar que crianças sejam exploradas sexualmente pelos novos meios tecnológicos, por que não poderá ele também regular o uso de algoritmos na intensificação e exploração do trabalhador?

Cássio Casagrande é doutor em Ciência Política, professor de Direito Constitucional da graduação e mestrado (PPGDC) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro. Visiting Scholar na George Washington University (2022).

Rodrigo de Lacerda Carelli é procurador do Trabalho no Rio de Janeiro, professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na UFRJ e integrante do Coletivo Transforma MP

DM TEM DEBATE

https://www.dmtemdebate.com.br/contra-o-direito-do-trabalho-barroso-recorre-ao-darwinismo-social/

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Idosa que trabalhou em casa de família desde os 4 anos é reconhecida como herdeira dos patrões pela Justiça do RS

A Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu a paternidade e a maternidade socioafetivas de uma idosa que viveu desde os 4 anos trabalhando em uma residência de Porto Alegre. O casal reconhecido como pai e mãe já morreu, mas os nomes passarão a constar na certidão de nascimento da idosa. O reconhecimento assegura direitos sucessórios, como a herança.

🔍 A filiação socioafetiva, prevista no artigo 1.593 do Código Civil, admite o reconhecimento jurídico de vínculos parentais formados pela convivência e pelo afeto, independentemente do fator biológico.

Segundo o Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT), o caso foi descoberto após uma denúncia de trabalho escravo doméstico. Mesmo assim, a vítima recusou-se a deixar o domicílio, por se reconhecer como parte da família.

A procuradora do Trabalho Patrícia de Mello Sanfelici Fleischmann, responsável pelo caso, afirmou que “a rigor, ela sempre foi uma empregada da casa”. Para proteger a trabalhadora, considerando a idade avançada e o vínculo afetivo construído desde a infância, foi pedido o reconhecimento do laço familiar por meio de adoção socioafetiva, segundo o órgão. A ação foi ajuizada pela Defensoria Pública.

Com a decisão, a juíza Carmen Lúcia Santos da Fontoura, da 1ª Vara de Família do Foro Central de Porto Alegre, determinou a expedição de mandado ao cartório para inscrever a filiação no registro de nascimento da mulher.

⚠️ COMO DENUNCIAR? Existe um canal específico para denúncias de trabalho análogo à escravidão: é o Sistema Ipê, disponível pela internet. O denunciante não precisa se identificar, basta acessar o sistema e inserir o maior número possível de informações. A ideia é que a fiscalização possa, a partir dessas informações do denunciante, analisar se o caso de fato configura trabalho análogo à escravidão e realizar as verificações no local.

G1

https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2025/08/28/idosa-que-trabalhou-em-casa-de-familia-desde-os-4-anos-e-reconhecida-como-herdeira-dos-patroes-pela-justica-do-rs.ghtml

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Reflexões sobre representação, experiência e ética na era da precarização

Representação da classe trabalhadora e os dilemas da observação externa

O filme Entre Dois Mundos, dirigido por Emmanuel Carrère e baseado no livro de Florence Aubenas, apresenta questões fundamentais sobre quem tem legitimidade para representar a experiência operária e como essa representação deve ser construída. A obra coloca em cena uma escritora burguesa que se infiltra no universo das faxineiras para produzir material literário, suscitando problemáticas sobre apropriação cultural de classe e os limites éticos da observação participante. Esta estratégia narrativa ecoa debates de longa duração sobre a capacidade das elites intelectuais compreenderem autenticamente as experiências das classes trabalhadoras.

A abordagem de Carrère, ao retratar uma protagonista que deliberadamente oculta sua identidade de classe, expõe contradições estruturais sobre como as experiências operárias são mediadas e comercializadas por uma intelectualidade que se mantém à distância segura de seus objetos de análise. Fortes e Negro (2016), em sua análise sobre o processo histórico de formação da classe trabalhadora, demonstram como a experiência vivida constitui elemento fundamental na construção da consciência de classe, alertando contra interpretações que reduzem os trabalhadores a meros objetos de forças econômicas abstratas. Esta perspectiva oferece instrumentos críticos valiosos para analisarmos as tensões apresentadas pelo filme, convidando-nos a questionar não apenas o conteúdo da representação, mas principalmente como ela é construída e a serviço de quais interesses.

As relações que Marianne desenvolve com Christèle e Marilou evidenciam como a proximidade física não elimina as distâncias sociais estruturais. Embora a protagonista experimente a dureza do trabalho manual, sua situação permanece fundamentalmente diferente: ela pode retornar ao conforto quando desejar. Esta diferença ontológica questiona tanto a legitimidade da investigação quanto a possibilidade de compreensão autêntica da experiência operária por parte de quem não partilha de suas determinações materiais. A própria estrutura do filme revela como o conhecimento sobre as estratégias de sobrevivência desenvolvidas pelos trabalhadores constitui um patrimônio cultural que frequentemente permanece invisível para observadores externos.

A dimensão de gênero assume centralidade na análise, particularmente pela escolha de retratar o trabalho de limpeza, historicamente feminilizado e socialmente desvalorizado. Hirata e Kergoat (2007), em seus estudos sobre as novas configurações da divisão sexual do trabalho, demonstram como as trabalhadoras desenvolvem formas específicas de solidariedade que respondem tanto às pressões laborais quanto às responsabilidades familiares acumuladas. O trabalho emocional investido pelas protagonistas em suas relações de amizade revela dimensões frequentemente negligenciadas nas análises do trabalho contemporâneo, constituindo uma “infraestrutura afetiva” sem a qual a própria reprodução da força de trabalho se tornaria impossível.

Experiência, consciência de classe e metodologias de pesquisa

A representação cinematográfica das redes de apoio mútuo entre as trabalhadoras exemplifica como a experiência compartilhada da precariedade gera formas específicas de sociabilidade e resistência. O filme captura aspectos daquilo que a tradição analítica denomina “economia moral” do trabalho precarizado: códigos não-escritos, estratégias de resistência cotidiana e solidariedades que transcendem as determinações puramente econômicas. Bruschini (2007), em seus estudos sobre trabalho e gênero no Brasil, identificava essas dimensões relacionais como componentes fundamentais para compreender as transformações no perfil das trabalhadoras contemporâneas, que se tornam “mais velhas, casadas e mães”, revelando uma nova identidade feminina voltada tanto para o trabalho quanto para a família.

O contraste entre a experiência temporária de Marianne e a situação estrutural de suas colegas ilumina questões centrais sobre mobilidade social e reprodução das desigualdades. Enquanto para a escritora, o trabalho manual constitui uma aventura intelectual limitada no tempo, para as demais trabalhadoras representa uma condição duradoura determinada por limitações que escapam ao controle individual. Hirata (2001), em sua análise sobre globalização e divisão sexual do trabalho, aponta como a proximidade física não garante automaticamente a compreensão das determinações estruturais que organizam essas experiências, particularmente quando se trata das consequências dos processos de mundialização sobre as condições de trabalho feminino.

A perspectiva adotada por Florence Aubenas insere-se em uma tradição jornalística de imersão direta no universo estudado, metodologia que produz insights valiosos, mas carrega problemáticas epistemológicas e éticas significativas. A revelação final da verdadeira identidade de Marianne funciona como momento de ruptura que expõe as contradições estruturais de todo o projeto, simbolizando traições mais amplas perpetradas por uma sociedade que explora sistematicamente o trabalho dessas mulheres enquanto as mantém invisíveis nos registros da representação cultural. O silêncio com que o filme encerra sugere a impossibilidade de reconciliação simples entre mundos estruturalmente desiguais.

Dilemas éticos e limites da representação no trabalho precarizado

A obra de Carrère coloca em evidência questões metodológicas fundamentais sobre como abordar experiências das classes trabalhadoras sem reproduzir as hierarquias sociais que pretende questionar. O dilema da protagonista espelha problemáticas enfrentadas por pesquisadores e intelectuais que estudam realidades sociais distantes de suas experiências de classe. A busca por “autenticidade” através do recurso a elenco não profissional sugere tentativa de escapar às mediações tradicionais da representação artística, mas expõe simultaneamente as limitações inerentes a qualquer projeto representacional, uma vez que a presença de câmeras e direção cinematográfica transforma inevitavelmente a experiência em performance.

As dimensões éticas transcendem o campo moral individual para atingir questões estruturais sobre distribuição de recursos e poder de representação. O sucesso comercial alcançado contrasta com a permanência das condições precárias enfrentadas pelas trabalhadoras reais que inspiraram a obra, levantando questões sobre benefícios derivados da representação da pobreza e responsabilidade social dos produtores culturais. A temporalidade específica do trabalho precarizado, marcada pela instabilidade e urgência cotidiana, contrasta com os tempos lentos da elaboração cultural burguesa, criando tensões irredutíveis entre os ritmos da representação e da experiência representada.

Quando observamos o filme através dessa perspectiva analítica, percebemos que sua principal contribuição reside não na resolução dos dilemas éticos apresentados, mas na capacidade de explicitá-los sem oferecer reconciliações artificiais. A obra funciona como espelho das contradições inerentes a qualquer tentativa de representação da alteridade de classe, forçando uma confrontação com as próprias posições no interior dessas relações de poder. O filme revela como as experiências contemporâneas de trabalho precarizado carregam ecos históricos de formas anteriores de exploração, mas se articulam através de mecanismos específicos caracterizados pela flexibilização das relações laborais e individualização dos riscos sociais.

A representação cinematográfica desse universo insere-se em um contexto mais amplo de estetização da pobreza que caracteriza parte significativa da produção cultural contemporânea. O sucesso alcançado por obras como Entre Dois Mundos aponta para uma demanda social por narrativas que abordem desigualdades crescentes, mas também levanta questões sobre os limites e possibilidades transformadoras dessas representações. A tensão entre impulsos genuinamente empáticos e constrangimentos estruturais permanece irresolvida, devendo ser vista não como defeito, mas como expressão fiel das contradições que permeiam tentativas de construção de pontes entre mundos sociais estruturalmente separados.

A força da obra reside paradoxalmente em sua recusa a oferecer resoluções reconfortantes. O filme termina em silêncio, sem reconciliação ou redenção, deixando o espectador confrontado com a persistência das divisões sociais e a necessidade de buscar formas mais radicais de abordar as desigualdades. É precisamente nesta recusa ao consolo fácil que encontramos sua maior contribuição crítica, mantendo vivas as tensões que tornam transformações estruturais necessárias.

O que emerge da análise é a compreensão de que a verdadeira solidariedade de classe não pode ser alcançada através de exercícios temporários de imersão, mas exige transformações que alterem fundamentalmente as relações de poder na sociedade. O filme cumpre a função importante de explicitar essas contradições sem romantizá-las, oferecendo um retrato honesto das limitações inerentes a projetos que buscam atravessar fronteiras de classe sem questionar as estruturas que as sustentam.

A obra também revela como as solidariedades desenvolvidas entre trabalhadoras emergem de necessidades concretas de sobrevivência, carregando contradições inerentes a essas condições. A fragilidade dessas solidariedades aponta para a precariedade estrutural das relações sociais no capitalismo contemporâneo, onde mesmo vínculos íntimos permanecem vulneráveis a pressões econômicas e manipulações instrumentais. Neste contexto, a representação cultural assume papel ambíguo, podendo tanto denunciar quanto reproduzir as mesmas lógicas de exploração que pretende criticar.

Referências

ALPENDRE, Sérgio. Entre Dois Mundos. Folha de S.Paulo, 1 jun. 2025. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2025/06/juliette-binoche-se-despe-da-aura-de-estrela-em-entre-dois-mundos.shtml

BRUSCHINI, Cristina. Trabalho e gênero no Brasil nos últimos dez anos. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 132, p. 537-572, 2007.

CAETANO, Maria do Rosário. “Entre Dois Mundos”, protagonizado por Juliette Binoche, revela o talento do escritor Emmanuel Carrère também como cineasta. Revista de Cinema, 27 maio 2025.

CASTRO, Jéssica. Do privilégio à exaustão. Entre Dois Mundos, 8 maio 2025. Disponível em: https://www.olanterninha.com/post/entre-dois-mundos

FORTES, Alexandre; NEGRO, Antonio Luigi. O processo histórico de formação da classe trabalhadora: algumas considerações. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 29, n. 59, p. 587-606, 2016.

HIRATA, Helena. Globalização e divisão sexual do trabalho. Cadernos Pagu, Campinas, n. 17-18, p. 139-156, 2001.

HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 132, p. 595-609, 2007.

SCHILD, Susana. ‘Entre dois mundos’: Juliette Binoche tem atuação soberba como escritora que finge ser faxineira. Rio Show/Cinema, Rio de Janeiro, 29 maio 2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rioshow/cinema/guia/entre-dois-mundos-juliette-binoche-tem-atuacao-soberba-como-escritora-que-finge-ser-faxineira.ghtml

Erik Chiconelli Gomes é pós-Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Doutor e Mestre em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Economia do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Direito do Trabalho pela USP. Bacharel e Licenciado em História (USP). Licenciado em Geografia (UnB). Bacharel em Ciências Sociais (USP) e em Direito (USP). Atualmente, é Coordenador Acadêmico e do Centro de Pesquisa e Estudos na Escola Superior de Advocacia (ESA/OABSP).

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https://www.dmtemdebate.com.br/reflexoes-sobre-representacao-experiencia-e-etica-na-era-da-precarizacao/

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IBGE: setor de serviços bate recorde de trabalhadores, mas remuneração média pouco avança

O setor de serviços não financeiros registrou em 2023 mais um ano de crescimento no número de trabalhadores, alcançando seu terceiro recorde consecutivo. Ao longo de uma década, o total de pessoas ocupadas aumentou 17,2%, somando 15,2 milhões — 2,2 milhões a mais do que em 2014.

Os dados divulgados nesta quarta-feira (27) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Anual de Serviços (PAS), também revelam a dimensão socioeconômica do setor.

  • Foram identificadas 1,7 milhão de empresas prestadoras de serviços, responsáveis por R$ 3,2 trilhões em receita operacional líquida e R$ 1,9 trilhão em valor adicionado à economia.

O setor também destinou R$ 592,5 bilhões ao pagamento de salários, retiradas e outras formas de remuneração.

O valor mais que dobrou frente aos R$ 287,7 bilhões de 2014 (+104,5%). No entanto, a média mensal de remuneração dos trabalhadores não evoluiu na mesma proporção e apresentou queda: passou de 2,4 para 2,3 salários-mínimos em 2023.

“Ao longo da série histórica, houve uma redução desse valor, mas com certa estabilidade nos últimos anos. As atividades estão pagando em torno de 2,2 e 2,3 salários-mínimos em média”, explica Marcelo Miranda, analista do IBGE responsável pela pesquisa.

Essa redução foi observada na maior parte dos segmentos de serviços.

A única exceção foi o grupo de “outras atividades de serviços”, que inclui três áreas:

  • Apoio à agricultura, pecuária e produção florestal;
  • Serviços auxiliares nas áreas financeira, de seguros e previdência complementar;
  • e Atividades relacionadas a esgoto, coleta, tratamento e destinação de resíduos, além da recuperação de materiais.

Nesse grupo, a remuneração média aumentou de 2,9 para 3,6 salários-mínimos ao longo do período.

 

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Desconcentração do setor

Em 2023, a concentração de mercado no setor de serviços, medida pelo R8 — que representa a soma da receita gerada pelas oito maiores empresas comparada ao valor total do mercado —, caiu de 9,5% em 2014 para 6,6%, o menor nível registrado na série histórica.

Segundo Miranda, essa redução indica que o setor tem se tornado mais pulverizado ao longo da última década. Em termos de receita operacional, algumas atividades ampliaram sua participação, enquanto outras perderam espaço.

  • Tecnologia da informação: passou de 6,7% em 2014 para 11,2% em 2023 (+4,5 p.p.);
  • Serviços auxiliares financeiros, de seguros e previdência complementar: de 2,8% para 5,3% (+2,5 p.p.);
  • Serviços técnicos-profissionais: de 10,5% para 12,6% (+2,1 p.p.);
  • Telecomunicações: de 12,1% para 11,2% (-0,9 p.p.);
  • Transporte rodoviário de passageiros: de 4,5% para 2,9% (-1,6 p.p.);
  • Serviços audiovisuais: de 3,0% para 1,7% (-1,3 p.p.).

Quanto às oportunidades de emprego, 47% da mão-de-obra se concentra em cinco atividades. Veja abaixo.

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Apesar da queda no número de funcionários em 2020, causada pela pandemia de Covid-19, os serviços de alimentação continuam liderando em número de empregos ao longo da série histórica.

Distribuição por regiões

Embora as atividades estejam mais distribuídas entre as empresas, o recorte por grandes regiões mostra que o Sudeste continua concentrando a maior fatia da receita bruta gerada pelos serviços, com 64,4%.

Na sequência aparecem o Sul (14,9%) e o Nordeste (10,1%). Já o Centro-Oeste e o Norte, com participações de 7,9% e 2,7%, respectivamente, registraram os menores índices.

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“A Região Sudeste se destaca [em termos de receita e salário], puxada principalmente por São Paulo, que concentra a maior quantidade de empresas e trabalhadores.”

No que diz respeito à remuneração média, o Sudeste também lidera, com 2,6 salários-mínimos, enquanto o Nordeste apresenta o menor valor, com 1,6 salários-mínimos.

G1

https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/08/27/ibge-setor-de-servicos-bate-recorde-de-trabalhadores-mas-remuneracao-media-pouco-avanca.ghtml

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Brasil cria 129,8 mil empregos formais em julho; queda de 32% frente ao mesmo mês de 2024

A economia brasileira gerou 129,8 mil empregos formais em julho deste ano, informou nesta quarta-feira (27) o Ministério do Trabalho e do Emprego.

Ao todo, segundo o governo federal, foram registradas em julho:

  • ➡️2,25 milhões de contratações;
  • ➡️2,12 milhões de demissões.

O resultado representa queda de 32% em relação a julho do ano passado, quando foram criados cerca de 191,4 mil empregos com carteira assinada.

Criação de empregos formais no Brasil

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Esse também é o pior resultado para meses de julho desde 2020, ou seja, em cinco anos.

Veja os resultados para os meses de julho:

  • 2020: 108,5 mil vagas fechadas;
  • 2021: 306,9 mil empregos criados;
  • 2022: 225,4 mil vagas abertas;
  • 2023: 142,2 mil vagas abertas.

A comparação dos números com anos anteriores a 2020, segundo analistas, não é mais adequada porque o governo mudou a metodologia.

Parcial do ano

De acordo com o Ministério do Trabalho, 1,35 milhão de empregos formais foram criados no país no de janeiro a julho deste ano.

O número representa queda de 10,3% na comparação com o mesmo período de 2024, quando foram abertas 1,5 milhão de vagas com carteira assinada.

Essa foi a menor geração de empregos para os seis primeiros meses de um ano desde 2023, quando foram abertas 1,17 milhão de vagas formais.

  • Ao fim de julho de 2025, ainda conforme os dados oficiais, o Brasil tinha saldo de 48,54 milhões de empregos com carteira assinada.
  • O resultado representa aumento na comparação com junho deste ano (48,41 milhões) e com relação a julho de 2024 (47 milhões).

Empregos por setor

Os números do Caged de julho de 2025 mostram que foram criados empregos formais nos cinco setores da economia.

O maior número absoluto foi no setor de serviços. A agropecuária foi o setor que menos gerou vagas no mês passado.

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Regiões do país

Os dados também revelam que foram abertas vagas em quatro das cinco regiões do país no mês passado.

Empregos por região
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Salário médio de admissão

O governo também informou que o salário médio de admissão foi de R$ 2.277,51 em julho deste ano, o que representa queda real (descontada a inflação) em relação a junho de 2025 (R$ 2.283,15).

Na comparação com julho do ano passado, também houve recuo no salário médio de admissão. Naquele mês, o valor foi de R$ 2.278,58.

Caged x Pnad

Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados consideram os trabalhadores com carteira assinada, ou seja, não incluem os informais.

Com isso, os resultados não são comparáveis com os números do desemprego divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coletados por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continua (Pnad).