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DESENVOLVIMENTO
JUSTIÇA SOCIAL

Desafios jurídicos do PL sobre IA e proteção ao trabalhador

Desafios jurídicos do PL sobre IA e proteção ao trabalhador

OPINIÃO

 

Este artigo baseia-se em parte do parecer elaborado pela Comissão Especial de IA e Inovação do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) sobre o Projeto de Lei 2.338/2023, com a complementação de voto do último dia 4 julho.

A análise, baseada na experiência como juíza do trabalho, formadora de juízes e vice-coordenadora do Laboratório de Inovação do Tribunal do Trabalho do Rio de Janeiro, visa a prevenir futuras antinomias jurídicas decorrentes de ambiguidades e contradições terminológicas. A seguir, apresenta-se uma análise detalhada dos principais pontos do projeto de lei, suas inadequações terminológicas e propostas de correção.

Contextualização sistematizada do PL e metodologia utilizada

O projeto de lei examinado visa a regulamentar o uso de sistemas de inteligência artificial (IA) em diversos contextos, com ênfase na proteção ao trabalho e aos trabalhadores. Entre os dispositivos mais relevantes, destacam-se:

Art. 14: Define sistemas de IA de alto risco, incluindo aqueles utilizados em recrutamento, triagem, avaliação de candidatos, decisões sobre promoções e controle de desempenho.

Art. 56: Estabelece diretrizes para mitigar impactos negativos e potencializar impactos positivos da IA sobre os trabalhadores, evitando demissões em massa sem negociação coletiva.

Aplicou-se o método semântico na análise do projeto de lei, concentrando-se no significado das palavras e expressões utilizadas no texto normativo, identificando ambiguidades, vaguezas e contradições que possam gerar interpretações divergentes e conflitantes.

Analisou-se o contexto em que termos atrelados à proteção ao trabalho e ao trabalhador foram utilizados, tanto dentro do próprio projeto de lei quanto em relação ao ordenamento jurídico vigente (isso incluiu a verificação de significados atribuídos a esses termos em outras leis, doutrina e jurisprudência).

Principais termos analisados e inadequações identificadas

Trabalho: o termo “trabalho” aparece constantemente no texto normativo, sem distinção clara entre “trabalho subordinado” e “trabalho autônomo”. Essa ambiguidade pode causar interpretações conflitantes. Quando o projeto menciona “crescimento inclusivo, desenvolvimento sustentável e bem-estar, incluindo a proteção do trabalho e do trabalhador”, não fica claro se a proteção do trabalho refere-se a empregados ou a trabalhadores lato sensu. Para evitar futuras confusões interpretativas, é essencial especificar o tipo de trabalho conforme o contexto.

Trabalhadores: o termo “trabalhadores” é utilizado de forma genérica, abrangendo uma ampla gama de situações. Sem especificações, o termo pode ser interpretado de várias maneiras, incluindo trabalhadores subordinados, autônomos, entre outros. Para assegurar clareza, seria benéfico definir os trabalhadores como “trabalhadores subordinados”, “empregados” ou “trabalhadores autônomos”, conforme aplicável ao contexto a ser normatizado.

Contrato de trabalho: o projeto utiliza o termo “contrato de trabalho” em contextos que podem incluir várias formas de relações laborais. Entretanto, se a intenção é referir-se especificamente à relação de emprego regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o termo mais adequado seria “contrato de emprego”. Essa substituição ajudaria a evitar ambiguidades.

Emprego e trabalho: “emprego” e “trabalho” são termos frequentemente confundidos no texto. O projeto menciona “gestão de trabalhadores e acesso ao emprego por conta própria”, uma expressão contraditória, já que “emprego” implica trabalho subordinado, enquanto “conta própria” sugere autonomia. Para maior precisão, “emprego” deveria ser utilizado exclusivamente para trabalho subordinado e “trabalho” para outras formas de relação laboral.

Conta própria: a expressão “conta própria” é utilizada de forma equivocada. O termo “emprego por conta própria” é uma contradição, já que o emprego pressupõe subordinação. Seria correto referir-se a “emprego por conta própria” (sic) como “trabalho autônomo” ou “trabalho independente”.

Dispensa: o termo “dispensa” também é problemático. Usado genericamente, pode referir-se tanto a “dispensa por justa causa” quanto a “dispensa sem justa causa”, o que pode gerar confusão. Especificar o tipo de dispensa em cada contexto evitaria essas ambiguidades.

Demissão em massa: finalmente, o termo “demissão em massa” não possui correlação no ordenamento jurídico trabalhista brasileiro. A “demissão” tecnicamente refere-se à ação do empregado de romper o contrato, enquanto “dispensa” é a ação do empregador.

Além disso, a dogmática jurídica distingue dispensa coletiva e dispensa plúrima. A dispensa coletiva, também conhecida como dispensa em massa, caracteriza-se pela dispensa simultânea de um grupo de empregados por um motivo único, geralmente relacionado à redução do quadro de pessoal da empresa. Por outro lado, a dispensa plúrima ocorre quando há a dispensa de um número significativo de empregados, porém por motivos diversos e individuais, não necessariamente relacionados a uma reestruturação empresarial.

É importante ressaltar que a dispensa plúrima não se configura como dispensa coletiva quando ocorre dentro dos padrões normais de rotatividade da empresa. A análise da normalidade leva em consideração o histórico de dispensas da empresa, o setor de atuação e as condições do mercado de trabalho.

Assim, para alinhar-se à terminologia adequada, seria melhor substituir “demissão em massa” por “dispensa coletiva” e definir claramente esses termos no projeto.

Conclusões

A análise revelou várias inadequações terminológicas no projeto de lei, especialmente no uso dos termos “trabalho”, “trabalhadores”, “contrato de trabalho”, “emprego”, “conta própria”, “dispensa” e “demissão em massa”. As propostas de correção apresentadas no parecer elaborado pela Comissão Especial de IA e Inovação do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) visam a garantir clareza e precisão jurídicas, prevenindo futuras antinomias. Isso contribui para a segurança jurídica, previsibilidade das decisões judiciais e a efetividade do direito.

O projeto de lei brasileiro, com o complemento de voto em 4 de julho, alinha-se com as melhores práticas internacionais em muitos aspectos, especialmente na avaliação de impacto e supervisão humana. As inovações trazidas pelos incisos VI (avaliação e impacto algorítmico), VII e VIII do artigo 56 garantem uma proteção robusta aos trabalhadores, similar às regulamentações da União Europeia, Estados Unidos e Reino Unido.

No entanto, o inciso VII sobre coibir “demissões em massa” sem negociação coletiva é um importante diferencial normativo que, somente se adequadamente normatizado, sinalizará o compromisso do Brasil tanto com a proteção ao trabalho quanto com o desenvolvimento do uso de sistemas de inteligência artificial no país, que tragam melhores condições de trabalho humano em geral.

  • é juíza titular de Vara do Trabalho da Capital do Rio de Janeiro, presidente da Ajutra (Associação dos Juízes do Trabalho), membro da Comissão Especial de Inteligência Artificial e Inovação do IAB (Instituto de Advogados do Brasil), vice-coordenadora do Subcomitê do CNJ no TRT-1 de Inovação no Poder Judiciário, vice-coordenadora do Laboratório de Inovação do TR-T1, especialista em Inovação/IA no Poder Judiciário, formadora de juízes pelo TST/Enamat/CSJT e pela Escola de Magistratura Nacional Francesa (École Nationale de la Magistrature — ENM), doutoranda em Ciências Jurídicas Filosóficas (Teoria da Decisão) pela Universidade de Coimbra, Portugal, mestre em Ciências Jurídicas Processuais pela Universidade Clássica de Lisboa, professora e conteudista da Escola de Magistratura TRT-1, membro do Conselho Pedagógico da Escola Judicial do TRT-1, consultora da ABA Nacional (Associação dos Advogados do Brasil) — CNDPT e coordenadora pedagógica da PM Cursos Especializados.

    CONJUR

    https://www.conjur.com.br/2024-jul-11/desafios-juridicos-do-pl-sobre-ia-e-protecao-ao-trabalhador/

Desafios jurídicos do PL sobre IA e proteção ao trabalhador

TST aumenta indenização de empresa por assédio a adolescente de 17 anos

CONTATO FORÇADO

A 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho julgou dois casos de assédio sexual que resultaram em condenações às empresas. Em um deles, chamou a atenção o fato de que a trabalhadora tinha apenas 17 anos quando foi contratada e passou a ser assediada.

O valor de R$ 8 mil de indenização fixado pelas instâncias anteriores foi considerado irrisório pelo colegiado, que o majorou para R$ 100 mil, diante da gravidade do caso.

A ação foi apresentada por uma auxiliar administrativa da Saudesc Administradora de Planos de Assistência à Saúde Ltda., empresa de Florianópolis. Ela relatou que começou a trabalhar aos 17 anos e, durante três anos, foi assediada por seu supervisor.

Ele fazia gestos obscenos, forçava contato físico, a chamava para ir a motéis, falava para os colegas que estava tendo relações sexuais com ela e chegou a tentar puxá-la para dentro de um banheiro.

A empresa, em sua defesa, disse que as alegações da auxiliar eram “absurdas”, entre outros pontos porque ela não seria subordinada ao suposto assediador. Sustentou, ainda, que caberia à empregada comprovar os fatos relatados.

Testemunhas, porém, confirmaram a conduta do supervisor, e uma delas disse que havia saído da empresa porque também tinha sido assediada. O juízo da 6ª Vara do Trabalho de Florianópolis concluiu que ele praticava assédio sexual ambiental, intimidando as subordinadas e contaminando o ambiente de trabalho. Fixou, então, a indenização em R$ 8 mil. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC).

No recurso de revista, a trabalhadora argumentou que o valor era irrisório para alguém que “ficou exposta a um ambiente insalubre, do ponto de vista psicológico, submetida a tratamento desrespeitoso e vexatório”. O relator, ministro Agra Belmonte, concordou com a argumentação.

“O valor da indenização é ínfimo dentro dos critérios de proporcionalidade e razoabilidade, se considerada especialmente a gravidade do dano perpetrado contra os direitos da personalidade da trabalhadora”, afirmou.

Ele ressaltou que, de acordo com as testemunhas, outras empregadas também sofreram assédio pelo mesmo superior. “O que se observa é que a prática era reiterada, o que certamente tornou o ambiente de trabalho prejudicial à saúde  psicológica das trabalhadoras que tinham que lidar rotineiramente com o abusador”.

Para o relator, trata-se de ofensa gravíssima, inclusive tipificada como crime no Código Penal. Em casos como esse, decorrente de ambiente de trabalho inadequado e hostil, a empresa não pode se abster de tomar medidas para fiscalizar ou mesmo punir o ofensor, pois é de sua responsabilidade manter o zelo e a proteção da segurança física e psicológica de suas colaboradoras”, assinalou.

Com base em critérios como o porte econômico da empresa e a alta gravidade das ofensas praticadas — sobretudo o fato de que o assédio começou quando a auxiliar tinha apenas 17 anos —, o colegiado concluiu que a condenação devia ser majorada para R$ 100 mil.

Trabalhadora relatou “terror”

No segundo caso, a ação foi proposta por uma empregada que atuava como caixa da Garcia e Pinheiro Comércio de Alimentos, razão social de um restaurante mexicano de Brasília.

Segundo seu relato, quando trabalhava até a meia-noite, “vivia um verdadeiro terror”, porque o gerente a constrangia com abordagens sexuais chulas e gestos obscenos, além de contato físico forçado e exibicionismo. Por não corresponder às investidas, disse que passou a ser perseguida e prejudicada no trabalho.

Ainda de acordo com ela, o comportamento do gerente era dispensado também a outras empregadas, e os proprietários, mesmo cientes dos fatos, qualificavam a conduta como “brincadeira”.

Diante da confirmação do relato por uma das testemunhas, a 9ª Vara do Trabalho de Brasília entendeu configurado o assédio e condenou o restaurante a pagar R$ 30 mil de indenização, valor mantido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO).

Dessa vez, o recurso de revista foi do empregador, que alegava, entre outros pontos, contradições nos depoimentos das testemunhas, omissões do TRT na abordagem de alguns aspectos e valor excessivo da condenação.

Para o ministro Evandro Valadão, relator do caso, o assédio foi devidamente comprovado pelas instâncias ordinárias, a quem cabe examinar fatos e provas. “Ao expor a empregada a situações violadoras de direitos da personalidade no ambiente de trabalho, a empresa deve responder pela devida indenização por dano moral”, afirmou.

O ministro lembrou que o Conselho Nacional de Justiça adotou, em 2021, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, que demonstra como o ambiente de trabalho pode ser hostil e intimidativo às mulheres em razão de microagressões e outras condutas, que culminam com o assédio sexual.

Em relação ao montante da indenização, o ministro observou que ele não ultrapassa o patrimônio disponível da empregadora nem é exorbitante a ponto de justificar a intervenção do TST. Com informações da assessoria de comunicação do TST.

Processo 1401-72.2017.5.12.0036
Processo 1399-43.2017.5.10.0009

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-jul-11/tst-aumenta-indenizacao-de-empresa-por-assedio-a-adolescente-de-17-anos/

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Licença por auxílio-doença não impede demissão por justa causa, afirma TST

CONDUTA ILEGAL

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso de uma ex-empregada da Petrobras que, após ser demitida por justa causa durante afastamento previdenciário, pretendia ser reintegrada imediatamente no emprego.

Segundo o colegiado, a garantia provisória de emprego, mesmo decorrente do gozo de licença médica, não impede a rescisão contratual por justa causa.

A empregada foi dispensada depois que a empresa apurou que ela havia apresentado recibos superfaturados de mensalidades escolares ao pedir reembolso de benefício educacional. Segundo a empresa, a demissão se deu a partir de uma apuração rigorosa.

A empregada, então, apresentou a ação trabalhista alegando que, em casos semelhantes, a Petrobras não havia aplicado a mesma penalidade. Pedia, assim, uma antecipação de tutela para ser imediatamente reintegrada, enquanto o processo corria, que foi deferida pelo juízo de primeiro grau.

Contra essa decisão, a Petrobras entrou com um mandado de segurança no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), que manteve a reintegração. Para o TRT-3, a penalidade não era proporcional à falta cometida e, no momento da dispensa, o contrato de trabalho estava suspenso em razão de licença-saúde.

Licença não impede justa causa

No TST, o entendimento foi outro. Segundo o relator, ministro Amaury Rodrigues, o fato de a trabalhadora estar em licença médica não garante a manutenção do vínculo se ela foi dispensada por justa causa.

Rodrigues lembrou também que a alegada desproporcionalidade entre a falta cometida e a punição exige análise de fatos e provas, o que não se pode fazer em mandado de segurança. No caso, as provas já registradas não são suficientes para confirmar essa conclusão.

O ministro também observou que, ainda que o contrato de trabalho seja suspenso durante o benefício previdenciário, o vínculo permanece íntegro, “de modo que não há impedimento para a rescisão contratual por justa causa”. Com informações da assessoria de comunicação do TST.

Processo 0011574-11.2023.5.03.0000

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-jul-11/licenca-por-auxilio-doenca-nao-impede-demissao-por-justa-causa-afirma-tst/

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Empresa é condenada por acidente de motocicleta sofrido por empregado a serviço da empresa

PROFISSÃO PERIGO

O empregador tem a obrigação de indenizar o empregado em caso de acidente sofrido durante deslocamento feito a serviço da empresa. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou uma varejista de Aracaju a indenizar um montador de móveis que sofreu um acidente de moto durante seu trabalho.

O fato ocorreu em agosto de 2016, quando o empregado ia da loja à casa de um cliente e a moto que conduzia foi atingida por um carro. Na ação trabalhista, ele disse que sofreu fraturas no pé direito e ficou seis meses afastado do trabalho, sem receber auxílio-doença, por ser aposentado pelo INSS.

Em sua defesa, a varejista alegou que sua orientação sempre foi a de utilizar transporte público e que a escolha de usar a motocicleta foi do empregado, que, assim, assumiu o risco de sua opção.

Condição necessária

Essa informação, porém, foi derrubada na sentença da 9ª Vara do Trabalho de Aracaju, que, com base em depoimentos de testemunhas, entendeu que ter veículo próprio era condição necessária para a contratação do montador. Ao considerar comprovado o dano físico e sua relação com o trabalho, o juízo condenou a empresa a pagar indenização de R$ 7 mil.

Contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (SE) excluiu a condenação por entender que a atividade do montador não era de risco e que o acidente tinha sido um caso fortuito. Para o TRT, o trabalhador recebia os benefícios previdenciários e tinha direito à garantia no emprego, mas não poderia ser indenizado pelo empregador por absoluta ausência de culpa deste.

No TST, o colegiado decidiu restabelecer a sentença inicial. Para o relator, desembargador convocado Marcelo Pertence, são evidentes o dano e sua relação com as atividades executadas pelo empregado. Segundo ele, o uso da motocicleta submetia o montador a fatores de risco elevados. “É verdade que qualquer um pode sofrer acidente automobilístico nas rodovias brasileiras, mas o trabalho com motocicleta é colocado em um degrau de maior probabilidade de sofrer tais desastres.” Com informações da assessoria de imprensa do TST.

Clique aqui para ler o acórdão
RRAg 395-21.2019.5.20.0009

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-jul-11/empresa-e-condenada-por-acidente-sofrido-por-empregado-a-servico-da-empresa/

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Validade do pedido de demissão quando a mulher não sabia que estava grávida

REFLEXÕES TRABALHISTAS

 

Não é novidade que a Constituição garante à empregada gestante o direito à estabilidade desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, nos exatos termos do artigo 10, inciso II, alínea “b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

O objetivo da estabilidade provisória é proteger a mãe e o nascituro (conforme também determina o artigo 227 da CF), conferindo à trabalhadora grávida condições básicas de subsistência durante a gestação e nos primeiros meses de vida da criança, com a manutenção do emprego e a impossibilidade de dispensa, salvo em caso da prática de falta grave.

Sobre o tema, o Tribunal Superior do Trabalho pacificou seu entendimento no sentido de que o fato de o empregador desconhecer a gravidez não afasta o direito à estabilidade (Súmula nº 244 do TST, inciso I); que o direito à reintegração da gestante só é possível durante o período de estabilidade (Súmula nº 244 do TST, inciso II); e que é irrelevante que o contrato seja por tempo determinado, pois uma vez comprovada a gestação, o direito à estabilidade prevalece (Súmula nº 244 do TST, inciso III).

Desconhecimento da gravidez pela profissional

A questão que pretendemos abordar no presente artigo, entretanto, diz respeito ao desconhecimento da gravidez pela trabalhadora que pede demissão. Neste caso, o pedido de demissão seria válido ou haveria renúncia à estabilidade provisória? Quais seriam os direitos da gestante que descobre a gravidez apenas após a rescisão do contrato de trabalho provocada por sua própria iniciativa?

Verificamos que os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), em várias oportunidades, já decidiram pela validade do pedido de demissão da empregada grávida, por entender que teria havido renúncia à estabilidade provisória. Neste sentido, vale destacar as seguintes decisões:

“RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. PEDIDO DE DEMISSÃO. VALIDADE. ESTABILIDADE GESTANTE NÃO CONFIGURADA. Hipótese em que o término do contrato de trabalho ocorreu por iniciativa da autora, em razão da constatação da ocorrência de pedido de demissão válido, situação que revela a renúncia à estabilidade provisória da gestante assegurada no artigo 10, inciso II, alínea b, do ADCT de 1988. Recurso não provido.” (TRT-13 – Recurso Ordinário Trabalhista: 00002129020245130002, data de julgamento: 2/7/2024, 1ª Turma, data de publicação: 5/7/2024)

“PEDIDO DE DEMISSÃO. NULIDADE. NÃO CARACTERIZADA. Formalizado o pedido de demissão de próprio punho e assinado pela empregada, não sendo comprovado qualquer vício de consentimento na sua elaboração, não há falar em nulidade, cabendo o afastamento da estabilidade provisória, pela renúncia expressa. Recurso ordinário da reclamada provido.” (TRT-2 – RORSum: 10000472020245020491, relator: Maria Cristina Christianini Trentini, 17ª Turma)

“GESTANTE. GARANTIA DE EMPREGO. PEDIDO DE DEMISSÃO. VALIDADE. As disposições contidas no art. 10, II, b, do ADCT, que proíbem a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, não se aplicam à hipótese dos autos, uma vez que o pedido de rescisão contratual partiu da reclamante, não restando comprovado vício de consentimento.” (TRT-3 – ROT: 0010776-26.2023.5.03.0008, relator: André Schmidt de Brito, 9ª Turma)

De fato, o artigo 10, II, “b”, do ADCT protege a empregada gestante e o nascituro da dispensa arbitrária ou sem justa causa, mas não lhe garante direito à estabilidade provisória caso esta decida, livremente, pela resilição do contrato de trabalho.

Spacca

Deste modo, se não houver provas de vício de vontade que confira nulidade ao pedido de demissão, em princípio, este deve ser considerado válido.

Vício de consentimento

O desconhecimento do estado gravídico pela empregada não pode ser considerado vício de consentimento e, portanto, capaz de macular o pedido de demissão. Os vícios de consentimento referem-se à divergência entre a vontade real da parte e a vontade manifestada, ou seja, é a desconformidade entre a vontade e a declaração do agente.

Conforme determina o Código Civil, são cinco as modalidades de vício de consentimento: o erro ou a ignorância (artigo 138); o dolo (artigo 145); a coação (artigo 151); o estado de perigo (artigo 156); e, a lesão (artigo 157).

Todavia, entende o TST que, ainda que não tenha havido vício de vontade e mesmo que a empregada não detenha conhecimento de seu estado gravídico à época em que solicitar sua demissão, será nulo o pedido pois remanesce a necessidade de assistência sindical para a sua validade, conforme determina o artigo 500 da CLT:

“O pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho.”

Aliás, esse é o entendimento consagrado pelo TST, para quem o referido dispositivo continua em plena vigência e se aplica a todas as modalidades de garantia provisória de emprego, e não exclusivamente às hipóteses da antiga estabilidade decenal. Nesse sentido são as seguintes ementas:

“RECURSO DE REVISTA. LEIS NºS 13.015/2014 E 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. GESTANTE. GARANTIA PROVISÓRIA DE EMPREGO. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. SÚMULA Nº 244, III, DO TST. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. Esta Corte, adotando a teoria da responsabilidade objetiva, considera que a garantia constitucional prevista no art. 10, II, b, do ADCT é norma de ordem pública, irrenunciável, pois objetiva a proteção à maternidade e ao nascituro. 2. Dessa forma, interpretando o art. 500 da CLT, a jurisprudência firmou o entendimento de que é inválido o pedido de demissão sem assistência sindical da empregada gestante, independente da duração do contrato de trabalho ou da ciência do estado gestacional pelo empregador, uma vez que a validade do pedido de dispensa de empregada gestante está condicionada à homologação prevista no referido dispositivo. 3. Ademais, nos termos da Súmula nº 244, III, do TST, a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, b, do ADCT, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado. 4. Nessa esteira, a jurisprudência desta Corte Superior permanece firme no sentido de que o fato de a trabalhadora ter sido admitida no regime do contrato de experiência não afasta o direito à estabilidade provisória prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, tendo em vista que, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 10, II,”b”, do ADCT exige apenas a anterioridade à dispensa imotivada. Precedentes. 5. A Corte de origem, ao afastar o direito à estabilidade provisória da reclamante, decidiu em desacordo com a jurisprudência desta Corte Superior. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento” (RR-10627-50.2021.5.18.0083, 3ª Turma, relator ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 26/3/2024).

“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. PEDIDO DE DEMISSÃO. AUSÊNCIA DE ASSISTÊNCIA DO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. No caso em tela, a discussão acerca da validade do pedido de demissão firmado pela empregada gestante, sem homologação do sindicado da categoria, detém transcendência política, nos termos do art. 896-A, § 1º, II, da CLT. Transcendência reconhecida. Predomina nesta Corte o entendimento de que a assistência sindical é imprescindível nos casos de pedido de demissão de trabalhadora detentora da estabilidade provisória da gestante, ainda que haja desconhecimento da gravidez no momento do pedido. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – RR: 1001370-39.2019.5.02.0005, relator: Augusto Cesar Leite de Carvalho, data de julgamento: 11/6/2024, 6ª Turma, data de publicação: 14/6/2024)

“AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO ARGUIDA EM CONTRAMINUTA. A reclamante, em contraminuta, argui a preliminar de não conhecimento do agravo de instrumento, sob o argumento de não ter atendido aos requisitos da Súmula nº 422, I, do TST. Diante da efetiva fundamentação do agravo de instrumento, não há incidência desse verbete. Preliminar rejeitada. ESTABILIDADE DA GESTANTE. RESCISÃO CONTRATUAL POR INICIATIVA PRÓPRIA. DESCONHECIMENTO DA GRAVIDEZ, À ÉPOCA DO PEDIDO DE DISPENSA. AUSÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SINDICAL OU DA AUTORIDADE COMPETENTE. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. Esta Corte tem firme entendimento no sentido de que o pedido de demissão da empregada gestante, ainda que desconhecido seu estado gravídico, sem assistência sindical ou da autoridade competente, não acarreta renúncia à estabilidade provisória, analogicamente nos termos do art. 500 da CLT. Como a decisão monocrática foi proferida em consonância com a mencionada jurisprudência pacificada por esta Corte, deve ser confirmada a negativa de seguimento do agravo de instrumento. Agravo interno a que se nega provimento, com incidência de multa.” (TST – Ag-AIRR: 00000125420235140111, relator: Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, data de julgamento: 26/6/2024, 6ª Turma, data de publicação: 28/6/2024)

Portanto, comprovado que a empregada estava grávida quando formalizou pedido de demissão, com ou sem conhecimento da própria gravidez, a rescisão contratual só será válida se houver assistência do sindicato da categoria ou autoridade competente, nos exatos termos da legislação trabalhista vigente.

Desafios jurídicos do PL sobre IA e proteção ao trabalhador

Empregado não deve devolver complementação de auxílio por incapacidade temporária

APOIO À RECUPERAÇÃO

 

Empregado não deve devolver complementação de auxílio por incapacidade temporária. Com esse entendimento, a 2ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro negou ação em que a Caixa Econômica Federal pedia que uma bancária lhe devolvesse cerca de R$ 80 mil.

De acordo com a Caixa, a empregada deveria ressarcir a instituição os valores pagos no período retroativo até 13 de maio de 2021, mês e ano em que teve sua aposentadoria por invalidez reconhecida pelo INSS. Com isso, seriam indevidos os pagamentos efetuados à empregada, resultando no saldo negativo das verbas rescisórias.

O banco considerou também indevidos os valores depositados correspondentes à licença-prêmio, ausência por interesse pessoal, sem desconto do dia de trabalho, IP judicial, salário e gratificação natalina.

Em sua defesa, a ex-funcionária apontou que foi admitida em 2011 e que recebeu auxílio por incapacidade temporária de natureza comum (espécie B-31) de 2012 a 2020. Ela também apresentou documentos do INSS provando que até 2022, o INSS lhe pagou o auxílio por incapacidade temporária (B-31), visto que a Previdência ainda não havia deferido o benefício da aposentadoria, apesar da realização de perícia em maio de 2021.

Portanto, os valores cobrados pela Caixa se referem à complementação do auxílio por incapacidade temporária prevista nas normas coletivas, disse a bancária.

Sem devolução

Para a juíza Andrea Rocha Detoni, a empregada manteve contato com o empregador, informando-lhe sobre seu status previdenciário e em setembro de 2022, o próprio banco enviou e-mail à funcionária acusando o recebimento da carta de concessão de sua aposentadoria. E justificou a magistrada: “O banco continuou fazendo pagamentos desde então, por mera liberalidade”.

“O que prevê a norma é o seguinte: (a) o empregado requer o benefício previdenciário e, enquanto este não for pago pela Previdência, o empregador adianta o seu valor, de modo que o acerto será feito quando o benefício começar a ser pago pelo INSS; e (b) paralelamente a isso, o banco deve pagar uma complementação ao valor do benefício previdenciário, consistente na diferença entre a importância recebida do INSS e o somatório das verbas fixas por ele percebidas mensalmente. Para esta última parcela, não há qualquer hipótese de acerto na norma coletiva”, destacou a juíza.

Segundo a julgadora, o único acerto que a Caixa poderia fazer seria aquele relativo ao adiantamento do benefício previdenciário, o que não é o caso, já que a bancária estava afastada desde fevereiro de 2020 — e as cobranças remontam a fevereiro de 2021. Assim, Andrea Detoni entendeu que o banco não demonstrou nenhum fundamento para a cobrança dos valores.

A bancária foi defendida pelo escritório AJS|Cortez & Advogados Associados.

Clique aqui para ler a decisão

Processo 0101140-19.2023.5.01.0002